22 de fevereiro de 2012

Tempo Demais

Estive tempo demais sem te ver, sem te sentir
fortuna do tempo

Perscrutei na noite a insidiosa fonética larvar
do teu ventre

E enquanto ruborizavas no cálido divã dos afectos
eu prostituía-me numa ruela esconsa e prenhe de vícios

Deixei-te ir embora sem pestanejar e balbuciei apenas
o desejo intenso de te amar numa avenida só de peões

Mas este tempo é o do rancor e do silêncio, da perfídia
inconstante, em que as margens deixaram de ter alegria

E neste mar de gente imensa e solitária, um corcel
endiabrado pode ser a salvação do mundo
e a morte do artista em traços pintados a grosso

Seguro agora na paleta em que me enrodilhaste
e misturo os matizes do abandono na tua veia
exangue e aberta ao óleo sobre a tela da paixão

Já o amor é uma técnica mista em que rasuras
o preparado e juntas todos os ingredientes que
possas abarcar, em círculos concêntricos sem fim.

Voltei de novo àquele bar de prostitutas e vagabundos
onde o fumo queima a garganta e o álcool tresanda
nos corpos e no chão carcomido da sala decadente

Estive tempo demais sem te ver, sem te curtir
fortuna do tempo

Perscrutei no dia a lúgubre semântica solar
do teu corpo

E embandeiro em arco na dionisíaca casa-mãe da vida
enquanto o teu saber apolíneo me atrai e atemoriza

Chegamos finalmente ambos a acordo:
a maresia do tempo que se esvai na ampulheta dos sonhos
é o nosso destino final e fatal para compreender o amor