9 de maio de 2011

O Palhaço e a Morte

Um azimute de silêncio

Na praça dos vencidos há ameixas podres em barda
na calçada suja dos amantes com narizes de palhaço             [pobre]

Uma fresca árvore na neblina do mundo, ossos a estalar
de dor na fresta aberta da melancolia em doses cavalares       [de putrefacção]

A síncope hedionda dos heróis

Uma larvar exegese na demanda do cio
Fragor sorumbático de uma bailarina-flor                                [Camélia]

E tu, vilão insurrecto de boca rasgada
na penitência da tua noite desabrigada                                    [o amor ou a arte]

E há uma trapezista que canta a morte
no lodaçal bafiento desse labirinto de dor                               [Eponina]

Uma princesa nos escombros da filosofia
e ladrões que tocam com partitura a ópera-bufa
e o maestro agita a batuta estilhaçada em cacos                     [a obra-prima]

Caminhar por onde, nas grutas do devaneio?
Calcorrear a serra em demanda dos sonhos?                         [inquieta a criação]

E a Felicidade é uma poeta do real?
Perscrutando todos os movimentos
dos seres humanos na deriva da luz                                       [subterrâneas paisagens]

De algum modo estamos sempre de passagem

Para sacrificar o amor é preciso render-se
à sorte da solidão criativa, levar ao extremo
o amor à arte, morrer de amores e resistir
à melodia frenética e dançante da paixão                               [o palhaço e a morte]

Esse era o mistério da árvore

Na genealogia da moral, um leve indício
de passado, esquecido no abismo do tempo
O presente impede a nossa passagem                                    [gestos para nada]

Aguardamos uma mudança súbita, inesperada
para nos desprendermos de um fio de água
que nos refresque a memória para o êxodo                           [futuro anónimo]

Um azimute irreconhecível e ensurdecedor.