26 de março de 2018

Rabiscos num Caderno

Na idílica paisagem do deserto
as chamas afagam a memória
da sumptuosa sede
de te amar

Perscruto na melopeia ociosa
do sonho
a férrea vontade do abraço
Carcomida memória
serena
a ternura do beijo inquieto
e dar-te asas para voar
é mais perene
que a vida

Malvadez da memória!
A inquieta diatribe do momento
Percorrer lugares da imaginação
e deixar-te sozinha
na margem da alegria

Reconheço-te na transparência
no sorriso diáfano do teu olhar
E juntos, calcorreamos a vida
em doses maciças da paixão

Alucinada paixão dos afectos
dos dias e dos lugares
Deixa-me aninhar-me no teu corpo
suave, enérgico
e doce

Termino agora com um sorriso
Pétalas horárias
Na suprema hora
do amor

21 de março de 2018

Poesia?

Poesia?
Que se foda a poesia
o teatro e todos os livros

Eles nunca me ensinaram
a morrer
nem a crescer saudável

A arte não serve para nada
a poesia só me consome
por dentro
e rói, rói
como bicho álacre
e sedento

E eu fico num pranto
por nunca ter escrito
um poema esdrúxulo

Por isso
abomino a poesia
e o amor
e a saudade
e o calor

das fonéticas apetecíveis
dos ditongos exagerados
do silabar dos teus lábios
dos vocábulos enamorados

Não, poesia
não me vais vencer
vou-te jogar
na sarjeta do esquecimento

E partir, sem norte
rumo ao torpor
da aldeia mais esconsa

Para morrer em paz

20 de março de 2018

Em busca de Amor

Sinto sempre o amor a esvair-se-me dos dedos
escorrendo goela abaixo até se enlamear na minha loucura
Falta sempre algo, despudoradamente apócrifo e insalubre
O amor não existe! É ilusão cómica à la Corneille,
é espúrio sentimento em busca da salvação da solidão.

O que existe és tu. Existo eu, existem inúmeros seres
na multidão perambulando em inúmeras direcções.
Apanho o barco, o comboio e o metro para te salvar.
Mas não consegui. Já era tarde, os bares tinham fechado
à tua passagem. Parti umas garrafas contra o velho edifício,
só para poder soltar o meu frenesi intenso. Chorei baba
e ranho, dormitei na laje fria da estátua e acordei
aos primeiros chilreios dos pássaros.

Fui à tua procura. Em todas as caves nauseabundas
em todos os precipícios do mar, nas pontes
escanzeladas, mas nada. Só um fragor do teu olhar
e um abraço sonhado. Arrastei-me pela metrópole,
bebi cervejas sem parar, até que te vislumbro,
já sem esperança alguma, em redor das minhas
pernas, minha gata anódina e feliz, entaramelando
conversas com desconhecidos.

Minha gata, de seu nome Amor, famigerada e perversa calmaria
para as minhas dores de peito, meu remédio diário
a que não posso nunca falhar. Por favor, Amor:
- Não me fujas mais! Ela ronrona o seu charme
e quedamo-nos abrigados, na luxúria da noite
a fumar, a beber e a dizer poemas um ao outro.

19 de março de 2018

Border Line Train

Da ausência
de mim em mim

Encontro agora
a presença poética

incandescente
luminosa

em devaneios
sem fim

Deixei de escrever
porque nunca servi
para nada

a não ser
deambular por aí
em busca de mim

Estou na borda,
no limite da minha
vida

Sei que vou morrer
sozinho
e com contas por pagar

Mas antes disso
quero deixar os
meus livros

os meus discos
os meus gatos
e o meu coração

para ti.