Falo muito sobre o meu país. Valorizo-o, especialmente no que concerne à Cultura, aos nossos fazedores de arte. Gosto muito de Portugal, pelas suas diferenças regionais, pelas paisagens, pela gastronomia, pelo clima, pelas gentes. Mas como é óbvio, não por toda a gente. Há muita gente que tem um pensamento demasiadamente conservador, atrasado, passadista. Não gosto. Como não gosto da corrupção instalada, das cunhas, dos interesses, de uma série de gente com pequenos e grandes poderes instalados e podres. Que fedem, que dão-me raiva. Fazem-me ter vontade de estoirar com eles, com os poderes e essas pessoas. Torno-me muito violento, apetece-me partir tudo. Porque não me conformo, porque estou sempre do lado dos pequenos, dos oprimidos, dos pobres. Porque também o sou: pobre. Mas gosto de lutar, gosto de olhar para o lado, para os outros, ter uma noção ampla do que por aqui se passa. E não gosto do conformismo das pessoas. Não gosto da apatia, de rir fora de tempo. A arte do humor é a mais difícil, pois tem um ritmo muito próprio e definido. Não podes passar esse tempo, senão quebras tudo. O mesmo se passa connosco. Não podemos deixar-nos levar pela bonomia, pelo facilitismo dos dias. Temos de ser exigentes. Connosco e com os outros. Faz-nos falta. Não gosto desta maneira de ser lusitana, em deixar as coisas ir andando. Gosto de pôr termo às coisas: a um trabalho, a despachar uma tarefa, a dizer o que penso, a formar a minha opinião, a ser crítico e directo, sempre respeitando a opinião do outro, mas nunca temendo a minha visão. Espírito crítico, sensível, falta-nos. Falta-nos rigor. Falta-nos cumprir o estipulado, cumprir com a palavra dada, com os horários. Falta-nos um país justo e equilibrado socialmente. Não gosto desta sociedade injusta e com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres, cavando este fosso nauseabundo e perverso. Falta-nos políticos competentes e que trabalham em prol das pessoas, da democracia. Falta-nos um país equilibrado entre o litoral e o interior. Não gosto de um país com realidades muito diferentes e em que o interior é desprezado, esquecido, posto de lado. É setenta por cento do território nacional! Como é possível? Terras magníficas, com condições naturais óptimas para o trabalho, para se viver, para o turismo, para a qualidade de vida, para a felicidade e temos isto? Não se sentem envergonhados? Eu sinto-me, apesar de não ter culpa e ser contrário ao encerramento de centros de saúde, hospitais, maternidades, postos de correios, tribunais, freguesias, estações de comboio, fábricas, projectos. Sou a favor de um país regionalizado, dividido em regiões, que poderiam canalizar os dinheiros bem melhor, com pessoas da região, que a conheçam bem. Todos os países evoluídos e da Europa, possuem regiões e as coisas funcionam bem melhor do que aqui. Sou também a favor do envolvimento directo das pessoas na participação directa em votações de vária espécie, os chamados referendos. Poder votar se quero manter aquele mercado ou não, se na minha região quero valorizar o turismo ou as indústrias criativas. Se queremos ou não touradas. Isto sim, seria um país mais justo, mais equilibrado, com participação cívica elevada. Isto claro, se as pessoas votarem. Eis outro problema, coisa que não gosto. As pessoas não votam, não se envolvem, desistem. Quarenta por cento de abstenção. Se julgam que estão a dar um sinal contra os políticos, pelo contrário, são os responsáveis por serem os mesmos a vencer, as mesmas caras a mandar nas vossas vidas, vós que desististes de poder ser representados por aquele que mais se identificam. Assim, permitem que qualquer um mande em vós. E vós calais e gostais. Se reclamais, é sintomático do espírito atrasado e estúpido, desculpem a sinceridade, de ser e agir perante o mundo e os outros. Reclamar fora de horas, a destempo, não serve de nada. É apenas ruído. E desse já temos em barda no nosso país. Não gosto de ver as pessoas atirarem beatas e pastilhas elásticas ao chão. Não gosto de ver pessoas atirar lixo à rua, o que ainda se vê com alguma frequência. Não gosto de ver as nossas zonas costeiras degradadas, sem estarem limpas. O mesmo com as zonas agrícolas e florestais, sujas, com as sebes altas, o chão cheio de matérias secas e potencialmente combustíveis, que causam ano após ano os incêndios, além claro, dos fogos postos por lunáticos, atrasados mentais, criminosos, pessoas com interesses. Mas os incêndios não são fatalidade. Poderiam ser combatidos, o ano inteiro, limpando as matas, criando zonas corta-fogos, tendo vigilância, tendo os proprietários como responsáveis máximos dos terrenos, mantendo-os limpos e sempre vigiados. Poderíamos ter rios mais limpos, mais saudáveis, se as empresas, as explorações agrícolas fossem controladas, tivessem multas brutais sempre que prevaricassem. Poderíamos controlar os assaltos, os roubos, esta criminalidade se os prevaricadores fossem punidos e soubessem que o sistema judicial os não libertava por tuta e meia. Porque me dá raiva o pequeno ou o grande roubo. Não sou a favor de uma sociedade baseada no medo e na segurança, mas falta-nos mão mais rígida, o que não é o mesmo que ser pesada. A rigidez tem a ver com o criminoso saber que ao estar perante a justiça, vai ter problemas, que o castigo é uma consequência do crime. E há tantos modos de castigar. Há o serviço cívico, há trabalhos pesados, há a correcção prisional e não como a actual pousada prisional. Não gosto do rumo da nossa educação. Do facilitismo. Da dificuldade de vida dos professores, desamparados e isolados socialmente. Uma profissão basilar e que mantinha um respeito, pelo menos para quem interessa, os alunos e os pais, foi sendo desvalorizada que hoje é olhada de soslaio. Um professor é um burocrata, trata de papéis e depois tem de aturar miúdos indisciplinados, que pensam mais em jogos, em computadores que nas aulas, nas matérias a aprender. Valoriza-se o primado do indivíduo egoísta, preguiçoso e presunçoso. Ao invés, os que se aplicam, os que estudam, são gozados pelos colegas, sofrem bullying, são escorraçados. Mas felizmente que ainda os há, são o futuro deste país. Nem quero alongar-me no ensino superior. Mas tenho notado um baixar de nível, de conhecimentos. Conheço muitos jovens no superior ou com cursos concluídos e com falhas graves de cultura geral, de escrita, oralmente não conseguem manter uma conversa minimamente estimulante do ponto de vista intelectual. Tornam-se especialistas na sua área de estudo e do resto, pouco sabem, pouco procuram interessar-se em outros mundos do saber. Claro que há excepções e ainda bem. E um dos grandes problemas de alguns jovens em relação ao futuro é esse saber limitado e que os fez acreditar que a especialização é que é. Pelo contrário, um saber global e alargado, como preconizavam os homens do Renascimento, é mais proveitoso e abre mais possibilidade de escolha para uma profissão, para trabalhar em áreas diferentes, para abrir o leque de oportunidades e de projectos de vida. Precisávamos de ter um sistema que voltasse a respeitar o Professor, em que pais e alunos sentissem ali um mestre, um educador cívico, social, político e de saber partilhado. Com mais educação, ou instrução como também podemos dizer, teremos sociedades mais justas, porque mais despertas civicamente, com consciência social mais elevada, o que se reflecte depois na consciência política, familiar, de relação e geracional. A educação é a base do conhecimento e da cultura. Seres instruídos e estimulados desde cedo para as artes e a cultura num sentido lato, o mesmo para a filosofia, o pensamento crítico e estético; serão desde cedo público atento e fazedor de cultura, vendo espectáculos, participando e fazendo arte. Numa sociedade justa e avançada, a cultura faz parte integrante de qualquer ser, a cultura abrange todos os estratos, todas as idades, todos os credos, todos os meios físicos. A cultura é respeitada e estimulada pelos governos, pelas autarquias, pelas empresas, pelos privados. O mecenato será bastante difundido, as empresas terão todo o envolvimento e serão reconhecidas por esse envolvimento. Serão empresas com alto valor cívico e socialmente responsáveis, onde apetece comprar e investir, consequentemente como cidadão, nessa empresa, nos seus produtos. É isto que sinto falta no meu país. É nisto por que me tenho batido ao longo dos anos. Mas é neste país que não tenho visto mudanças, muito poucas para quem quer tanto. Para quem é exigente. Culpa minha de ser assim, talvez. Inquietação a mais, dizem os mais brandos e felizes. É neste país que tenho visto a diminuição de salários, de regalias sociais, de qualidade de vida, de pessoas bem-formadas e o aumento de medidas políticas injustas, de políticos corruptos, de diferenças sociais, de poder de compra, de insegurança, de desemprego, de depressões, de solidão.
É este país, que tanto amo e por quem me tenho batido, que vou ter de sair. Ir-me embora. Não porque alguém disse que o melhor era emigrar. Estudei demasiado tempo para seguir vozes de burro, que nunca chegam ao céu, já dizia o provérbio popular. Não pelos outros, mas por mim. É uma vontade, um desejo, de procurar algo melhor. E desculpem, mas não é difícil. Não é difícil encontrar países mais justos, embora seja sempre difícil a integração inicial. Mas sempre me senti um cidadão do mundo, sempre gostei de viajar e mais do que isso, conhecer e respeitar o outro. Conhecer o povo, a história, o clima, a geografia, a política, a sociedade do país de acolhimento. E esse trabalho já foi feito. Já estudei bastante, como sempre. Nada se faz por acaso e não costumo tomar medidas extemporaneamente. As ideias, as vontades, andaram a moer-me a cabeça, há anos. Desde o momento em que se descobrem novas realidades, e que ainda por cima essas realidades fazem indagar-nos acerca da possibilidade e do quanto nos revemos em certos lugares, países, pessoas. E assim, se solidificou esta ideia. Como sempre, para mim o penso, demasiado tarde. Sempre fui muito serôdio, as minhas colheitas e decisões demoram sempre mais que o razoável. Defeito meu, aguentar ao máximo o barco já cheio de água, mais ainda ter na mão um balde para vazar o excesso. Sim, estou farto desta nau, o que não implica estar farto da tripulação da mesma. Tem a ver com a viagem. Quem deambula muito, tem sempre vontade em experimentar o barco que vai em sentido contrário. Como diria o António Variações, estou bem aonde não estou, porque eu só quero ir aonde não estou. Pode ser que um dia me farte do sítio onde ainda não estou e deseje ardentemente onde agora estou. Para já, é tempo de desaguar neste tempo, nesta escrita fácil, pois de tanto tempo e memórias acumuladas, é fácil discorrer sobre a realidade que me envolve. Fora isso, não há tristeza alguma. Pelo contrário, como bom português, há sempre o desejo da descoberta, do conquistar novos mundos, no meu caso, conquistar o meu pequeno mundo de sonhos e utopias. Talvez um dia possa criar essa Ilha da Utopia como Thomas Moore sonhou e vos possa convidar a todos para um mundo melhor. Até lá, saúde, beijinhos e boas partilhas. Vamos continuar a falar-nos por aqui! Sem medos, com vontade de mudar a estória da nossa História actual!