27 de março de 2010

O Teatro

Desde 1961 que o Instituto de Estudos de Teatro, uma organização da UNESCO instituiu, todos os anos a 27 de Março, o Dia Mundial do Teatro. Nesse dia, é lida uma mensagem de uma personalidade ligada ao teatro, que será ouvida em cada teatro por todo o mundo e que serve também para homenagear essa personalidade. O primeiro foi Jean Cocteau, em 1962. Até hoje, foram homenageados nomes como Peter Brook, Pablo Neruda, Ionesco, Arthur Miller, e no ano passado, Augusto Boal. Infelizmente, Boal faleceu uns meses depois, mas a sua obra ficará para sempre. Boal foi o criador do chamado Teatro do Oprimido, um teatro com pendor social bastante forte, dando voz a quem habitualmente não a possui. Temas como o racismo e a xenofobia, as discriminações sexuais e sociais foram sempre retratados neste tipo de teatro. O objectivo é pôr todos a falar sobre tudo, sem tabus nem temores. E isto leva-me à primeira questão: quem poderá ter capacidade para ser actor? Pois, socorro-me de Boal para a resposta: “ Todos nós podemos ser actores, até mesmo os próprios actores”. Com esta frase Boal vem dissipar todas as dúvidas. Todos nós podemos e devemos ser actores sociais durante toda a vida. Devemos ser activos, participativos, para as mudanças que todas as sociedades anseiam. Uma condição essencial para que haja teatro é que exista simultaneamente acção. Sem acção não há vida, e o teatro é a vida em acção. Retomo a Boal: “Actores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!”
Quanto aos próprios actores, esses, têm um papel decisivo na mudança de mentalidades e transformação das sociedades. Os actores profissionais devem ser exemplos éticos de profissionalismo, de valores de cidadania, de solidariedade, de alavancas para a mudança de comportamentos e de atitudes. Como diria Grotowski, o actor é um sacerdote, pois tem de ser exemplar na sua profissão. Não pode ceder aos caprichos dos poderes instituídos, nem ao facilitismo da fama e do estrelato espúrios, que infelizmente abundam cada vez mais no nosso meio audiovisual. Além de ser um exemplo para os outros, os actores e criadores de teatro utilizam os textos e as palavras de grandes dramaturgos para passar mensagens e novos modos de pensar o mundo.
Isso leva-nos à interrogação final: como pode o teatro contemporâneo competir com este universo audiovisual e virtual? Pois o que pode parecer fraqueza, julgo ser a maior virtude do teatro: ao contrário de outras artes, é uma arte presencial, a três dimensões, em que ocorre uma partilha simultânea entre actores e público. A atmosfera criada na sala de teatro é diferente de sessão para sessão. O actor num dia engana-se numa parte de um texto, o público reage de maneira diferente em cada dia. Tudo isto faz com que cada espectáculo seja único, ao contrário do cinema ou da televisão, em que podemos repetir indefinidamente aquela cena, que sairá sempre igual. No teatro temos a imprevisibilidade e a efemeridade. O teatro termina com os aplausos da representação. O teatro é um mundo de partilha, de comunicação viva e em directo.


Ao invés, o mundo virtual é sempre igual e formatado. No mundo virtual vivemos emoções que no fundo, são emoções de uma profunda solidão. O mundo moderno é uma partilha fictícia, basta ver quantos se iludem perante um écran de televisão. O mundo real é o do teatro, onde o ser humano se mostra perante outros humanos, num processo de comunicação mútua e bilateral. Claro que o teatro actual também pode e deve utilizar alguns meios modernos de comunicação no seu teatro. Mas sem esta força dupla nunca poderá existir teatro: o actor perante um público.
Concluindo, volto a Augusto Boal: “Teatro não pode ser apenas um evento. Teatro é forma de vida!”. O teatro continua a ser essencial para as sociedades, pois é uma forma verdadeira de mostrar a vida dos seres humanos e reflectir sobre as suas atitudes.

2 Comments:

Anonymous Hugo mamede usou da palavra

Boal tem esta ideia que eu partilho de que o teatro não pertence à esfera da arte erudita, elevada a qualquer pretensão da sociedade.
O teatro não é uma aura superior, é uma prática que convive todos os dias com o que de mais mundano existe no dia-a-dia, e é por isso que é tão atractiva, tem capacidade interventiva.

27 março, 2010 12:13  
Blogger a saber usou da palavra

haja tsf para saber um pouco mais. aprendi a gostar de cinema, teatro e literatura em francês. vim para portugal a contra-gosto. vi e aprendi a gostar com as primeiras escritas.depois...

30 março, 2010 22:01  

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