A notícia foi esta: o cancelamento da ópera "Idomeneo" de Mozart na Ópera Alemã de Berlim, por receios da reacção da comunidade islâmica residente na Alemanha. Tudo porque numa das cenas, surgem numa cadeira as cabeças decepadas de Poseidon, deus grego dos mares, Jesus Cristo, Buda e Maomé. Depois de protestos face a esta medida tomada pela direcção da OAB, os representantes da comunidade islâmica na Alemanha apelaram à reposição da obra, tendo manifestado a intenção de assistir ao espectáculo (sem levarem mochilas).
Ora, este desaguisado poderia facilmente ter sido evitado, se o encenador desta versão, Hans Neuenfels, tem optado por estabelecer um diálogo franco, mas cordato, entre as quatro cabeças (sei lá, contar anedotas ou dissertar sobre a dança contemporânea em Portugal), no que seria um passo quiçá decisivo para o entendimento entre diferentes culturas. Calcula-se que, por motivos meramente artísticos, se tenha protestado devido ao tamanho excessivo da cabeça de Buda face às restantes. O que interesessa é que tudo parece ter regressado à normalidade, o que é de saudar, depois dos episódios dos
cartoons dinamarqueses e da citação de Bento XVI. É relativamente fácil levar um islâmico a agir em nome da fé, já que lhes prometem 70 virgens no paraíso. O que não lhes dizem é que, quando a primeira é desflorada, passam a ficar sessenta e nove.
Já a Bíblia apresenta o "episódio" em que Jesus diz ao bom ladrão, arrependido à hora da morte: "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso". Mas, acerca da violência, os cristãos já devem pensar: "Mas porque é que Cristo se lembrou de dizer que se devia oferecer a outra face? Agora é o que se vê!" Para além disso, uma vez respondeu a um apóstolo que não aos inimigos não se devia perdoar sete vezes, mas setenta vezes sete. Ora, isto é uma maneira de terminar uma conversa - o apóstolo ficou a pensar "ora, setenta vezes sete, deixa cá ver, isso dá... ui, é muito mais que... é muito!".
Já se antevia, portanto, mais um daqueles choques de civilizações, com todos a queixarem-se de estarem a ser alvos de uma cabala - e não falo da cabala do judaísmo, essa é uma cabala boa. A Madonna converteu-se-lhe - a Madonna é uma espécie de unidade monetária do mundo da pop, leva a vida de conversão em conversão. Os judeus entraram há pouco tempo no ano do Hojh Há-Xanax, o que é bom, pois isso deixa geralmente as pessoas bem dispostas. Eles têm um pacto eterno com Deus, mas escrevem a palavra assim: "D-us" (já vi algumas palavras escritas deste modo no teletexto da SIC).
Há aqueles que não acreditam na existência de entidades divinas: os ateus. O ateísmo tem a vantagem de não ter de se conhecer um ror de nomes, teorias, parábolas, preces, etc. Em contrapartida, pode gerar graves embaraços na vida social. Por exemplo, quando se diz a uma ateu:
- Então até amanhã, Senhor Doutor, se Deus quiser!
obterá como resposta um seco
-Até amanhã.
e fica a pessoa a pensar: "vejam-me só este emproado, para responder assim mais valia fingir que não me ouviu, parece que olha as pessoas de cima. Há-de ir para a cama descalço!"
Outro exemplo de diálogo entre uma crente e uma ateia:
- Então, Dona Marta, como está o seu marido?
- Ó Alzira, ele está bastante melhor, graças a Deus!
- Ainda bem.
E lá fica a patroa a pensar: "Esta Alzira está cada vez mais grosseira, tenho de ver se arranjo outra empregada. Mas uma que não me roube coisas, como a anterior. Bem, deixa-me cá perguntar ao Aníbal se já comprou os bilhetes para a ópera, logo à noite".