30 de novembro de 2006

Troleicarros Funiculares

Na língua
o sal de um cais
ancorado.

Uma gota
de mel na ausência
de amor.

A frescura dos
hálitos consagrados
a menta e hortelã.

O cio das vozes
timbradas de
aroma celular.

O vazio das estrelas
perfídia ao luar
e um eléctrico desejando
ter nome

Ficções,
coretos e nenúfares
na aurícula esquerda

Pulmões e tabaco
por degradar

A vida é a simbiose
da matéria perdida.

27 de novembro de 2006

M.C.V.- Uma Breve Biografia Radiografada e Surrealista

Mário Cesariny (1923-2006)

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS nasceu no dia 9 de Agosto de 1923 em Lisboa. Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudou música com o compositor Fernando Lopes Graça. Considerado o mais importante representante poeta português da escola Surrealista, encontra-se em 1947 com André Breton, facto determinante no desenvolvimento do seu trabalho literário. Ainda nesse ano participa, juntamente com Alexandre O'Neill, António Pedro etc., do Grupo Surrealista de Lisboa. Algum tempo depois, por não concordar com a linha ideológica do grupo, afasta-se de maneira polémica e funda o "Grupo Surrealista Dissidente". Principal representante do Surrealismo português, Mário Cesariny, no início da sua produção literária, mostra-se influenciado por Cesário Verde e pelo Futurismo de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Ao integrar-se no Grupo Surrealista, muda o seu estilo, trazendo para sua obra o "absurdo", o "insólito" e o "o inverosímil". Além de poeta, romancista, ensaísta e dramaturgo, dedicou-se também às artes plásticas, sobretudo à pintura. ::. Obras mais importantes:

Corpo Visível - 1950;
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano - 1952;
Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos -1953;
Manual de Prestidigitação -1956;
Pena Capital-1957;
Alguns Mitos Maiores e Alguns Mitos Menores Postos à Circulação pelo Autor -1958;
Nobilíssima Visão -1959;
Poesia -1961;
Planisfério e Outros Poemas -1961;
Um Auto para Jerusalém -1964;
Titânia e A Cidade Queimada -1965;
Burlescas, Teóricas e Sentimentais -1972;
Primavera Autónoma das Estradas -1980;
Titânia -1994.

::. Alguns Poemas
Todos por Um
Calçada do Cordeal
Rua do Ouro
A um rato morto encontrado num parque
Fidelidade
Tantos pintores

Dramático é perdê-lo!

(Clicar na imagem para ver o programa do Festival)

A ACERT, "uma ilha de liberdade", como já foi chamada, continua a celebrar os 30 anos de actividade. Agora aproxima-se o 12º FINTA: durante nove dias, artistas de diversos países - e universos artísticos - trarão a Tondela as suas criações. Mais de três dezenas de apresentações de espectáculos onde se plasmam o teatro, a dança, a música, as artes circenses - e não me refiro a Circe, a feiticeira! - o ilusionismo... convocam-se, portanto, todas as artes. Mas o FINTA 2006 galga também as fronteiras do Novo Ciclo, com apresentações em Instituições de Solidariedade Social de várias freguesias do concelho.

Destaco a estreia da 72ª produção do Trigo Limpo Teatro ACERT, "Duas histórias de solidão. Duas histórias a sós", o primeiro de um ciclo de várias produções denominado "Interiores" (dias 1, 2 e 4). E saúda-se o regresso de Ilda Teixeira, no dia 8, com "Yuri".

Mas há mais: o lançamento do livro/DVD "Memória - a marca humana das freguesias do concelho de Tondela" - autoria ACERT; lançamento do livro que evoca a vida de Flausino Torres; e o lançamento do CD/livro "Cantos da Língua", espectáculo do Trigo Limpo de que (não) falei aquando da estreia no "Maria Pernilla". E durante o festival, estará patente uma exposição de escultura de Vítor Sá Machado.

A cidade volta a fervilhar com o FINTA. Por isso... dramático é perdê-lo!




Preços
Bilhete diário para o auditório
Sócios 5 € | Desconto* 6 € | Normal 7 €

Bilhete para 7 espectáculos de auditório
Sócios 25 € | Desconto* 32 € | Normal 40 €
*Cartão Jovem, Cartão de estudante, reformados
T`fone 232 814 400

26 de novembro de 2006

mário cesariny hoje

Vamos ver o povo
Que lindo é
Vamos ver o povo.
Dá cá o pé.

Vamos ver o povo.
Hop-lá!
Vamos ver o povo.

Já está.

25 de novembro de 2006

cruelty and the beast

Se atropelarmos um cão, é possível que:
- o carro não ande;
- o cão não ande.

24 de novembro de 2006

há músicas intemporais

há músicas e temporais.

Sonic Youth - Mildred Pierce

(a Sofia Coppola faz-me lembrar a Paula C. depois de cair do trapézio)

Mais: descobri uma font (tipo de letra) chamado "Tom Violence".

21 de novembro de 2006

Grãos de Vida

Granular.
Granjear afectos na outonal estrada
da vida.

Pestanejar nas montanhas
brunidas de afecto
e solidão aldeã.

Costumar aventurar-se
pela noite, pela neblina matinal
nas peróxidas divagações.

Mortificar-se de terror e paixão
nas sombras das medas,
nos regatos marulhantes,
nas eiras... e os cães a latir,
as ovelhas a balir, e o lobo...
difícil de ouvir o seu uivar!

Permanecer em casa, à lareira,
aguentar o frio com sete cobertores,
com um rádio a tocar, o chá a fumegar

Atirar lenha para a salamandra,
esquecer o solstício de Inverno.
Esperar a manhã e o seu pão quente
com manteiga.
Oitenta e cinco por cento de sabor
lipídico, algum sal, para dar alento
a mais um dia de vida.

Emergir da neve, derreter com os seus
sapatos e um sol miudinho.
Preparar a papelada, esgrimir argumentos
e libertar o cérebro de emoção.

Socorrer-se das memórias,
inventariar partidas e regressos
nos interiores sensíveis da
nossa visão policromática,
amar uma terra, um país.

Sublinhar a letra a traço grosso
retrato abundante e singelo
de um manancial de sensações
granuladas na pretérita
estação dos sonhos.

20 de novembro de 2006

Pernilla pacifilla



"First Vietnamese War" é o tema que tem rodado no "Coyote" da Antena3 (2ª a 6ª, das 22h às 23h). Pertence a "Passover", trabalho dos texanos Black Angels. Vale também a pena ver o excelente "Black Grease"; e visitar este sítio também não é má ideia (sabe-se lá o que se poderá encontrar).

ora essa.

eu vi

Uma empresa de efeitos especiais foi baptizada com o nome de "Irmã Lúcia efeitos especiais".

14 de novembro de 2006

groin pains

Graeme Pulleyn é um actor, encenador e dramaturgo inglês que no início da década de noventa assentou arraiais na aldeia de Campo Benfeito, concelho de Castro Daire, onde foi co-fundador do Teatro Regional da Serra de Montemuro (profissionalizando um grupo de teatro amador já existente). Ali permaneceu durante quinze anos. E a vivência nesse meio profundamente rural ficou impregnado em Graeme Pulleyn, como um ácido se impregna... nevermind.

Tudo isto para falar de "Dimas", espectáculo que Graeme concebeu e que faz desfiar perante nós a vida de... Dimas, nado e criado numa aldeia inóspita e sem nome. O espectáculo assenta numa simplicidade de meios. Dois actores (Graeme e a jovencita Susana Branco) compuseram quase todas as personagens - ainda que não largando o seu contrabaixo, Bica interpretou uma. A música - ao vivo - brotou (ui que poético!) do violoncelo de Carlos Bica (que cada vez mais exala coolness), e Susana Branco impressionou também pela sua técnica vocal. Figurinos reduzidos ao essencial; os adereços eram, pude contá-los, quatro (talvez cinco). E há um aderino (ou será figureço?) que marca a diferença. Um manto de duas cores que quase se tornou uma personagem. No final do espectáculo, confesso que fiquei à espera que o manto se levantasse para agradecer a ovação de pé. Apenas faltou um desenho de luz à altura da peça.

Mas onde esta criação de Pulleyn ganhou foi sobretudo no texto, de uma grande riqueza dramatúrgica, que nos remeteu para as ambiências dos mais rudes meios campestres do nosso interior. A narração da vida de Dimas, na primeira pessoa, transportou-nos para aquelas aldeias que um obstáculo intangível parece separar do mundo real (como a aldeia de A Vila, de M. Night Shyamalan), mas que adquirem uma identidade muito vincada por essa quase ausência de contacto com o mundo exterior - ao invés de muitas localidades, em que a industrialização descaracteriza a paisagem. Em "Dimas", é o meio que condiciona o desenrolar da acção desde a cena inicial, em que a mãe morre ao dar à luz a sua irmã. A ausência do pai, entregue aos cuidados da taberna da aldeia, faz com que Dimas tome conta da irmã Isabel. Vivem portanto juntos as "dores de crescimento", isto enquanto Dimas trabalha arduamente numa mina, que lhe serve também de refúgio.

Graeme retrata muito bem a opressão que os meios rurais isolados oferecem, passe o termo, aos que neles vivem. Numa pequena aldeia, qualquer discussão pode facilmente assumir contornos de tragédia. A honra "lava-se" muitas vezes à sacholada, ao tiro ou até à mordidela (há mais de trinta anos, no sítio onde vivo, um homem arrancou parte da orelha a outro durante uma discussão - terá vindo daí a alcunha de "Escaravelho" posta ao canibal em potência?). Um meio pequeno pode também tornar-se enclausurante quando nos vemos confinados a um ritual de árdua labuta diária que nos embrutece, e isso acontece também com Dimas e a sua mina, onde a dada altura passa a trabalhar afincadamente toda a noite, noites a fio. O casamento de Isabel interrompe a vida em comum que até então tinham, e Dimas finalmente aceita a "partida" da irmã, numa algaraviada típica das festas de aldeia, bem regadas comme il faut.

Mas a separação definitiva ocorre quando Isabel emigra para o longínquo Canadá; a partir daí, apenas mantêm contacto através das cartas que uma miúda lê a um analfabeto e envelhecido Dimas. E é absolutamente tocante ouvir as saudades de Isabel da sua terra natal, da aldeia onde viveu e principalmente do seu querido irmão. E nessa altura o que vemos em palco são aquelas expressões nostálgicas que os mais velhos deixam transparecer quando recordam a vida de antanho, sabendo que se trata apenas de recordações e que os movimentos do corpo já não são capazes de acompanhar a destreza da memória.

Às vezes tento imaginar como seria se pudesse, durante alguns minutos, trocar de lugar com um desses velhos que passeiam pelas nossas ruas. Como verão eles este mundo, demasiado rápido já para a sua placidez? Será que a informação que os seus sentidos absorvem é processada em slo-mo pelo cérebro? E em que pensarão? Aquilo que para nós são actos banais, como ir à farmácia, tornam-se por vezes o ponto fulcral de um dia inteiro para eles. Será que repetem interiormente “a consulta, os comprimidos, os comprimidos, a receita, apanhar o autocarro” até à exaustão? E qual será a sensação daquele caminhar periclitante, tão bem descrito pelo Daniel Abrunheiro?
"… eram aldeãos de botas de borracha com hábitos e hálitos de aguardente, eram mulheres velhas vestidas de negro e desconjuntadas como guarda-chuvas”
e será que se sentem tão à margem do mundo quanto por vezes parecem?

Já não me lembro com precisão de como acaba a história (já foi há um mês). Mas “Dimas” arrancou-me da cadeira da plateia para me transportar a um mundo do qual já só conhecemos alguns vestígios, quando passamos um fim-de-semana no “exotismo” do interior do nosso país ou aquando dos incêndios de Verão, mas que muitos de nós ainda recordamos dos tempos da infância. E, no final do espectáculo, o meu corpo foi devolvido à sala, sorrindo muito. Graeme Pulleyn prestou a reconhecida homenagem ao lugar e aos amigos de Campo Benfeito – “lá longe”.


Queiram ler também este texto sobre o espectáculo.

7 de novembro de 2006

you must remember this

Uma faca é só uma faca...

até esfaqueares alguém.


criação: O teu mal é sono - efeitos especiais

3 de novembro de 2006

Balada dos Espectros Outonais (ao Piano)

Cansaço!
Novembro quente
nos soutos desabrigados

Castanhas em redor do lume
o frémito da reunião das almas
num círculo de conversas

A água-pé, a Jeropiga
Báquicas tergiversações
e o descanso dos sentidos

Imperial memória
destes pequenos dias
em que o frio se infiltra no rosto

Sentimentos únicos, a saudade
de te tocar poucas vezes,
de só te sentir de tempos a tempos

Benditos dias de melancolia
de neve eternal
de polícromas folhas caíndo
a teus pés

E as grossas gotas de chuva
na janela do teu quarto?
Nevoeiros cerrados,
Vento intempestivo
e uma manhã de vozes
e rostos que se encontram
no mercado mensal da aldeia

Tardes frias, sol de vistas curtas
e noites de paixão, de solidão,
de ternura, de escuta

O Outono é a estação
da escuta
dos silêncios boreais
o frenesi da natureza
o dealbar da vida

Ler o jornal, escutar a rádio
com aquelas vozes especiais
tempo de aprendizagem,
um serão no teatro
a poucas mãos tocado

Nas ruas, poucas pessoas,
os bares abrigam ainda
os últimos amantes românticos

Especiais cuidados a ter
na esfera do indizível
nesta efémera estação
São muitas rotas para me perder...

...e encontrar-me cansado!