30 de março de 2006

Pensamento Profundo do Dia

Às vezes choras e ninguém repara nas tuas lágrimas...


Às vezes estás feliz e ninguém repara no teu sorriso...

Bem.............

...... Experimenta dar um peido!!!

29 de março de 2006

Língua Cantada

Ontem foi noite de estreia no Novo Ciclo ACERT. “Cantos da Língua” foi apresentado a um público ávido e sequioso por inebriantes sensações do foro cultural. E eu, como poderia perfeitamente deixar de ser, lá fui. E venho falar-vos do espectáculo.

Antes de sair de casa, estava indeciso: que atitude adoptar para aquela noite? A de jovem poseur entediado, género “já-vi-tudo-vá-surpreendam-me-se-forem-capazes” ou a de “habitué de eventos culturais, género “isto-é-o-melhor-da-vida-e-vou-passar-a-noite-a-sorrir”? Desta vez optei por alternar, melhor dizendo oscilar entre as duas posturas (uma espécie de doente bipolar, portanto).

Antes de entrar no carro, lembrei-me que não tinha coca. “Bolas!”, exclamei levando a mão direita à testa. “Que fazer?” É fim do mês, já se sabe. Lá tive de passar pelo Lidl – que fica em caminho – e comprar duas garrafas de espumante. Como no Lidl todos os produtos têm o rótulo em alemão, enganei-me e trouxe espumante branco – as garrafas são todas da mesma cor, tanto que uma vez até comprei azeite por engano! Resumindo, lá “emborquei” as garrafas à porta do Novo Ciclo, tendo depois o cuidado de as colocar no Ecoponto Azul – nessas coisas sou muito criterioso.

Levantei o bilhete reservado e dirigi-me ao bar. Estava lá o Pete, que ao saudar-me reparou logo no meu estado. “Então, não arranjaste coca para hoje?” “Não, pá! Não tive tempo de lá ir comprar! Não é a mesma coisa assim limpo...” “Pois é, pois é...” respondeu, baixando os olhos. Reparei que já estava relativamente “coquinado” - o Pete diz que só as substâncias psicotrópicas lhe permitem transpor as limitações da percepção de criações artísticas. Não percebo ao certo o que quer dizer com isso, mas é sem dúvida uma atitude inteligente.

O foyer estava repleto de gente conhecida, e falava-se de uma panóplia de assuntos, desde a crise social e laboral em França até aos malefícios do uso de telemóveis. Até que as portas foram abertas e todos acorremos ao Auditório repleto.

As palmas foram uma constante durante todo o espectáculo, até à apoteose final com o merecido e inevitável aplauso de pé. Toda a gente aplaudiu, excepto a Tina. A Tina é uma rapariga de lá a quem o pai, que pertence à Legião de Maria, passava a vida a dizer: “Olha que apontar é feio!” Um dia, vencido pela fraqueza de espírito, cansou-se de o repetir e passou das palavras aos actos. Muito se falou por aquelas bandas daquele assomo de loucura! Tina lamentou a perda da mão esquerda, mas acabou por perdoar o pai, depois de vários meses de terapia.

Seguiu-se o tão ansiado “Dão d`Honra”, servido no bar e na galeria, afinal o melhor pretexto para uma troca de impressões mais ou menos espirituosas sobre o espectáculo a que acabáramos de assistir. Quando cheguei à galeria, as garrafas ainda repousavam num canto, envergonhadamente por abrir. Afoito, abri uma delas, dizendo em voz bem alta: “Brindemos à nossa língua com as nossas línguas!”. Alguns rostos voltaram-se Para mim com estranheza, mas não me importei e comecei a beber o precioso néctar que o próprio Baco não desdenharia.

Entretanto foram por lá passando caras conhecidas. Apareceram a Guta e a Lita. Elas são duas amigas inseparáveis muito, mas muito trendy. Ironicamente, a Lita usava uma saia plissada “Comme des Garçons”, o que foi desde logo motivo para umas boas risadas a três. Depois apareceu a Lena, a produtora do espectáculo. Perguntei-lhe, em tom de brincadeira, se não queriam conceber uma nova versão de “Cantos da Língua”, denominada “Cantos da Língua Morta”, em homenagem à minha pessoa. “Seria complicado ter um espectáculo em latim”, replicou prontamente. Logo irrompemos numa sonora gargalhada em uníssono (quer dizer, não foi uma gargalhada, mas duas, pois cada um soltou a sua, mas enfim, era como uma só, o que por vezes gera confusões quando se tenta explicar estas coisas). A Lita e a Guta mantiveram-se em silêncio – por razões que só elas saberão, não se davam muito bem com a Lena.

Alguns copos depois comecei a sentir uma forte, incontrolável ansiedade que me perturbava a conversação. Era a altura de me dirigir aos lavabos. Assim fiz, e mal lá cheguei retirei 4 ou 5 comprimidos de Pridane F do frasco e engoli-os sofregamente. Senti-me imediatamente melhor. (Ainda não consegui entender porque é que tanta gente insiste em cultivar o estatuto social ao tomar Prozac, Valium, Kainever e coisas dessas, quando podem tomar Pridane F por um preço bem mais acessível! Não percebo esta inclinação para a ostentação. Juro que não compreendo!)

Regressei à galeria aliviado, e entretive-me a contar ao Sérgio a história de quando tentei concorrer à Bienal de Jovens Artistas (Ui! Sou eu! Sou eu!) da Maia com uma obra que consistia no livro “Christiane F – os filhos da droga” aberto, com um frasco de “Pridane F ao lado, e em que os comprimidos faziam de gringas do livro. Só que a assistente do comissário da Bienal recusou a minha candidatura, dizendo que tinha de submeter à apreciação do comissário o conceito artístico e a descrição da obra. “O quê? Então eu, que sou o artista, é que tenho de entregar isso? Eu situo-me na esfera da criação! Vocês é que têm de descrever a minha obra! Vocês e o meu psicanalista!” Mas foram em vão os meus intentos. Perante a recusa em admitir o meu trabalho, virei costas à assistente, não sem antes lhe dizer: “E não penses que não sei o que andas a submeter à apreciação do comissário, sua desbargada!” nesta parte da história, o Sérgio ri sempre...

E por ali ficámos até nos informarem que o bar ia fechar. Contrariados, despedimo-nos e regressei a casa. Hoje de manhã soube que tinha sido uma bela noite, pois acordei na poltrona da cozinha com uma garrafa vazia aos pés e um valente torcicolo.

27 de março de 2006

Dia Mundial do Teatro

Dia Mundial do Teatro - Mensagem Anual
MENSAGEM INTERNACIONAL DO DIA MUNDIAL DO TEATRO 2006
UM RAIO DE ESPERANÇA, por Víctor Hugo Rascón-Banda

Todos os dias deveriam ser Dias Mundiais do Teatro, porque nestes 20 séculos, a chama do teatro tem ardido constantemente nalgum canto do mundo.
Ao teatro, sempre se decretou a morte, sobretudo com o aparecimento do cinema, da televisão e, agora, dos meios digitais.
A tecnologia invadiu os cenários e aniquilou a dimensão humana, tentou-se um teatro plástico, próximo da pintura em movimento, que substituiu a palavra. Houve obras sem palavras, ou sem luz ou sem actores, somente máquinas e bonecos numa instalação com múltiplos jogos de luzes. A tecnologia tentou converter o teatro em fogo de artifício ou em espectáculo de feira.
Hoje assistimos ao regresso do actor em frente do espectador. Hoje presenciamos o retorno da palavra ao palco.
O teatro renunciou à comunicação massiva e reconheceu os seus próprios limites que lhe impõem a presença de dois seres frente a frente comunicando sentimentos, emoções, sonhos e esperanças. A arte cénica está a deixar de contar histórias para debater ideias.
O teatro comove, ilumina, incomoda, perturba, exalta, revela, provoca, transgride. É uma conversa partilhada com a sociedade. O teatro é a primeira das artes que se confronta com o nada, as sombras e o silêncio para que surjam a palavra, o movimento, as luzes e a vida.
O teatro é um ser vivo que se consome a si mesmo enquanto se produz, mas constantemente renasce das cinzas. É uma comunicação mágica na qual cada pessoa dá e recebe algo que a transforma.
O teatro reflecte a angústia existencial do Homem e revela a condição humana. Através do teatro, não falam os seus criadores, mas a sociedade do seu tempo.
O teatro tem inimigos visíveis, a ausência de educação artística na infância, que impede a sua descoberta e o seu usufruto; a pobreza que invade o mundo, afastando os espectadores, e a indiferença e o desprezo dos governos que deviam promovê-lo.
No teatro falavam os deuses e os homens, mas agora o homem fala para outros homens. Para isso o teatro tem de ser maior e melhor que a própria vida. O teatro é um acto de fé no valor de uma palavra sensata num mundo demente. É um acto de fé nos seres humanos que são responsáveis pelo seu destino.
É necessário viver o teatro para entender o que se passa, para transmitir a dor que está no ar, mas também para vislumbrar um raio de esperança no caos e pesadelo quotidianos.
Longa vida aos oficiantes do rito teatral! Viva o teatro!

Tradução: Instituto das Artes - Gabinete de Teatro e Gabinete de Comunicação

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O Dia Mundial do Teatro foi criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro (ITI). O Dia Mundial do Teatro celebra-se anualmente a 27 de Março nos Centros ITI e na comunidade teatral internacional. Organizam-se diversos eventos nacionais e internacionais para assinalar a ocasião. Um dos mais importantes é a circulação da Mensagem Internacional, tradicionalmente escrita por uma personalidade do teatro de dimensão mundial a convite do Instituto Internacional do Teatro.

www.iti-worldwide.org

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Víctor Hugo Rascón Banda
Nota biográfica

Víctor Hugo Rascón Banda nasceu em 1948 em Uruáchic, uma cidade mineira do norte do México. Saiu muito cedo da sua pequena localidade para continuar os seus estudos de advocacia.
Em 1979 escreveu a sua primeira obra de teatro Voces en el umbral. Los ilegales, a sua primeira peça encenada, marcaria o início de uma carreira assinalada por êxitos de público, assim como o reconhecimento crítico e académico. A sua obra dramática, composta por cerca de meia centena de textos, resulta num espectro significativo que dá conta da complexidade do ser humano e da sua relação com a envolvente social, pois é a sociedade do seu tempo que fala através do criador, assinala Víctor Hugo. Para ele, o teatro é entendido como um contentor dos sonhos e dos pesadelos de toda uma época. A sua obra dramática é uma das mais encenadas e editadas no panorama nacional mexicano.
Víctor Hugo já recebeu vários prémios nacionais e internacionais pelas suas obras, tais como: Ramón López Velarde 1979, Teatro Nuestra América 1981, Juan Ruiz de Alarcón 1993 e Rodolfo Usigli 1993. Recentemente recebeu a medalha “Xavier Villaurrutia”, em reconhecimento da sua carreira.
É presidente da Sociedad General de Escritores de México, Assessor do Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, Tesoureiro da Academia de Artes y Ciencias Cinematográficas, Presidente da Federación de Sociedades Autorales e Vice-presidente da Confederación Internacional de Sociedades de Autores y Compositores.

Adaptado do texto de Rocío Galicia - Centro Nacional de Investigación Teatral “Rodolfo Usigli”.

23 de março de 2006

Prima Vera

Prima Vera
da desordem e do caos
das chuvas ácidas
nas rugosas faces bulímicas

Uma astuta cabeça
suga o sangue dos demais
e a perfídia e o sexo
são catarses do corpo

Prima Vera
dos destroços e dos náufragos
da sonolência iridiscente
da comezaina vida
do quotidiano

Outra cristalina morte
na margem do rio
A fétida imagem das
nossas ambições

Prima tortuosa
e Vera, plena de langor
aniquilada da congestão
das opíparas verborreias
dos mortais

Poluições à parte,
a vida é um mar salgado
de remorsos e marés
que nos atiram para a
praia dos encantos

Secretos encantos
de uma tormenta solitária
de um ameno repousar
nas nossas emoções.

20 de março de 2006

Pernilla Acertilla Cinefilla

O Cinema está de parabéns! O Cinema na ACERT está de parabéns! O CinemACERT está de parabéns! A ACERT está de parabéns! Estamos todos de parabéns e a vida é uma grande festa!

(Agora a sério...)

É o 9º aniversário da sala de cinema da ACERT. E para celebrar...

DOM QUIXOTE DE ORSON WELLES
20 de Março, 21h45 (é hoje, é hoje!)

A mais fantástica obra de Orson Welles, a qual nunca conseguiu acabar. Desde 1957 e durante 15 anos, o realizador financiou e realizou uma versão audaz de Dom Quixote de Cervantes. Na sua visão do filme, Welles transporta Dom Quixote e Sancho Pança do séc. XVI para a Espanha contemporânea.
Exibição em DVD

Realizador: Orson Welles Com: Francisco Reiguera Akim Tamiroff, Orson Welles;Ano: 1992 M/12 116 minutos Espanha / Itália / EUA



ALICE
21 de Março, 21h45 (é amanhã, é já ali!)

Passaram 193 dias desde que Alice foi vista pela última vez. Todos os dias Mário, o seu pai, sai de casa e repete o mesmo percurso que fez no dia em que Alice desapareceu. A obsessão de a encontrar leva-o a instalar uma série de câmaras de vídeo que registam o movimento das ruas. No meio de todos aqueles rostos, daquela multidão anónima, Mário procura uma pista, uma ajuda, um sinal... A dor brutal causada pela ausência de Alice transformou Mário numa pessoa diferente mas essa procura obstinada e trágica, é talvez a única forma que ele tem para continuar a acreditar que um dia Alice vai aparecer.

Realizador: Marco Martins Com: Nuno Lopes, Beatriz Batarda, Miguel Guilherme, Ivo Canelas (ele vive!), Ana Bustorff; Ano: 2005 - M/16 - 102 minutos - Portugal


O PESADELO DE DARWIN (NOMEADO AO ÓSCAR DE MELHOR DOCUMENTÁRIO)
22 de Março, 21h45


As margens do maior lago tropical do mundo, considerado como o berço da Humanidade, são hoje o palco do pior pesadelo da globalização. Na Tanzânia, nos anos 60, a perca do Nilo, um predador voraz, foi introduzida no lago Vitória, como experiência científica. Depois, praticamente todas as populações de peixes indígenas foram dizimadas. Desta catástrofe ecológica nasceu uma indústria frutuosa, pois a carne branca do enorme peixe é exportada com sucesso em todo o hemisfério norte. Pescadores, políticos, pilotos russos, prostitutas, industriais e comissários europeus são os actores de um drama que ultrapassa as fronteiras do país africano. No céu, enormes aviões de carga da ex-União Soviética formam um ballet incessante, abrindo a porta a outro tipo de comércio: o comércio de armas.

Realizador: Hubert Sauper; Ano: 2004 - M/12 - 110 minutos – Vários - Documentário

(Todas as sessões decorrerão no Auditório 1.)

Agora que já sabem, corram para lá!
No CinemACERT há uma cadeira à tua espera e tu podes sentar-te nela!

17 de março de 2006

Maus hábitos

O Maus hábitos é um espaço cá no porto, multidisciplinar, como se diz hoje em dia, porque é não só bar, mas também sala de concertos, exposições, cinema e vídeo, poesia, teatro, performances, DJ's e muito mais pode por lá acontecer. Um local a visitar, sempre com uma actividade intensa e sempre com workshops e actividades do género. Mas eu quero-vos falar de outros maus hábitos! Não, não falo das prostiputas contratadas às quintas à noite, ou das Estudantes de Erasmus às quartas, não. Falo-vos antes de um hábito curioso. O Prazer de mijar! Verdade, mijar para a sanita (ou pia, para os mais católicos) é um prazer indescrítivel. Ainda agora o fiz e lembrei-me de vos passar as sensações agradáveis ao aliviarmo-nos. Claro, isto numa perspectiva masculina, em que o fazemos de pé! Quero-vos contar do barulho na água da sanita, principalmente quando temos a bexiga cheia e um abundante jacto (de preferência o mais claro possível) corre em direcção àquela água lá no fundo. Todo aquele trajecto da urina, o barulho agradável sobre a água e depois, a cereja no topo do bolo, ah, prazer indescritível!; as bolhinhas que se formam durante o acto, aquela espuma. E quando está frio, como no Inverno e aquele vapor quente vem ter às nossas faces ruborizadas? Aquilo é muito melhor que todos os cremes que os homens possam por no rosto! aquilo são moléculas químicas libertadas, ao natural, que vêm docilmente apoderar-se da cara, do pescoço, das narinas! Depois, a recolha do objecto para dentro dos boxers, ou cuecas, ou trusses (para os mais conservadores), claro, sem esquecer de agitar o bicho para libertar as gotas restantes que se acumulam, senão Hellas!, lá vai, para o panteão dos boxers, cuecas, trusses com a sua mancha amarela!
Isto sim, são maus hábitos a que ninguém pode fugir!

15 de março de 2006

I am a potato now

Apercebi-me desde muito cedo que não era uma batata igual às outras lá do batatal. Enquanto elas apenas se preocupavam com o aspecto da folhagem, enquanto cresciam – “Já viste como o meu grelo está forte?” ou “Esta rama está mesmo frondosa, não acham?” – eu abstraía-me dessas frivolidades. Sempre fui uma batata muito introspectiva, ensimesmada mesmo. Gosto de reflectir sobre os desígnios da minha existência, sobre o meu lugar no mundo. Contaram-me que fomos trazidas das Américas há muitas luas. (Não sabia onde isso ficava, mas decididamente era bem para lá da copa das árvores que nos delimitavam o horizonte). Ainda que não os conheça, tenho orgulho dos meus antepassados.

Gostava de interpelar os ratos do campo e as toupeiras que passavam nas proximidades. Apesar de saber que se alimentavam também de batatas, tornei-me amigo de alguns deles, e por vezes ficávamos horas a conversar. Contavam-me novidades sobre o mundo exterior, ou seja tudo o que ficava para lá do batatal, e assevero-vos que recordo essas conversas com muita saudade, pois foram dos melhores momentos que passei.

Algumas luas depois, quando a nossa folhagem já estava grande e viçosa, apareceram os humanos que espalharam sobre ela um líquido com um sabor esquisito. Não percebia muito bem o que era aquilo (os ratos nunca mo souberam explicar) mas deixou-nos a rama bem molhada e escorregadia. De qualquer modo, esse líquido viscoso alterava-nos a consciência, pois ríamos muito e dizíamos frase desconexas sem saber muito bem porquê. Da primeira vez até inventámos uma cantilena, que cantávamos entre risadas. Era assim:


“Conheci uma batata que era muito marada!
Conheci uma batata que era muito marada!
A batata estava lá!
(lá lá lá!)
A batata estava lá!"

Depois apareceram uns bichos que nunca tínhamos visto até então. Eram pretos, com manchas castanhas e alimentavam-se da nossa folhagem. Horrorizadas, as outras batatas pensaram estar com alucinações por efeito do tal líquido. Lá lhes expliquei pacientemente que aqueles insectos eram reais. Ganhei coragem e perguntei a um deles quem eram. “Somos os escaravelhos. Somos primos das joaninhas.” – respondeu-me um deles entre duas sôfregas mordidelas na minha rama. Logo depois vieram os humanos e voltaram a borrifar-nos com o “líquido mágico”. Assim que vi os escaravelhos a definharem, em lenta agonia, percebi que aquela poção servia para dizimá-los por envenenamento. E tive pena deles.

Tempos passaram. Um dia aconteceu algo que nos marcou de forma indelével. Os humanos chegaram para nos colher. Foi arrepiante. Lembro-me do primeiro contacto com a luz, mas recordo com infindável amargura as muitas de nós que foram pura e simplesmente cortadas em dois. Outras foram esquecidas na terra, e ali ficaram a apodrecer, Para sempre separadas das demais. Foi angustiante! Hoje evitamos falar abertamente nesse assunto, mas todas sabemos que uma profunda ferida se nos abriu nesse dia.

Levaram-nos para um sótão pouco arejado, onde ficámos amontoadas. De noite, podíamos ver as ratazanas, enormes e sinistras, com os olhos a luzir no escuro e as garras e dentes afiados em busca de alimento. Tentei comunicar com elas, mas não eram afáveis como os ratos do campo; respondiam-me com grunhidos ameaçadores Tremíamos ao senti-las passar por nós. E por diversas vezes passámos noites em claro a ouvir os seus estridentes guinchos no escuro, quando caíam nas armadilhas que os humanos lhes armavam. “Esta foi-se”, dizíamos. “Quantas restarão ainda?”

Um dia, polvilharam-nos com um pó esbranquiçado. Não sei bem porquê (seria para afugentar as traças?); certo é que voltámos a cantarolar “A batata estava lá” em risos incompreensíveis. Voltámos a sentir-nos bem.

De quando em vez, os humanos vinham ao sótão e recolhiam algumas de nós para um recipiente alto e redondo com uma pega em cima. De cada vez que os sentíamos aproximar-se, pensávamos se seria esta a nossa vez. Duma das vezes trouxeram outras batatas para o sótão. Eram parecidas connosco, mas notava-se que tinham a casca diferente. Pensei entabular uma conversa com elas, mas foi-me dito: “Não fales com elas. Aquelas mais escuras são holandesas, as outras do canto são polacas. Ainda por cima puseram-nas mais abrigadas da humidade, enquanto muitas de nós começam a apodrecer a olhos vistos.” Aquiesci, e apesar da curiosidade natural que sentia, não lhes dirigi palavra.

Agora trouxeram para cá batatas novas. Foi uma algazarra! Soube bem ter novas companheiras (as estrangeiras não contam, essas não são bem-vindas) com quem conversar! Disseram-me que, uma vez que já há batatas novas, eu e as mais antigas seremos despejadas na terra para a fertilizar. As minhas companheiras, do alto da sua futilidade, passam os dias envoltas em lamúrias; dizem que estão a ser abandonadas, que é um despeito inadmissível.
Já eu fico contente com isso. Contente por finalmente cumprir a última etapa da minha passagem por este mundo. Contente por ficar em contacto com a Natureza, sentindo os seus odores, as suas cores, voltar a cheirar o solo e a conversar com os ratos, toupeiras e outros bichos. E quando apodrecer finalmente, poderei dizer que cumpri o meu papel no meu pequeno universo. Vou plasmar-me na Natureza, vou fecundá-la, tomando parte no grande ciclo de renovação da vida. E essa é a maior alegria que poderei ter. Poderei então dizer com toda a propriedade: “Agora sou uma batata”.

11 de março de 2006

Alfabéticas Linguagens

Opacidades extremas
dengosidade no olhar
sacrossanto movimento das pernas
altitudes feéricas

Ah! Como é bom jogar com as palavras
cantá-las, senti-las a fluirem-nos
no corpo extenuado e inerte

Sensações exacerbadas
intumescências e dionísiacos
rubores e excrescências

O teu corpo divino, a tua nudez idílica
os aromas eflúvios da tua pele
Como me masturbei de frases e imagens
As tuas sépias sílabas enlanguescentes

Lambi-te toda! Comi-te naquela casa de banho
austera, enquanto as tuas amigas viam
aquele filme interminável.

Foi sexo à primeira vista!
O amor fica pra depois, as
intermitências dos mortais são núpcias
dos objectos, das concorridas imagens por acabar

Fito-te na telúrica paráfrase do entontecer
parágrafos de paixão carnal, anamneses
da circunstância do meu calor taurino

Matei o Minotauro, sou Teseu entesado
com as trevas alarves e virginais p'ra explorar
O teu peito perene, álacre e ácido
turgiu-me os antepassados, cálidas fontes
do beijo das amantes maltratadas

Vi a queda de Ícaro e as frondosas árvores de
Creta. Parti na perífrase das emoções.
Cortei os rasgados elogios da tua fronte
ejaculei alfabetos longínquos
e projectei-os na memória

Na memória das claridades nucleares
dos teus lábios mortais, carnudas
linguagens que me obrigaste a registar
em faustosos poemas da ilusão.

9 de março de 2006

À Princesa Catarina

As cidades invencíveis do devir, anunciavam o pretexto de uma nova inimizade. Estradas por calcorrear, palavras por acabar, e aquele susto de te ver partir, lá longe, no meio daquele frenético inferno de luzes, multidão, opulência.
Recordo-me de ti Catarina, minha prima, nesse Alentejo ressequido, nessa cidade de jovens universitárias, de amores e desamores, de lágrimas e sorrisos. Abraçámo-nos imensas vezes, partilhámos muitas aventuras, mas agora; -estou longe meu amor!
Suplicaste a minha vinda, tinhas perdido aquele primeiro amor, ele abandonou-te nas esquinas do esquecimento e tu, sempre forte, sempre fiel, não o desculpaste, antes culpaste-te dos inevitáveis tormentos de um fim de relação. Eu bem quis ir ter contigo, bem quis!, mas deuses, não podia, a distância era enorme! No entanto, trocámos aquelas cartas em que eu te podia contar da minha vida, das mesmas experiências,dos mesmos tormentos passados, para te esclarecer, ajudar, libertares-te desse constrangimento que te tolhia os afectos. E tu, plena de amor, de afecto, de paixão por mim, pelas palavras, pelo carinho que sempre partilhámos, fizeste-me chorar, fizeste-me sentir pequeno, doeu-me o coração de todos os momentos em que contigo não estive, não pude estar. Adoro-te catarina, são poucas as palavras para o sabor da emoção de te ver, de te ver adulta, crescida, de seres já quase Doutora. És a minha menina inteligente, sensível, sorridente, com um coração do tamanho do mundo! És a minha verdadeira princesa que dança por entre os girassóis!

8 de março de 2006

Mulher apenas

Mulher poema
Mulher corpo
na indecência dos lençóis

Mulher objecto
Mulher projecto
dos sonhos conquistados

Mulher sufoco
Mulher piropo
nas asneiras do devir

Mulher fatal
Mulher banal
nas ondulações sintáticas

Mulher fiel
Mulher papel
na escrita rasurada

Mulher charneira
Mulher carteira
nas praias desertas

Mulher a dias
Mulher adias
nas faustosas indecisões

Mulher a penas
na leveza dos dias

Mulher apenas!

B.R. 08 Março 2006

6 de março de 2006

O fim da mordaça!

Havia uma mordaça na minha vida
que era escura e me tolhia a garganta
mas foi quando eu abracei o universo
que descobri novas latitudes do pensar

A terra, as pedras, a presença
o presente verdadeiro e simples
a emoção de renascer

foi tudo quanto pude vislumbrar
quando me libertei da mordaça!

Benjamim Rodrigues 06/03/06

4 de março de 2006

A Cultura Segundo Maria Pernilla

- Pai, o que é uma perfinst?

- Tomás! O pai tem tanto orgulho em si! Tão novo e já faz perguntas dessas! A perfinst é um conceito que vai para lá do teatro e da dança e que surgiu para designar o "casamento" entre as artes do palco, a performance e as artes visuais de instalação.

- Não percebi, pai...

- Deixe ver como posso ser mais explícito... Já sei! Imagine que o Tomás saía agora daqui e ia atirar-se para debaixo de um camião. Quando estivesse a correr para debaixo dele, isso seria a performance. Depois de ser atropelado, posso dizer-lhe que o resultado do acidente seria a instalação! Percebeu?

- Ah! Quer dizer que "performance + instalação = perfinst"!

- Exactamente! (Aparte) Este meu petiz é um prodígio! Estou assombrado!

- Obrigado, meu pai, por me ensinares coisas tão bonitas!