16 de junho de 2009

E no entanto...

E no entanto desapareceu! No meio do comércio lisonjeiro que é a pátria,
um rasto de poeira foi deixado, indelével. Mas procuras em vão por essas
escadas ondulantes, para a salvação da tua alma. O resto é escroto, numa
bolsa alienada sem fim à vista. No prepúcio da vida, escalas o horror em
deambulações espúrias, metal e fontes carcomidas de desejo. Na eflúvia
estação das torrentes e dos aflitos, vais de joelhos até onde te seca a
saudade de um dia espúrio. Nem já o fado te pode salvar das preces ao
desafio! Rumorejas uma sílaba apetecível no céu da boca dos espantos.

E no entanto, compareceu! Alinhou na equipa inicial dos histéricos eunucos,
driblou os comparsas na sugestão occipital da memória e fez-se ao limbo
como quem espera por Cristo. Na parábola mais famosa, viram todos os
jogos pela televisão da Ana, que era lógica em tudo o que fazia e dizia.
Momentos mais tarde, surge um clarão das trevas. Os governos diziam
que era o pranto do demónio, um teatro da crueldade atroz. A oposição
ripostava e culpava o mau uso do Português governamental, afirmando:
-O que o senhor queria dizer era credulidade atroz. O nosso povo possui
um demónio que carrega o fardo da credulidade! O Crédulo é o ópio do povo!

Depois disto, sempre uma neblina que nos consome de fome. Idílicas são
as fontes do desvario e o polvo é quem mais tentáculos ordena nas missangas
da vida. A prestar contas todos os dias, lá vai o defunto na redoma de vidro.
E numa brisa suave, um diadema de prata em teu ventre, gasolina a resfolegar
quilómetros de insensatez. Os carros não se querem bonitos, nem mesmo as
paisagens emolduradas. A fealdade é rainha do pretérito-mais-que-presente
no perfeito corpo a deambular na salsugem. E no entanto, era ela, desde sempre!
Vernáculo lunar e adiposo, as marcas do pó bolorento e rude eram tuas desde
a partida. E no entanto, outro entretanto foi ficando. E no entanto, era eu!

4 Comments:

Blogger Jorge Lima Alves usou da palavra

Espantoso texto. Magnífico. Como eu gostaria de escrever assim! Frases como cutelos, ideias que penetram na carne. Abraço

16 junho, 2009 08:59  
Blogger O Micróbio II usou da palavra

Magistralmente acutilante... e nota-se que és tu...

16 junho, 2009 11:22  
Blogger odeusdamaquina usou da palavra

Agradeço as palavras. E no entanto, sou contra o culto da personalidade e os egos e essas tretas todas.
Gosto de escrever. Ponto. Pronto!
Mas não gosto de ouvir o Jorge a falar assim. O Jorge é que me tem inspirado, com o seu "Cerimonial para um Massacre". O Jorge é que escreve muitíssimo bem e há já uns valentes anos. E tem muito mais bagagem cultural e vivencial. E com um grande despojamento intelectual, sem peneiras.
Obrigado sou eu a agradecer.

16 junho, 2009 14:12  
Blogger a saber usou da palavra

queria deixar a palavra forte mas era tão pouco de dizer. {}

18 junho, 2009 20:04  

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