31 de maio de 2006

E vão setenta!

O Trigo Limpo Teatro ACERT prepara a sua nova produção, "Em Paz", a partir do preto... queiram desculpar, a partir da comédia "Lisístrata", de Aristófanes.
Este espectáculo de Teatro de Rua tem estreia agendada para 30 de Junho.

Podem acompanhar neste blogue a concepção deste espectáculo. Para já, conheçam a ficha técnica e a sinopse de "Em Paz".

28 de maio de 2006

Schostakovich

Sempre tive um (pouco) secreto fascínio pela Mãe Rússia. E quando li que haveria um recital de comemoração do centenário do nascimento de Dimitri Schostakovich no CRAEB, pululei de júbilo. (Uma das vantagens de se ser famoso é ter o aniversário comemorado durante o ano inteiro, algo só ao alcance dos maiores vultos.) E mais entusiasmado fiquei ao saber que o recital teria transmissão em directo pela Antena 2. Até que recebi um telefonema da Maria Pernilla.
- Ói, vamos ao recital a Visoy?
- Sim, Pern! Mal posso esperar! E vamos estar em directo, eu e você na TV!
- Como? Não é na TV, é na Antena 2, a rádio!
- Ah... (pensava que a Antena 2 era um desses canais novos por cabo. Mas não confessei esta minha ignorância à Pernilla.) - Estava convicto de que ia passar no Arretê! Bom, vou já reservar os bilhetes. Até lá!

Isto aconteceu na antevéspera do evento. No próprio dia (quinta-feira) a Pernilla telefonou-me a dizer que não poderia ir, sem apresentar uma justificação plausível. Supus que seria por causa da sua timidez, que a inibe de frequentar alguns espectáculos artísticos. Eu próprio estaquei à porta do CRAEB, revirando os olhos como a Paula Radcliffe ao reparar no público presente no foyer. E suei, um suor frio apesar do calor que se fez sentir nessa noite beirã. Estava para abandonar o local, quando me recordei das palavras de João Peste:

“Mamma told me I was crazy:
- Mamma, we`re all crazy now!”


E entrei.
No foyer conversava-se alegremente em várias línguas: português, inglês, alemão e façonnable. Até que, ao sinal, ocupámos os lugares.

Como o concerto decorreu numa cidade do interior, e para que o público não interrompesse os andamentos para aplaudir, foi contratado um animador de plateia (lembram-se dos espectáculos de Tony Silva, n`”O Tal Canal”, em que havia uma “coelhinha” com umas tabuletas com instruções para o público? Assim aconteceu em Viseu, só que com um homem de negro vestido ostentando nas tabuletas os dizeres
APLAUDIR,
COMOVER-SE,
RELINCHAR, e
SUSPIRAR,
que foi mostrando ao longo do espectáculo.
A sala estava bem composta de pessoas e cadeiras. O recital foi conduzido pelo MC Pinto-Ribeiro (Filipe), que também é pianista (e dos bons, por sinal, de acordo com a informação da folha de sala que nos foi entregue à entrada).

Começou o recital, com o programa que pode ser consultado aqui.

Na plateia sustinha-se a respiração e o público retesava-se nas cadeiras, irompendo em aplausos, especialmente no final do Quarteto de Cordas Nº8, Opus 110 “Em memória das vítimas do Fascismo e da Guerra”, a que se seguiu uma pausa para podermos comentar a 1ª parte e limpar o suor dos rostos (não necessariamente por esta ordem). No intervalo acedi à Internet no computador do foyer e deixei o browser no “Maria Pernilla”, o que explica a profusão de comentários neste blogue nos últimos dias.

No início da segunda parte, o MC Pinto-Ribeiro contextualizou a obra de Schostakovich na sociedade soviética, principalmente no que concerne à pressão que o regime estalinista sobre ele exerceu. A dada altura referiu que Dimitri Schostakovich ficou profundamente entristecido quando o saudoso “Pravda”, o jornal oficial do PCUS, se referiu à sua música como “cacofónica”. Imaginei então como seria se nosso país um dos nossos compositores mais populares, digamos o Emanuel, lesse no “Y” esse mesmo comentário acerca da sua obra: provavelmente perguntaria “Então quer dizer que gostaram, certo”?
A finalizar, o MC referiu que é redutor limitarmo-nos a enquadrar a obra de Dimitri S. na realidade soviética, pois trata-se indubitavelmente um dos maiores compositores de todos os tempos. Nessa altura, senti-me como quando, numa visita guiada a uma exposição de artes plásticas, o guia, depois de nos “massacrar” com informação de relevância diversa sobre o artista, nos diz que o melhor a fazer é deixarmos que a arte fale por si.

O pianista (Pinto-Ribeiro) era um homem de emoções à flor da pele, pois nos andamentos mais melancólicos e soturnos interpretados na segunda parte, voltava-se na direcção dos restantes intérpretes contorcendo-se em expressões que, noutro qualquer contexto, poderiam ser tomadas por grande sofrimento. O vira-pautas assistiu a tudo isto com o distanciamento que lhe é demandado, tão compenetrado estava na sua tarefa de virar pautas.

O público aplaudiu com emoção sentada (no que se convencionou designar por aplauso “de batata na frigideira”).

P.S. Apresento as minhas desculpas ao “vladivostok” por não lhe ter falado do recital. Mas, para que saibam, ele também não me informou da realização do seminário clandestino sobre métodos de tortura de dissidentes norte-coreanos!

27 de maio de 2006

Estados Apolíneos na Esfera Convexa do Olhar

Corre, corre vagabundo
corre lesto até ao mar
vira e corta a direito
com a alegria de pasmar

O que me é dado ver é tristeza
o sorriso é do mundo dos incompetentes
quem está marcado p'la vida
só pode ver negras sombras

Farto de comédia e de seres ensandecidos
prefiro a quietude do olhar e do amor
A suprema inteligência apolínea

Já deixei de ser Sátiro há bastante
não creio tanto nos Dionisíacos prazeres
que corrompem a alma
e turgem os sentidos

Melancolia do olhar
é apenas um estado de paz,
de paciência serena,
de doce maturidade

Pernilla Curandilla

O Zeca Campos, o odeusdamaquina e até o vareta andam melancólicos, cansados (angustiados?).
Pois eu, qual vendedor de banha de cobra milagreiro, tenho a solução para essa melancolia, em dois passos apenas!

1º Escolham uma rua ou estrada com pouco ou nenhum tráfego e com uma inclinação razoável. Coloquem-se no cimo dessa ladeira. Inspirem fundo e comecem a correr. Corram sem parar, pela estrada abaixo, até começarem a voar baixinho. Quando se sentirem cansados, não parem; continuem a corrida, olhando em frente, até ficarem esbaforidos. A regra é: não parar, até que a melancolia que transportam no vosso organismo se revolva e se torne minúscula.

2º Junto a um qualquer muro ou parede, expilam a melancolia pela boca com o urro mais ensandecido que conseguirem emitir. Apanhem-na do chão, atirem-na furiosamente contra o muro e fiquem a vê-la definhar, ouvindo os seus lamentos e gemidos. Esperem até ela ficar definitivamente inanimada, peguem nela com luvas de plástico e depositem-na no caixote do lixo mais próximo.

“E se depois / O sangue ainda correr / Corre atrás dele” Adolfo L. C.

25 de maio de 2006

Cansaço dos sentidos

Estou exausto!
Preso a um mal que não sei decifrar, a uma teia de acontecimentos intermináveis.
O meu corpo suspira por um olhar terno, uma fraterna imagem de fealdade.
Os destinos estão corrompidos
e as ideias já não moram aqui,
na floresta de enganos dos dias carcomidos
Na insone memória dos corações apagados

Presto homenagem aos possantes cavalos selvagens,
plenos de vigor, utopia, marcha apressada
e um porte inimitável, fulgurante cavalgada
do deserto, músculos e sangue
na tarde ruborescente

Aliviei o cansaço em notas breves,
despedidas fugazes, pouco que dizer,
saudade, nenhuma.
O meu mundo foi apenas
o escutar muito e sentir tudo!

Descansei ao sétimo dia,
após forçada e longa viagem.
Dormi, repousei os meus cascos
num lugar ermo, confortável.
Só o sonho fazia a convulsão
da memória dos sentidos.

21 de maio de 2006

Saudade!

Desta vez foste tu!
Desapareceste sem deixar rasto.
Mas deixaste memórias, odores e sabores
da tua Índia combatente, dura, Juvenil.
Voltaste são e salvo, viveste, construíste,
trabalhaste no guindaste elevado, perto do cais.

Na tua companhia, aqueles cigarros, míseros
trechos de felicidade que nos atiram para a lenta
agonia duma morte cruel. Foram eles que te mataram.
Mas tu eras a força, a humildade, o sorriso diáfano
perante as agruras da vida.

Eras tanto pra mim, que ainda hoje, te nomeio presente!
Num presente ausente, mas numa presença constante
e imorredoira, numa fiel fronteira dos sentidos,
num algoritmo de paixões, marés e navios de felicidade.

O que importa é sempre a vida, o recordar e sorrir,
o precipitar-se no cerne dos acontecimentos,
encontrar-se, encontrando outras vidas.

O que fica, são abraços, carinho e aquelas
horas vividas intensamente com prazer!
Obrigado sejas, pelo que nos legaste.

(à memória do meu tio)

19 de maio de 2006

Nesta Queimada, urina o dino e apaga o foguinho!

Todos à queimada, em Barreiro de Besteiros, dia 20 pelas 17 horas,
no queimadrómono central, entre a eira do Ti Antunes e a leira do Ti Adelino!
Se correr mal, não há problema, chama-se os Bombeiros de Campo de Besteiros!
(Esta é uma notícia local - Cada vez mais, é preciso dar destaque à imprensa regional, com todo o seu conteúdo de índole comunitário, sempre improtante pra todos nós.)

18 de maio de 2006

Nesta Queima, bebe um fino pelo Dino!

Foi a palavra de ordem da RUC - Rádio Universidade de Coimbra para a Queima das Fitas daquela cidade.

(Agarrem-se à emissão online - há "Origami", "Íntima Fracção" e muito mais)

15 de maio de 2006

Elogio da Gramática

Como ficam as palavras depois da mutação?
da mudança de paradigma, do olhar?
Como se socorrem os ouvidos da melopeia interminável,
dos gestos escondidos, das paixões etéreas?
Como deixar-se perder nos meandros dos paraísos
inomináveis dos corpos ausentes?

Que nova esperança tendes, em que propícios climas
tentais vós asseverar-vos da razão?
Há já muitos dias que vos avistam menos, vós que
éreis garboso e selvagem, andando nos corcéis ociosos
e nas lúgubres paragens do infinito.

Como ficam os humanos após a mutilação?
da ausência de dor, de sentimento?
Como se aliviam os gestos do movimento finito,
dos olfactos perenes, dos genocídios terrestres?
Como não fazer esquecer no cerne das guerras
nominais, os cadáveres presentes?

Que velho desespero abraças, em que crudelíssimos mares
desistis vós da aurora da emoção?
Há poucos instantes que seríeis o mais inocente dos heróis,
o único recusado dos louvores celestes, navegando no burilar
dengoso e ofuscante das gramáticas poéticas.

A Vida Enorme

Quinze minutos depois, imaginava aquele que poderia afinal revelar-se o mal menor. Teria chegado atrasado, ter-me-ia deparado com os assistentes de sala que, com uma profissional compreensão, me informariam da existência de ordens para não deixarem ninguém entrar após o encerramento das portas da sala. Entre o transtornado e o conformado (afinal, havia já sido avisado de tal procedimento), regressaria muito provavelmente a casa. Quinze minutos depois, ponderava abandonar a sala.

Primeiro, o som sem imagem: textos poéticos de Herberto Hélder lidos alternadamente por Emmanuelle Huynh (a criadora do espectáculo) em francês, e por Nuno Bizarro (bailarino), em português. Os diseurs enganam-se e riem; depois recomeçam. A plateia cansa-se. No palco, duas colunas sobre duas caixas, ao centro. A plateia aprecia o desenho de luz do espectáculo, enquanto se contorce de impaciência. Huynh situa-se, com esta apresentação, na corrente do imprecacionismo, assim designada por confrontar o espectador com situações-limite, levando a que este solte imprecações, verbalizadas ou não. Subitamente, o quarto-de-hora-poético é quebrado, durante breves segundos, por “Heroes” de David Bowie. Regressa a leitura, depois a música.

Segundo momento: a imagem sem som. Os bailarinos já no palco. Em silêncio, os corpos despertam, tomam lentamente consciência um do outro. Atrás de mim, alguém pede desculpa e sai. A bailarina, Catherine Legrand, apercebe-se do ruído e olha os que saem, saindo ela também por momentos da personagem. Os corpos aproximam-se, enlaçam-se em movimentos langorosos, lentos, carnais, impregnados de desejo. Separam-se e ficam literalmente suspensos da existência do outro. O silêncio é interrompido por diversas vezes por “Heroes”, despertando-nos da contemplação das pulsões daqueles corpos.

“A Vida Enorme”: em pouco menos de uma hora, “o som sem imagem, a imagem sem música como num filme sem sincronismo.”

De regresso a casa, um gato amarelo e branco atravessa a estrada poucos metros à minha frente. Desacelero e desvio-me ligeiramente para não o interceptar. Fascinou-me a sua corrida temerária e felina perante os meus olhos. Assisti à continuação do que acabara de presenciar no palco, iluminado pelos faróis do carro.

Chegado a casa, leio na brochura de “A Vida Enorme”: “Neste filme, o espectador é levado a construir o enredo no seu ecrã pessoal”. Não deveria ser assim em todas as ocasiões?

(Nesse dia, perto de casa, passei de carro por um grupo de meia dúzia de pessoas. Havia pétalas no chão, e uma mulher de meia-idade atirou pétalas ao carro. Buzinei-lhe como sinal de agradecimento.)

Escrever sobre um espectáculo de dança está para além da minha compreensão e ainda mais da minha capacidade. Cláudia Galhós escreve colunas inteiras – páginas! – sobre uma coreografia. Como o consegue? (E quantos serão os que lêem os seus textos na totalidade?) Se um dia estiver na sua presença, cairei prostrado a seus pés.

13 de maio de 2006

Totus Tuus Maria Pernilla

10 de maio de 2006

Promiscuidade

Qual é a tua, de dizeres que
o que eu traço aqui
são apenas tormentos pessoais,
dores e sangue, quando no fundo,
a arte poética é conseguir ser
o melhor fingidor no pior dos mundos!

Por isso meu caro, não te deslumbres
com as promíscuas palavras, que se tocam
umas às outras, que se riscam, rasgam e reescrevem,
que dizem amor ou dor com a mesma exactidão
da matemática do olhar.

As penumbras, os passados, a toalha atirada ao chão,
não é derrota, é o suor de não ter conseguido superar
desta vez, sabendo que para a próxima estamos cá, e vivos,
plenos de força exuberante e demoníaca.

sim, porque as palavras é o que nós quisermos fazer delas num dado momento.
hoje apetece-me um sol fresco, para contrariar a canícula dos corpos ausentes.
amanhã quero um sol fogoso, para me aproximar daquela crueldade presente
dos invernos da nossa vida.
tudo uma questão de estações, de estados de vida, numa vida circular, minimal,
mas que se pretende criativa, diferente, inovadora, porque queremos mudar,
não o mundo, mas o espaço á nossa volta, nós próprios, num processo de evolução
contínua. traçamos novas rotas, embora saibamos que há um rumo determinado.
não, não falo de destino. o destino é dos loucos, é dos trágicos. o destino está em Édipo, em Medeia, em Hamlet, em Macbeth. o destino pertence aos grandes homens, que posssuem em si a ambiguidade, o claro-escuro de uma pintura expressionista.

não, e sim, numa sempiterna,numa sempre e eterna rudeza, crueza do desafio, no fastio
estafado de uma língua exigente e presente, viva, aberta, cheia de amor, de faustosidade, de grandiloquência divina.

a promiscuidade de não separar as águas, os homens, as religiões.
somos todos da mesma massa podre, telúrica, mutável. daí as nossas diferenças e contradições. promiscuidade dos corpos vazios.
na mais penetrante imagem sexual, pornográfica, no sexo mais puro e duro, há corpo com matéria, com suor, com desejo. aí, nunca há promiscuidade.
o corpo sem emoção é promíscuo, é falível, desfaz-se depressa.
fim de cita a acção. fim das cidades sem acção! fim da acção sem cidades, sem homens, sem cabeças melancólicas, melodiosas, cinemáticas, melómanas.
o fim é o princípio do mundo!

4 de maio de 2006

Sorriso Metálico

Tenho um sorriso metálico
nesta vida do dia-a-dia
Acordo com o sangue de uma noite dolorosa
Fustigo as intermitências do olhar
e corroo-me nas antecâmaras do poder

Maliciosos dias a conter o prazer
e a duvidar da minha existência!
Tantas carícias nos outros corpos
o meu é apenas carne, suor,
muitas lágrimas escondidas

Anos e anos na penumbra da beleza
deito-me com as chagas
de uma saudade magoada.

Tenho um sorriso metálico!
- Sim, uso aparelho nos dentes!

1 de maio de 2006

Somos todos telúricos!

O Crédito Agrícola editou um calendário para 2006, cheio de bons conselhos e recomendações para os agricultores nacionais, não esquecendo (como poderia?) as fases da lua.

Eis então as recomendações para o mês de Maio, que ora se inicia:

Na horta:
- Semear em local definitivo e no crescente da lua abóboras, agriões, alfaces, beterrabas, bróculos, cenouras, couves, ervilhas, espinafres, feijão, melão, melancia, nabos, pepino, pimentos, rabanetes, repolho, tomate.
- Colher alcachofras, espargos, ervilhas, etc.

No jardim:
- Semear cravos, manjericos, trepadeiras. Colher flores para semente.

Gado:
- Bom mês para a criação de coelhos. Castrar gado, tosquiar as ovelhas, emprenhar as cabras.

Com as Maias vem o alegre e o fraterno calor, depois aquece até o Espírito Santo e o seu amor.