31 de março de 2014

Do Amor em Visita Doméstica

É uma merda!
Não sei como chegar a ti.
Como dizer alto e bom som o que sinto.
Amo e desamo com a mesma bonomia do silêncio.

Carpo nas pedras da calçada as lágrimas do desassossego
perambulo nas avenidas em busca do teu vestido curto
e nasce-me outra vez a vontade de sair correndo para o campo

Eras jovem e eu um jovem imberbe, sem mácula
sem tempo. Sem hipocrisia na filigrana dos dias inquietos.
Mordia a espinha bífida dos afectos e soerguia-me na
nave occipital do desejo tentacular e brando

Chamaste-me pelo meu nome: Gentil.
Um poeta urbano e ensimesmado nas suas fantasias
e nos sonhos espúrios do quotidiano. Relva húmida
no teu coração suave. Beijei-te pela primeira vez
no dia em que tive pesadelos. Eram doces, os lábios.

E agora, vês-me todos os dias da tua bicicleta
em cima do terraço soalheiro. Do teu castelo,
avistas o horizonte pejado de sons e cheiros.
Vislumbras-me no lusco-fusco da derradeira
morte dos sentidos. Abraço-te longamente
ao derredor do teu corpo salgado e prenhe
de melancolia. Gracejas com os meus dedos
lambendo as feridas do  passado.

Afago os teus cabelos nestas mãos oblíquas
e gastas de tanto escrever. Permaneço calmo
no teu rosto e deixo-me cair no teu corpo
de sonho. E gosto de ficar assim eternamente.

Deitas-me na tua cama e finalmente
começo a sonhar contigo. Um corpo
perene, geográfico e possível.
Na possibilidade do amor.

Do amor em visita doméstica.