Pensamento Profundo do Dia
Às vezes estás feliz e ninguém repara no teu sorriso...
Bem.............
...... Experimenta dar um peido!!!
a tresvariar desde 2005
Antes de sair de casa, estava indeciso: que atitude adoptar para aquela noite? A de jovem poseur entediado, género “já-vi-tudo-vá-surpreendam-me-se-forem-capazes” ou a de “habitué de eventos culturais, género “isto-é-o-melhor-da-vida-e-vou-passar-a-noite-a-sorrir”? Desta vez optei por alternar, melhor dizendo oscilar entre as duas posturas (uma espécie de doente bipolar, portanto).
Antes de entrar no carro, lembrei-me que não tinha coca. “Bolas!”, exclamei levando a mão direita à testa. “Que fazer?” É fim do mês, já se sabe. Lá tive de passar pelo Lidl – que fica em caminho – e comprar duas garrafas de espumante. Como no Lidl todos os produtos têm o rótulo em alemão, enganei-me e trouxe espumante branco – as garrafas são todas da mesma cor, tanto que uma vez até comprei azeite por engano! Resumindo, lá “emborquei” as garrafas à porta do Novo Ciclo, tendo depois o cuidado de as colocar no Ecoponto Azul – nessas coisas sou muito criterioso.
Levantei o bilhete reservado e dirigi-me ao bar. Estava lá o Pete, que ao saudar-me reparou logo no meu estado. “Então, não arranjaste coca para hoje?” “Não, pá! Não tive tempo de lá ir comprar! Não é a mesma coisa assim limpo...” “Pois é, pois é...” respondeu, baixando os olhos. Reparei que já estava relativamente “coquinado” - o Pete diz que só as substâncias psicotrópicas lhe permitem transpor as limitações da percepção de criações artísticas. Não percebo ao certo o que quer dizer com isso, mas é sem dúvida uma atitude inteligente.
O foyer estava repleto de gente conhecida, e falava-se de uma panóplia de assuntos, desde a crise social e laboral em França até aos malefícios do uso de telemóveis. Até que as portas foram abertas e todos acorremos ao Auditório repleto.
As palmas foram uma constante durante todo o espectáculo, até à apoteose final com o merecido e inevitável aplauso de pé. Toda a gente aplaudiu, excepto a Tina. A Tina é uma rapariga de lá a quem o pai, que pertence à Legião de Maria, passava a vida a dizer: “Olha que apontar é feio!” Um dia, vencido pela fraqueza de espírito, cansou-se de o repetir e passou das palavras aos actos. Muito se falou por aquelas bandas daquele assomo de loucura! Tina lamentou a perda da mão esquerda, mas acabou por perdoar o pai, depois de vários meses de terapia.
Seguiu-se o tão ansiado “Dão d`Honra”, servido no bar e na galeria, afinal o melhor pretexto para uma troca de impressões mais ou menos espirituosas sobre o espectáculo a que acabáramos de assistir. Quando cheguei à galeria, as garrafas ainda repousavam num canto, envergonhadamente por abrir. Afoito, abri uma delas, dizendo em voz bem alta: “Brindemos à nossa língua com as nossas línguas!”. Alguns rostos voltaram-se Para mim com estranheza, mas não me importei e comecei a beber o precioso néctar que o próprio Baco não desdenharia.
Entretanto foram por lá passando caras conhecidas. Apareceram a Guta e a Lita. Elas são duas amigas inseparáveis muito, mas muito trendy. Ironicamente, a Lita usava uma saia plissada “Comme des Garçons”, o que foi desde logo motivo para umas boas risadas a três. Depois apareceu a Lena, a produtora do espectáculo. Perguntei-lhe, em tom de brincadeira, se não queriam conceber uma nova versão de “Cantos da Língua”, denominada “Cantos da Língua Morta”, em homenagem à minha pessoa. “Seria complicado ter um espectáculo em latim”, replicou prontamente. Logo irrompemos numa sonora gargalhada em uníssono (quer dizer, não foi uma gargalhada, mas duas, pois cada um soltou a sua, mas enfim, era como uma só, o que por vezes gera confusões quando se tenta explicar estas coisas). A Lita e a Guta mantiveram-se em silêncio – por razões que só elas saberão, não se davam muito bem com a Lena.
Alguns copos depois comecei a sentir uma forte, incontrolável ansiedade que me perturbava a conversação. Era a altura de me dirigir aos lavabos. Assim fiz, e mal lá cheguei retirei 4 ou 5 comprimidos de Pridane F do frasco e engoli-os sofregamente. Senti-me imediatamente melhor. (Ainda não consegui entender porque é que tanta gente insiste em cultivar o estatuto social ao tomar Prozac, Valium, Kainever e coisas dessas, quando podem tomar Pridane F por um preço bem mais acessível! Não percebo esta inclinação para a ostentação. Juro que não compreendo!)
Regressei à galeria aliviado, e entretive-me a contar ao Sérgio a história de quando tentei concorrer à Bienal de Jovens Artistas (Ui! Sou eu! Sou eu!) da Maia com uma obra que consistia no livro “Christiane F – os filhos da droga” aberto, com um frasco de “Pridane F ao lado, e em que os comprimidos faziam de gringas do livro. Só que a assistente do comissário da Bienal recusou a minha candidatura, dizendo que tinha de submeter à apreciação do comissário o conceito artístico e a descrição da obra. “O quê? Então eu, que sou o artista, é que tenho de entregar isso? Eu situo-me na esfera da criação! Vocês é que têm de descrever a minha obra! Vocês e o meu psicanalista!” Mas foram em vão os meus intentos. Perante a recusa em admitir o meu trabalho, virei costas à assistente, não sem antes lhe dizer: “E não penses que não sei o que andas a submeter à apreciação do comissário, sua desbargada!” nesta parte da história, o Sérgio ri sempre...
E por ali ficámos até nos informarem que o bar ia fechar. Contrariados, despedimo-nos e regressei a casa. Hoje de manhã soube que tinha sido uma bela noite, pois acordei na poltrona da cozinha com uma garrafa vazia aos pés e um valente torcicolo.