de "os cus de Judas"
Os grilos de Mangando enchem a noite de ruídos, um dilatado e grave som contínuo sobe da terra e canta, as árvores, os arbustos, a miraculosa flora de África solta-se do chão e flutua, livre, na atmosfera espessa de vibrações e de cicios, o tipo amarrado à marquesa agoniza a um metro de mim à laia das rãs crucificadas nas pranchetas de cortiça do liceu, introduzo-lhe ampola após ampola nos músculos do braço, e queria estar a treze mil quilómetros dali, a vigiar o sono da minha filha nos panos do seu berço, queria não ter nascido para assistir àquilo, à idiota e colossal inutilidade daquilo, queria achar-me em Paris a fazer revoluções no café, explicando como se combate o fascismo, ou a doutorar-me em Londres e a falar do meu país com a ironia horrivelmente provinciana do Eça, falar na choldra do meu país para amigos ingleses, franceses, suíços, portugueses, que não haviam experimentado no sangue o vivo e pungente medo de morrer, que nunca viram cadáveres destroçados por minas ou por balas.
António Lobo Antunes
3 Comments:
um merecido prémio camões. para mim mais que o anterior. gostos.
Uma vantagem, Sophia, de sermos novinhos é podermos ler as obras de ALA por outra ordem que não a de publicação (comecei pelo "manual dos Inquisidores" - duas vezes - e o mais "recente" é "Memória de Elefante". ALA é um grande escritor,e os seus detractores que vão de tractor. (Eu cá estou-me a Origamar - entre os dedos.)
Eu também começei pelo "Manual"- assim se vê a força do ALA!
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