17 de fevereiro de 2011

Memórias da Guerra

De volta da guerra, o soldado inspecciona a sua arma,
funesto fuzil na biografia dos homens. Na celeuma dos
ventres estropiados, há pétalas no sopé da embriaguez
dos corpos estendidos. Rostos de suor e muito sangue
na poeira do ódio. O corpo do soldado exala o cansaço
das madrugadas do silêncio. Persiste em ranger os
dentes na loucura estiolada do combate.

Agora repousa e por vezes chora na agonia dos
companheiros mortos, dos inimigos que teve
de abater, para sobre viver. Um mundo demencial
e triste. Desamparado, no seu leito espúrio e frio,
as vozes em demanda, gritos e horrores, solidão.
O soldado sente-se vazio e perdido, revê-se na
conspurcação do mundo, na mais torpe indiferença
de quem sempre mandou em si.

É isto a vida? Naufragar na loucura errante?
Na baixeza inerme em que agora regressa vivo,
nada mais resta que construir uma nova identidade.
Ou estilhaçar de vez os cacos selvagens da presa,
que agora o mira ao espelho, ratoneiro pérfido
da sua alma penada e já sem brilho no olhar.

Um disparo e é o princípio do mundo.