3 de junho de 2009

Waiting 'Round You

Deriva do olhar. Enviesado rosto que se me estende num lugar apetecível.
Rumorejante e inexplicável ventre. Uma sombra lúgubre na memória das
datas. Deriva de tudo, um suplício, uma mão atada à parede e contorcendo-se,
pedindo perdão pela gravidade dos corpos, uma farsa de Newton, onde as
maçãs apodrecem no colo suave de um beijo. No teatro da derrisão, há
uma anacronia de genes e as antíteses são mais teatrais que uma real
construção de sentidos perenes. A música agora é bastante forte, não pelo
seu volume, mas pela emoção que dela deriva. Desta feita conto-te o que
ando a ouvir: Tindersticks. Waiting 'Round You é o tema. Desta vez não me
deixo ficar por meias palavras, sentidos ocultos, escrita rasurada. É do tempo
presente que te escrevo, doce ouvinte das estórias em surdina. Precisava de
um campo minado onde plantar amor em hectares sem fim. Ou então, longos
abraços ao som desta música celestial. Só o amor nos irá salvar! Parece cântico
de igreja de dízimo nos bolsos dos que mandam, mas apenas é uma frase solta
no gerúndio da vida, numa viela estreita de um subúrbio por descobrir. Em vez
de querermos encontrar, devemos descobrir a vida e os outros. Descobrir é dar
ensejo ao pássaro nervoso que olha para todo o lado, que deveria estar em nós.
Lembro-me quando me chamaste isso, numa noite em que nos estávamos a
descobrir. Fiquei tão contente com essa deixa. E eu disse a réplica ideal: sou
assim um animal pequeno e nervoso, piscando os olhos à beleza. E há tanto que
pisco para ti, para os teus olhos, para a tua prosódia, a linguagem infinita do teu
corpo, indecifrável tantas vezes. Neste mistério fiquei. Num passado tenso feito
presente mais-que-perfeito. Era a última fala possível deste drama, um solilóquio
encenado por ti e interpretado pela imaginação deste dramaturgo que procura a
todo o custo encontrar os elementos perdidos na poeira do caminho. No deserto
que fui encontrando, além das pedras e das raras plantas, descobri um oásis onde
exprimir-me. Estava iniciada a viagem para os caminhos da imaginação. Só no fim
soube que eu, era apenas eu. Um eu composto de muitas camadas de tu, de muitos tu,
muitas segundas, terceiras pessoas do singular. Num plural de melodias e sons afectivos!

2 Comments:

Blogger Jorge Lima Alves usou da palavra

«Descobrir é dar
ensejo ao pássaro nervoso que olha para todo o lado, que deveria estar em nós». Como gosto desta frase! E em geral de tudo o que escreve. Abraço!

10 junho, 2009 12:20  
Blogger odeusdamaquina usou da palavra

Abraço e obrigado sim pela sua escrita!

10 junho, 2009 19:42  

Enviar um comentário

<< Home