A Orelha de Van Gogh
A ideia de entrar no manicómio foi sua. E a de sair também. O médico, amigo da família, aconselhou-o a adiar a decisão. Mas a torrente de acontecimentos que ditaram o seu destino já tinha começado. Estamos em 1890, mas para compreender o que realmente aconteceu, temos de recuar até 1888. Com vontade de criar uma comunidade de artistas, Van Gogh partiu para Arles, com Paul Gauguin. Os dois génios, cujo legado marcou profundamente a arte do séc XX, pesquisavam uma nova linguagem para a pintura, reinventando a lição impressionista. Foi aí que surgiram os primeiros indícios de perturbação mental. E o choque seria inevitável. Numa noite de breu, Van Gogh ameaçou Gauguin com uma faca, perseguindo-o em assustador estado de ansiedade. O precursor do simbolismo não teve com meias medidas e foi-se embora, seguindo mais tarde para o Taiti, onde encontrou o ambiente primordial que procurava. Num acto de desespero e culpa, Van Gogh cortou a parte inferior da sua orelha, que depois embrulhou numa folha de jornal e ofereceu a uma prostituta. Admitiu, então, ser internado. Passou dois anos num hospício em Saint-Rémy-de-Provence, onde pintou algumas das suas obras-primas. Em Maio de 1890, sentindo-se recuperado, quis sair. Com receio de o deixar sozinho, o irmão Theo, fiel depositário dos seus sonhos e angústias, sugeriu-lhe uma temporada em Auvers-sur-Oise. Só não sabia que 70 dias depois Van Gogh se suicidaria. Um tiro no peito deixou-o em agonia durante dois dias, até morrer a 29 de Julho. Olhando para os trabalhos dessa época, agora reunidos numa exposição no Museo Thyssen-Bornemisza, em Madrid (patente até 16 de Setembro), é-me impossível encontrar um prenúncio do que estava para vir. Os verdes, ocres e amarelos que dominam os quadros são claros e vibrantes. As pinceladas, vigorosas. Apenas «o ritmo frenético destas últimas semanas sugere um combate furioso contra o tempo, como se o artista pressentisse que tinha os dias contados», insinua Guilherme Solana no catálogo da mostra. Nessas 62 pinturas e 33 desenhos, Van Gogh assinou o seu testamento. Trágico e sublime.
Por Luís Ricardo Duarte in Jornal de Letras nº 964
Por Luís Ricardo Duarte in Jornal de Letras nº 964
1 Comments:
Ainda se me dissessem o que fez a prostituta à orelha! Uma caldeirada para combater a carestia (dominical)? Pois, não contam! Hoje acabei de ler um livro em que uma prostituta saca uma gota de ouro a um magrebino recém-chegado a Marselha.
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