31 de maio de 2011

Amor Imperfeito

O teu rosto macerado no infinito
é a ignomínia da minha mais
secreta e parda loucura
de tocar os teus lábios
com o mais puro
e sereno amor
imperfeito.

30 de maio de 2011

Nas entrelinhas do silêncio

Nas entrelinhas do silêncio há ruído em barda, o eco do passado assombra-nos a memória e prende o nosso corpo a um futuro dissonante, rígido e distorcido. Nessas alturas, pede que o silêncio interior volte a ti. Só assim alcançarás a paz! Ou dito de outra maneira, não dês ouvidos ao muito que as pessoas dizem e falam. 80% do que dizemos é nada. Deveríamos usar a nossa inteligência para só dizer o essencial. E o essencial....é invisível aos olhos, já dizia o Principezinho.

26 de maio de 2011

Si-Métrica

Partir

Rasgar retratos na tua mão

Deixar

Os pedaços espalhar-se ao comprido

Voltar

As costas à desilusão

Sorrir

Do sonho acordado e nunca vivido

24 de maio de 2011

Há um Prazer

Há um prazer

no verso livre e hediondo

da minha morte

23 de maio de 2011

As Flores

As flores

elas são o alimento
do meu olhar

na doçura cálida
da minha melancolia

22 de maio de 2011

Tajine de Couscous

Um barco atracado ao cais é sempre um sonho preso

19 de maio de 2011

Castelos de Areia

Em Diabet, perto de Essaouira (Mogador), existem umas ruínas de um antigo palácio, construído no Século XVIII, que hoje em dia estão quase engolidas pela areia do mar. Esta curiosidade existe pelo facto de criar uma paisagem deslumbrante e ao mesmo tempo surreal, mas porque foi nessa paisagem das ruínas que Jimi Hendrix escreveu um tema, chamado "Castles made of sand", porque Hendrix viveu em Diabet vários anos. Numa paisagem de sonho, um artista da alucinação. Marrocos, um país de sonho a descobrir mais e mais.

O tema, podem ouvi-lo aqui:


17 de maio de 2011

Sou um Capricho do Tempo

Sou um capricho do tempo na orla do sonho

16 de maio de 2011

Uma Imensa Solidão

Subo pé ante pé as escadas da minha imensa solidão

Naufrago no lancil a bonomia agitada das horas
em solavancos hediondos e íngremes

Apoio-me na madeira envernizada e brilhante
vejo o meu suado rosto no inferno da vida

Apago memórias que não quero esquecer
e sucumbo apenas nos últimos degraus

Tento soerguer-me, mas estou falho de forças
e a razão há muito que fugiu deste lugar

Corpo asfixiado e em desalinho das horas
uma pretérita vontade de sorrir

Aqui e agora, o impasse da queda
Eu sou a astenia embriagada e doce


No decúbito da minha imensa solidão

9 de maio de 2011

O Palhaço e a Morte

Um azimute de silêncio

Na praça dos vencidos há ameixas podres em barda
na calçada suja dos amantes com narizes de palhaço             [pobre]

Uma fresca árvore na neblina do mundo, ossos a estalar
de dor na fresta aberta da melancolia em doses cavalares       [de putrefacção]

A síncope hedionda dos heróis

Uma larvar exegese na demanda do cio
Fragor sorumbático de uma bailarina-flor                                [Camélia]

E tu, vilão insurrecto de boca rasgada
na penitência da tua noite desabrigada                                    [o amor ou a arte]

E há uma trapezista que canta a morte
no lodaçal bafiento desse labirinto de dor                               [Eponina]

Uma princesa nos escombros da filosofia
e ladrões que tocam com partitura a ópera-bufa
e o maestro agita a batuta estilhaçada em cacos                     [a obra-prima]

Caminhar por onde, nas grutas do devaneio?
Calcorrear a serra em demanda dos sonhos?                         [inquieta a criação]

E a Felicidade é uma poeta do real?
Perscrutando todos os movimentos
dos seres humanos na deriva da luz                                       [subterrâneas paisagens]

De algum modo estamos sempre de passagem

Para sacrificar o amor é preciso render-se
à sorte da solidão criativa, levar ao extremo
o amor à arte, morrer de amores e resistir
à melodia frenética e dançante da paixão                               [o palhaço e a morte]

Esse era o mistério da árvore

Na genealogia da moral, um leve indício
de passado, esquecido no abismo do tempo
O presente impede a nossa passagem                                    [gestos para nada]

Aguardamos uma mudança súbita, inesperada
para nos desprendermos de um fio de água
que nos refresque a memória para o êxodo                           [futuro anónimo]

Um azimute irreconhecível e ensurdecedor.

7 de maio de 2011

Floresta de Bamako

Coleccionei postais de Bamako, ali frente ao rio Níger
Deambulei por Badalabougou e fui recolhendo as
imagens que me faltavam. Tudo isto fora concebido
num sonho estival, numa noite de solitários cansaços.

Foi neste Mali que ouvi as músicas mais extraordinárias
da minha vida. Comecei por ouvir Ali Farka Touré, mas
depois apresentaram-me mais, o Traoré, o Koité e o
grande Salif Keita. Mas o Mali tem tanto para dar-se.

Nesse sonho reparei na nítida fímbria de verde ao longo
de quilómetros a perder de vista. Não sei se seriam
muito variadas, mas discerni acácias, tamarindos,
baobabs ou embondeiros. Mas lá do alto, sentado
com os locais, vislumbrei todo este mato imenso,
e a maneira calma como todos deixavam que o
dia escorresse lentamente. Disseram-me depois,
que Mali significa bosque de árvores de fruto.

Mas lá ao longe, no interior da floresta, sentia-se
a guerra. Não com metralhadoras, mas com o
cheiro a medo e a perseguições étnicas. Foi
numa dessas que de repente me vejo rodeado,
protegido por uma facção de jovens adolescentes.

Não sei se eles pensavam que eu era jornalista ou
repórter, sei que me trataram bem e mostraram-me
aquele dia-a-dia caótico e tenso. Lá fui percorrendo
os caminhos, por entre as árvores, sempre atento ao
perigo, que poderia espreitar do alto de uma delas.

E no meio de uma dessas, um tiro silencioso e num ápice
cai uma pessoa de uma dessas árvores. Mas com vida,
apenas entregando-se ao inimigo. Sem violência, é
sequestrado pelos outros e mais nada soube dele.
Mas o sorriso de calma e conhecimento do meu guia
é que me fizeram estremecer. Tanta paz e sapiência
no meio da floresta. Era como apanhar crocodilos
no rio. Mas o medo começou a asfixiar-me com
cada vez mais uma floresta escura e claustrofóbica.

De repente, um esquadrão inimigo ataca ao de longe.
Enquanto o meu guia e muitos outros combatem, eu fujo
para trás, com algumas mulheres e crianças, expectante.
Parece que nos vão cercar, mas por fim, estamos todos
a salvo. Os outros foram repelidos para trás e tudo
volta à normalidade. Mas eu, após alguma acalmia,
acabo por me despedir do guia e ser conduzido
por crianças para fora da floresta. Sem eles, estaria
certamente perdido naquele labirinto de árvores.

Já com o sol como guia, estou de novo noutro mundo,
na calma idílica de Bamako, a olhar o rio e a coleccionar
postais, com a mesma suave brisa de há pouco tempo atrás.
Bebo um chá para retemperar ideias e deito-me finalmente,
nos escombros dos meus sonhos mirabolantes.

Fui feliz naquela enseada de guerra e paz
ao som diáfano da floresta do sonho.