24 de dezembro de 2008

Um Fio no Cais das Palavras

Hoje estou no cais. Faz muito frio nesta margem ancorada do devir. Uma neblina constante
é a minha única companhia. Sinto que estou perto da loucura neste desesperado canto de
um cisne que teima em lutar. Explorar os sentidos e as emoções não é fácil, homens-bons
do destino da gentalha. Os carros andam depressa, refulgem os motores em busca daquele
presente esquecido. A culpa é da memória que nos faz esquecer o passado. Nesta era só conta
o aqui e agora, o toma lá esta lembrança obrigatória da época para que saibas que ainda não
me esqueci de ti! Esquecimento esse da razão e do sentimento, fruto da época que nos
cristaliza a saudade. Por agora, apenas sonhos na mesa dos pobres, nem que seja por um dia
pejado de ruído e luzes que me cegam. A sopa que prefiro é a deste silêncio que agora me
escuta, que permite que este intruso discorra sobre a diferença. Há que mudar de paradigma, porque o desencanto ainda existe, mas é abafado pelas ruas vazias de gente. Já me perdi nas águas divagantes de um eremita solitário, musa efémera e particular das serranias. Respirar o
berço de um caminho de reflexão, de uma maré de vagas acintosas. Agora, atirar uma pedra
ao desafio, em diante, rumo a um abrigo que me deixe extravazar as minhas lágrimas.
A caducidade dos meus sonhos, das minhas misérias acumulam-se todas nesses sucos, nesse
sal que se desprende em turbilhão, em agonia, que terei de suportar com todas as agruras
do mundo. Perder o sentido da caminhada, foi o que me aconteceu. Perdi-me em rotas
secundárias, na imensidão dos olivais, no deserto do teu amor. Tudo se me foge nos dias
diáfanos e senis. Quando chega a razão crua e mordaz, desisto do percurso, viro costas à
alegria e divago nas margens abandonadas de uma folha em branco, poema em acto de
dor, que é simplesmente amor prensado a frio no lagar da minha solitária inquietação.

2 Comments:

Blogger Aladdin Sane usou da palavra

"o passado é uma velha bruxa que traz o charme irresistível da derrota." Karine Alexandrino

O passado está perdido nos confins de Montemuro, do Caramulo, nas aldeias bem ao lado das cidades-vila onde a franqueza reina e os velhos rangem os dentes para que os ossos não quebrem. O passado era quando o meu avô vinha para aqui contar histórias que não contava noutras ocasiões, o homem de tão rijo que era deu-lhe para ir sozinho ao encontro da eternidade. O passado são os velhos que tratamos (NÃO! que tenho tratado) como a uma árvore centenária que olhamos todos os dias sem a ver verdadeiramente.

Podemos sentir-nos perdidos, por vezes, mas NÓS NÃO PERDEMOS. Cada bocado de vida parada e pensada vale mais que todas as correrias deste mundo.

24 dezembro, 2008 23:39  
Blogger odeusdamaquina usou da palavra

Que bom voltar a ler-te! A sentir o pulsar de um ritmo contra-corrente, contra esta desditosa noite na solidão dos afectos. somos diferentes, temos de olhar bem adiante e com a face erguida para todos quantos nos olham de soslaio, no soslaio do consumismo, entre a peúga pé-de-cabra e o bolo-rei nas bocas presidenciais. E nós, de pé, de pé (ó vítimas dos Scones!). Até à Filhós Final!

25 dezembro, 2008 00:27  

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