25 de outubro de 2010

Verde Gaio

Dou por mim a ouvir o Verde Gaio da Guistolinha. Chego a casa estafado
de tanto correr em vão e acreditar que é possível mudar o mundo. Mas
com esta melodia suave, abrando o ritmo do mar. Permito-me agora ter
tempo para ler as notícias do dia e depois, um longo livro que ando para
ler há anos. Entretanto, o corpo também pede alimento, que o intelecto
cansa-se de tanto porvir. Neste pedaço de chão em que me encontro, fito
o cheio luar num silêncio entusiasmante. Naquele violino em pranto, as
palmas dos fãs acalmam-se e apreciam a paisagem dolente da melancolia.

Depois os saltos, a explosão dos afectos e dos sorrisos, o acordeão a gingar
no ar e no crepúsculo da vida. Sob as luzes e as músicas feéricas, a paz, um
outro ritmo por encontrar. Só posso deixar-me enlevar pela suavidade de
um canto na casuística noite das palavras rebuscadas no dicionário mais
poeirento cá de casa. Felizmente que só se ouvem os instrumentos mais
diáfanos e sem vozes, posso concentrar-me na poesia do olhar e nos
murmúrios do vento Suão. Transcrever o texto das horas breves em que
afundado no solstício do mar, naveguei nos horizontes da mais bela solidão.

8 de outubro de 2010

Quisera eu...

Quisera eu ter a sabedoria dos homens de antanho.
Não passo do vulgo e raso chão daninho da vida.
Quisera eu ser a palavra sincera e humana.
Não sou mais que o silêncio da mentira.

Tenho a sorte de olhar para uma sensibilidade anciã e amada.
São carinhos que afagam a minha solidão desabrigada.

Quisera eu ser uma pedra e poder ser durável.
Quisera eu o mais puro e feliz dos amores.

Não mereço mais que a nuvem carregada sobre mim.
A chuva demorada e quente nos meus olhos.

Recebido no regaço de um novo lar, silêncio bom em mim.
O acordar em surdina da paisagem feita contemplação.

No verde mar do teu horizonte, a baía dos prodígios.
Na neblina em que me encontro, o cabo das tormentas.

Quisera eu o melhor dos mundos, para ti.
Uma palavra doce, para misturar com o teu chá de tília.

Na quimera do ouro dos corações apaixonados,
uma quimera de prata na sala de jantar dos amantes.

Ficas com a medalha de bronze deste sofisma da memória.
Eu, com a de latão da mais velha e pobre sucata abandonada.