29 de fevereiro de 2008

Bissexto

Dia singular e breve
Olimpíada do tempo
A tua presença é um
manancial de utopias

No ímpar desejo de
te ver, há anos sempre
pares que te observo
de maneira fugaz

Mas nunca passas
despercebido da
modorra dos dias
mais cinzentos

Regulas a arte do tempo
para não nos afastarmos
das estrelas e da noite
És pleno de vida, bissexto!

26 de fevereiro de 2008

Partir

É o tempo do silêncio, da brisa plácida.
Há frémitos de luz no ar e uma nova vaga
de estórias por acontecer. Há trabalho em
demasia. Reunir o aparato da mente. Ficar
enlevado nos braços de uma mulher. Munir
de armas e bagagens as prisões do olhar.
Ficar por aqui e partir de novo. O viandante
encontra-se de novo a sós com o universo.

14 de fevereiro de 2008

Com as Mãos da Utopia

Está na hora, apressa-te para ver o vapor partir estuário acima!
Na estação há comboios, figuras relutantes em partir, pois o homem
é feito de acasos e promessas. Quem pouco migra, pouco aprende a dar.
A viagem é feita de ilusão, de corromper a bonomia das horas e das datas.
Por isso, vai! Navega na rota dos amantes e da liberdade da paisagem.
Dá-te tempo de escutares as faces nauseabundas de trabalho rotineiro.
Contempla o andar célere das tristes vidas dos arrabaldes da esperança.
A magna e soez transitoriedade dos espaços, emboca na metrópole do caos.
Ajaezado de cintilantes luzes, a urbana rotina é feita dos destroços de um mar
fulvo, correntes e maresias de sinestesias sem fim. Esta é a visão que te espera
quando atracar o vapor das nove da noite. Vento brando e frio de inverno são
outros matizes que o teu corpo regista com intensidade e prazer. Chegada a hora,
esmiuças os edifícios e as ruas, nunca perdes o sentido da vida no dealbar de uma
nova descoberta. Partes em direcção ao desconhecido, chegas à Praça do Silêncio.
Só te apetece prender forte o teu mundo com as mãos de uma utopia por realizar!

7 de fevereiro de 2008

Abjecto Cinismo

Inconstante. Apelo à calma dos deuses. Na opípara região abdominal, ha faunos que circulam
madrugada dentro. Sorrisos embevecidos e escárnios de louvor. Quero-te aprisionada e dolente,
chuva fugaz, indómita paisagem do desalinho. Em fátuas recordações, anuncio a despedida,
uma calma permanente e inusitada apodera-se do corpo em decomposição. Há males que vêm
por quem? Pela desidratada pele de um romance apetecível. Há horas de horror quando se
presencia o linguajar hermético e fecundo. Prefiro a vacuidade das horas e do estertor ainda
no meio da praça. Depois não me venham falar de canções e fugas! Nem de princesas passeando
por entre os laranjais. Se a desdita é perene, então assimila-se o cinzento dos mares e o suor
dos espíritos da terra. Não há bolor que soçobre perante a ignomínia, traços grossos de um
desenho bem temperado de capricho. Farto de gritar ao sol a perfidez do silêncio, termino a
missiva dos pobres num barracão ancorado de sonhos e flutuações de crença. Não há pérolas
com que me possa nutrir. Acabou-se a era da engorda do pranto. Resta-me esquartejar o
presunto fumado, enchido salgado de mim, afasia intrépida e constante, rumor macilento,
espuma esconjurada, fétida monção devalante no augúrio funesto da minha hedionda vida.

1 de fevereiro de 2008

Proteico Fevereiro

A carne. Que vale?
Na irascível estação
das dores, o inverno
é poesia, rumina a
centelha da humidade.

Parcas diatribes são
conquistadas na névoa,
há esconsas vozes na
travessa da saudade,
pátio esconjurado de mim.

Na chuva cálida do poente,
há memória de navios em
pátrias ancoradas. O suor
dos pescadores é um limbo
de fraternas vidas ao desafio.

O peixe. Que religião te iludiu
nas sextas-feiras de fome?
Apenas as espinhas são
mantidas para a calcificação
das orgânicas almas penadas.