11 de janeiro de 2009

Missa em Cena

Que gozo ver-te ancorada no lamacento mundo dos estorvos!
Podias sair do imbróglio em que te metes com a humildade
dos simples, mas não. Preferes a sodomia assente na silenciosa
faca de dois gumes com que cortas a saudade. Só o passado
conta na aritmética defeituosa da tua memória. Por agora, há
desvarios loucos que suspendem a glória de uma encenação
fugaz. Peça a peça, vai-se construindo um cenário tímido, mas
real, pleno de vida. Depois há uma luz que incide sobre o teu
corpo mole e carcomido. O som que escuto é a de uma cave
com grande reverberação, acústica pejada de ecos da paixão.
Cristo não teria feito melhor! Disporia os actores em círculo
para uma última chamada ao inferno da personagem. São
aquíferas estas margens, num leito provisório e abundante.
Moldo o teu rosto com figuras ancestrais, pedaços de cor,
anfíbios que deambulam entre terra e mar. No sublime acto
de contrição, escutas o delicado canto de um ser ausente.
Perdida, divagando entre as sombras e os caminhos, dás-te
finalmente conta da tua enormíssima distração dos sentidos:
-Agora? Agora já é tarde para acorreres à última morte em cena!