28 de maio de 2006

Schostakovich

Sempre tive um (pouco) secreto fascínio pela Mãe Rússia. E quando li que haveria um recital de comemoração do centenário do nascimento de Dimitri Schostakovich no CRAEB, pululei de júbilo. (Uma das vantagens de se ser famoso é ter o aniversário comemorado durante o ano inteiro, algo só ao alcance dos maiores vultos.) E mais entusiasmado fiquei ao saber que o recital teria transmissão em directo pela Antena 2. Até que recebi um telefonema da Maria Pernilla.
- Ói, vamos ao recital a Visoy?
- Sim, Pern! Mal posso esperar! E vamos estar em directo, eu e você na TV!
- Como? Não é na TV, é na Antena 2, a rádio!
- Ah... (pensava que a Antena 2 era um desses canais novos por cabo. Mas não confessei esta minha ignorância à Pernilla.) - Estava convicto de que ia passar no Arretê! Bom, vou já reservar os bilhetes. Até lá!

Isto aconteceu na antevéspera do evento. No próprio dia (quinta-feira) a Pernilla telefonou-me a dizer que não poderia ir, sem apresentar uma justificação plausível. Supus que seria por causa da sua timidez, que a inibe de frequentar alguns espectáculos artísticos. Eu próprio estaquei à porta do CRAEB, revirando os olhos como a Paula Radcliffe ao reparar no público presente no foyer. E suei, um suor frio apesar do calor que se fez sentir nessa noite beirã. Estava para abandonar o local, quando me recordei das palavras de João Peste:

“Mamma told me I was crazy:
- Mamma, we`re all crazy now!”


E entrei.
No foyer conversava-se alegremente em várias línguas: português, inglês, alemão e façonnable. Até que, ao sinal, ocupámos os lugares.

Como o concerto decorreu numa cidade do interior, e para que o público não interrompesse os andamentos para aplaudir, foi contratado um animador de plateia (lembram-se dos espectáculos de Tony Silva, n`”O Tal Canal”, em que havia uma “coelhinha” com umas tabuletas com instruções para o público? Assim aconteceu em Viseu, só que com um homem de negro vestido ostentando nas tabuletas os dizeres
APLAUDIR,
COMOVER-SE,
RELINCHAR, e
SUSPIRAR,
que foi mostrando ao longo do espectáculo.
A sala estava bem composta de pessoas e cadeiras. O recital foi conduzido pelo MC Pinto-Ribeiro (Filipe), que também é pianista (e dos bons, por sinal, de acordo com a informação da folha de sala que nos foi entregue à entrada).

Começou o recital, com o programa que pode ser consultado aqui.

Na plateia sustinha-se a respiração e o público retesava-se nas cadeiras, irompendo em aplausos, especialmente no final do Quarteto de Cordas Nº8, Opus 110 “Em memória das vítimas do Fascismo e da Guerra”, a que se seguiu uma pausa para podermos comentar a 1ª parte e limpar o suor dos rostos (não necessariamente por esta ordem). No intervalo acedi à Internet no computador do foyer e deixei o browser no “Maria Pernilla”, o que explica a profusão de comentários neste blogue nos últimos dias.

No início da segunda parte, o MC Pinto-Ribeiro contextualizou a obra de Schostakovich na sociedade soviética, principalmente no que concerne à pressão que o regime estalinista sobre ele exerceu. A dada altura referiu que Dimitri Schostakovich ficou profundamente entristecido quando o saudoso “Pravda”, o jornal oficial do PCUS, se referiu à sua música como “cacofónica”. Imaginei então como seria se nosso país um dos nossos compositores mais populares, digamos o Emanuel, lesse no “Y” esse mesmo comentário acerca da sua obra: provavelmente perguntaria “Então quer dizer que gostaram, certo”?
A finalizar, o MC referiu que é redutor limitarmo-nos a enquadrar a obra de Dimitri S. na realidade soviética, pois trata-se indubitavelmente um dos maiores compositores de todos os tempos. Nessa altura, senti-me como quando, numa visita guiada a uma exposição de artes plásticas, o guia, depois de nos “massacrar” com informação de relevância diversa sobre o artista, nos diz que o melhor a fazer é deixarmos que a arte fale por si.

O pianista (Pinto-Ribeiro) era um homem de emoções à flor da pele, pois nos andamentos mais melancólicos e soturnos interpretados na segunda parte, voltava-se na direcção dos restantes intérpretes contorcendo-se em expressões que, noutro qualquer contexto, poderiam ser tomadas por grande sofrimento. O vira-pautas assistiu a tudo isto com o distanciamento que lhe é demandado, tão compenetrado estava na sua tarefa de virar pautas.

O público aplaudiu com emoção sentada (no que se convencionou designar por aplauso “de batata na frigideira”).

P.S. Apresento as minhas desculpas ao “vladivostok” por não lhe ter falado do recital. Mas, para que saibam, ele também não me informou da realização do seminário clandestino sobre métodos de tortura de dissidentes norte-coreanos!

7 Comments:

Blogger O Micróbio II usou da palavra

Deixaste-me perplexo... não sei se hei-de aplaudir, comover-me, suspirar ou até mesmo... relinchar!

29 maio, 2006 10:40  
Blogger Castanheira Maia usou da palavra

eu digo: relincha

relincha até te fartares

30 maio, 2006 22:38  
Blogger Aladdin Sane usou da palavra

Micróbio: relinchar até deve fazer bem... mas feito em privado, sem gente a ouvir-nos. Também gosto de grasnar, sibilar, etc.

Há quem sustente que emitir um destes sons (ou outros similares) numa qualquer reunião onde nos estejam a aborrecer é uma estratégia a considerar. Ou num blog, para responder a um insulto pode utilizar-se um simples:
(relinchar) ou
(bocejar).

Importante mesmo é não deixar que o riso se torne uma espécie em vias de extinção.

31 maio, 2006 19:45  
Blogger Zeca Campos usou da palavra

...e tu relinchas?

01 junho, 2006 06:15  
Blogger Zeca Campos usou da palavra

muito? pouco? em situações selecionadas?

01 junho, 2006 06:16  
Blogger Aladdin Sane usou da palavra

Grasno, sobretudo. :)

01 junho, 2006 12:54  
Blogger RPM usou da palavra

olá amigo(a) M. Pernilla.....

não acredito que as pessoas de Visoy e que assistam a um concerto do Schostakovich não saibam que as palamas só se batem no final....de toda a obra....

malandreco(a)!!! já se evoluiu....

mas gostei de ler o texto...

a festa da música serviu para isso....ensinar que as obras devam ser ouvidas e depois aplaudidas....

gosto seu(teu) blogue..... e estarei atento.

vivo na Terceira e os meus pais são de Bijeu.....

abraço

RPM

21 junho, 2006 12:53  

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