30 de março de 2009

Do Espaço na Poética

Um lugar. Onde a poética faça sentido. Entre as nuvens e a cave, um vento
de mistério e terror. Na dolente guarita dos sonhos, há percursos únicos,
invioláveis. Na seiva obscura do teu corpo, ainda há uma réstia de luz e
esperança no vazio entrançado da solidão. Apercebes-te como é risível a
tua face nauseabunda e leprosa. Emites um esgar que não chega a condensar
o universo das flores. Só o passado faz lume à vitória dos sentidos. Pausa.

No frontspício da tua alma há doses maçicas de alento. Não te perdes em
deambulações espúrias. Chegaste ao sótão da existência e a casa é uma
forma epistemológica de pensar e ser. Nada se faz por acaso na esfera
habitada dos desejos. Agora prendo-me ao efémero e recomeço outra
viagem nas mansardas da imaginação. As ideias são variações do belo
e entre Platão e Arendt ainda há homens sem condições humanas. Ponto.

O redondo e o canto de uma casa são apenas variações de um passado
que é só nosso. Nesses locais há tanta vida como intimidade. Depois
temos o ninho e a concha, locais de protecção e memórias perenes.
A concha que é um buraco negro da existência, que não vislumbramos
até ao fundo. O ninho, esfera quente e familiar do carinho. Ao cogitar
da existência da casa, temos de chegar às certezas da introspecção.

Ponto final, parágrafo. Fim hediondo dos homens em tempos sombrios!?

27 de março de 2009

Mensagem do Dia Mundial do Teatro 2009

Dia Mundial do teatro foi criado pelo ITI -Instituto Internacional de Teatro/UNESCO
Augusto Boal (Encenador e Teórico Brasileiro, criador do Teatro do Oprimido)
Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu quotidiano e produzem espectáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.
Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas de forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de ideias e paixões, tudo aquilo que fazemos no palco fazemos sempre nas nossas vidas: nós somos teatro!
Não só os casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais quotidianos, que por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só rituais de pompa, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Parlamento ou uma reunião diplomática – tudo é teatro.
Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espectáculos da vida diária onde os actores são os próprios espectadores, o palco é a plateia e a plateia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver, tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida quotidiana.
Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver num mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com o nosso dinheiro guardado n
um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas das suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.
Há vinte anos atrás, eu encenei "Fedra" de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espectáculo, eu dizia aos meus atores: - “Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida”.
Vendo o mundo para além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, géneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.
Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em vossas casas com os seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!
Actores somos todos nós, e o cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!

Augusto Boal
(tradução: odeusdamaquina)

18 de março de 2009

"Depois da Tempestade", no Teatro Municipal do Barreiro

Espectáculos de 5ª a Domingo,21:30, Teatro Mun. do Barreiro, tel: 212060860, até 19 de Abril.

Um bom trabalho assinado por Rui Quintas e restante equipa. Um texto muito vivo, onde o conflito, que gera o par acção/reacção é muito explorado pelo autor, onde a vivência espanhola é bastante marcada, com todo aquele frenesim das personagens, os diálogos rápidos, com "muchas ganas", os longos solilóquios doutras com "um speed invulgar" (como diria o saudoso crítico Manuel João Gomes), num retrato demasiadamente actual. Indaguei-me quando teria sido escrito este texto. Foi em 1993. Isto porque soube-o, em 2007 houve uma seca terrível na Catalunha, especialmente em Barcelona. Todos estavam exasperados, stressados, aguardando que a chuva chegasse. Meses a fio de seca, calor, mortes associadas a este clima inusitado por aquelas bandas. Lembro-me de uma reportagem onde os frenéticos Catalães pediam a tudo e a todos os santos para que chovesse, isto dito pelo Sr. Jordi, de cigarro na boca. Coincidências? Claro que as há. No teatro, os acasos são das coisas mais importantes a reter e a saber aproveitar, especialmente os acasos da vida quotidiana, os acasos nos ensaios, etc. Para isso, leia-se a tese sobre, precisamente "O Acaso no teatro", bastante interessante. Portanto, depois da escrita premonitória de Belbel, temos a realidade que ultrapassa a ficção. Voltando às quatro paredes da sala de teatro, é de realçar uma cenografia bastante limpa, feita de material simples, como as paletes sobrepostas que nos indicam uma imensa rede de contactos, de ligações, de andares. Tudo ali se entrecruza, todos ali se (des)encontram, toda aquela estrutura rígida é também bastante frágil (aliás, nas paletes costuma-se indicar a palavra "Frágil", a sugerir que se tome cuidado com o que está em cima delas). O design de luz, especialmente colocado sob as paletes, no cerne destas, é de realçar, pelos planos que cria, pelas formas e volumes entrecortados. Menos bem aquela parede onde está um papel pintado, a simbolizar os andares e prédios.É uma barreira demasiado presente na vista do espectador, que retira alguma visibilidade, especialmente a quem estiver nas 2 primeiras filas. Os figurinos são bastante fiéis ao que se pretende, bem pensados, e que se colam verdadeiramnte a cada uma das personagens. Está de parabéns a Ana Pimpista. Bom também o design e trabalho de sonoplastia pelo Nuno Fernandes, num registo muito próprio a que já nos habituou.
É de realçar o trabalho de tradução e dramaturgia conseguido, numa reescrita do texto que apresentava algumas dúvidas, erros e lacunas. Boa direcção de actores, o que se reflecte depois no trabalho de cada personagem elaborada. Destaco o trabalho de todas as secretárias, sem excepção. Helena Cruz brilhante na sua personagem muito hispânica, faladora, ciumenta, cínica e por fim resignada à sua sorte. Susana Marques também no mesmo diapasão de mulher sofrida, desamada, por fim amante desbragada. Esta Susana saíu de um filme de Almodôvar? Parece, o que é óptimo. Sara Santinho na sua personagem mais sentimental, mais calma, que apoia as outras, num registo muito seguro, cheio de glamour. Bom trabalho, já não a via há algum tempo, boa evolução no trabalho. Ana Samora, a mulher diferente, a sonhadora, a utópica, num trabalho de qualidade, muito contida, seguríssima da sua personagem, com uma fisicalidade e um registo nos olhares, pausas, silêncios, quase perfeitos. Uma actriz num milhão?
Quanto aos homens, começo já por Patrocínia Cristóvão, sim, porque é de uma mulher-sargento que aqui se trata, bom registo, num dos melhores trabalhos que a vi fazer até hoje. Está a evoluir. Só falta ainda algum trabalho de voz, especialmente nas réplicas mais poderosas, onde essa força, esse determinismo da personagem se faz notar. Uma personagem muito importante no contexto da peça, pois ela representa toda uma geração de novo-riquismo, novas ambições, num individualismo crescente da sociedade. A personagem que não olha a meios para atingir os seus fins. Nuno paulino, que bom é revê-lo nos palcos, muito mais maduro, seguro de si e da personagem. É bom ver e sentir regressos assim. Agora, não desapareças mais uma mão cheia de anos, ok? A personagem é a oposta da anterior, um estagiário cheio de boas intenções, boas maneiras, educado, responsável, fiel. Um paradigma das novas gerações, de um novo homem? Esperemos que sim. Esta personagem, que passa por toda a tempestade dos afectos, é a que merece o perdão dos deuses no final (ou do autor, se quisermos) com o encontro e a redenção para uma nova vida, com a Secretária de Cabelo Castanho, a infeliz e infértil mulher. Infértil, mas em sonhos, utopias que não chegam a realizar-se. Mas fértil, porque não se deixa contaminar pelas propostas da Directora, das colegas. Segue sempre o seu rumo, o da ética, da moral. E no teatro, desde a Grécia antiga, é disso que falamos: da Ética na vida, da ética como vida. Acaso ou não, "Depois da Tempestade" vem..."A Tempestade", de Shakespeare pelo Teatro da Cornucópia. Afirma Luís Miguel Cintra: "Este é um teatro da Ética, da ética como seres que somos, pessoas do teatro e da vida". Julgo que é por este caminho que a arte deve seguir. A ética da verdade, da transparência, da vida em colectivo, em que temos de estar mais atentos ao olhar do outro, ao sentimento do outro.
Nuno Magalhães, vejo-o pela primeira vez. Tem à-vontade em cena, consegue segurar a personagem, num registo gingão, de Casanova, para não dizer Don Juan. No entanto, há movimentos excessivos que devem ser corrigidos e limpos no futuro e é necessário um trabalho mais apurado com a dicção e a enunciação do texto. Com trabalho e mais experiência isso será concerteza aprimorado. Por isso, continua com esse desejo de teatro.
Para terminar, que bom é ver Rui Quintas de novo em cena, um profissional da arte, na sua terra natal, num grupo que tem a ética, a vontade, o desejo de dar o salto. Talvez outros profissionais sigam esse gesto. Talvez haja um teatro ainda mais profissional! Porque profissional já ele é. Mas sem dinheiros, com muito jogo de cintura. Um salto utópico, sonhador? Mas talvez fértil, no caminho desse profissionalismo, da visibilidade, da centralidade. Quando todos compreenderem a importância do teatro, deste grupo de teatro para o desenvolvimento de várias áreas no Barreiro (comércio, cultura, visibilidade do concelho, prestígio, vinda de cidadãos de Lisboa), quando reflectirem, talvez possam tomar a decisão certa. Mas por favor, nunca "Depois da Tempestade" se abater sobre nós!

17 de março de 2009

Cafés Para Que Vos Quero!

João, era assim que se chamava (um nome perfeitamente vulgar, como Pedro, ou Paulo, ou José)
João estava no café, palitando os dentes enquanto eu passava. Vendo o jogo de futebol, no café.

Detesto cafés. Especialmente estes que me têm calhado na rifa geográfica. Na minha terra não
há cafés dignos desse nome. Ponto. A exclamação fica para depois. Sem reticências no caminho.

Desde miúdo que tenho visto esta gente (ou direi gentalha, para parecer mais arrogante?),
sempre nestes locais, que para mim são mal frequentados. Interrogação macilenta para pensar.


João, que podia ser um Zé ninguém ou um Paulinho da Bola, talvez um Pedro dos Pneus, digo,
João, que estava no café a olhar o trânsito, a palitar os dentes à vista desarmada, a sorver a
cerveja que parece água (não digo o nome porque a terra é lindíssima, com praias de evasão,
em águas nunca de antes navegadas), resignado da vida, no pedestal luminoso que é o café,
pairando nas nuvens do deserto da existência banal. É triste, mas verdade. Quero fugir de
todos os cafés onde a rotina se faz diariamente, a rotina é um modo de vida, um café bebido
é uma rápida rotina que se esgota num travo amargo, isto para os puristas da rotina. Os mais
desajeitados adoçam a existência em pacotes sem fim. Está à vista a chávena do desalento:
- Não quero café, quero chá, infusão, erva medicinal, qualquer coisa menos o nada. O vácuo.

Ou então, as rotinas que percorro são as mais infelizes. Cinzentos na neblina que nos consome
de fome. Talvez que outros matizes coloridos e mais brilhantes mostrem-me outros cafés de
sonho. De cheirar e pedir por mais!... Um chá, no deserto das ruas da minha inquietação.

9 de março de 2009

Aikikai

Portas trancadas
no silêncio
indefinido

4 de março de 2009

Haikusonoro

Na sede de um poema
sugo febrilmente a seiva
do teu abraço.