Férias bombásticas
Farto da modorra – nem Sodoma nem Gomorra – deste país, abalei “daqui para fora” e fui fazer um campo de férias junto de terroristas árabes. Inscrevi-me no site da Al-Jazeera (a Al-Jazeera tem um uma versão do “Um Contra Todos” muito engraçada: quando o concorrente perde implode-se em pleno estúdio, depois de uma mensagem à família; estas implosões são um dos grandes picos de audiência da estação).
A viagem foi longa, demorou 93 horas. Saí de Lisboa e fiz escalas em Madrid, Husqvarna (Suécia), Istambul, Dacca (Bangladesh), Phnom Pen (Cambodja) e Cartum (Sudão), antes de aterrar em Dar-es-salam, a capital da Tanzânia. (Confusos? Com fusos horários tão diferentes e tantas horas de vôo, imaginem a minha disposição à chegada... o que vale é que pude passear durante 4 horas em Phnom Pen; gostei da cidade, fez-me lembrar Caneças e Casal de Cambra e deu para desentorpecer as pernas).
Bom, mas falava do aeroporto de Dar-es-salam, não era? Aí fomos recebidos por um grupo de pessoas ostentando um cartaz onde se lia: “I LOVE AL-KAEDA”. Dirigi-me a eles e saudámo-nos efusivamente. Perguntei-lhes porque escreviam “Al-qaeda” com “K”, e explicaram-me que fazem sempre assim, porque as “Secretas” das potências ocidentais localizam e capturam os terroristas através da pesquisa no motor de busca Glu-glu, e o “k” serve para os despistar. Engenhoso, não? Depois tomámos um transfer para o luxuriante Parque Nacional do Serengeti, onde se realizou o campo de férias.
Em Cartum cruzei-me com o vladivostok. Trocámos breves palavras; disse-me que estava em trânsito e ia participar num seminário ultra-secreto sobre métodos de tortura a aplicar a dissidentes norte-coreanos. Ainda tentei suavizar a conversa, perguntando-lhe se estava em trânsito... intestinal, mas ele não achou piada – consta que leva estas coisas muito a sério – por ali mesmo deixámos a conversa, enquanto nos dirigimos para os respectivos terminais.
De vez em quando cruzava-me também com agentes secretos norte-americanos nos aeroportos. Usavam blusões azuis que nas costas tinham bordadas as palavras “USA” e “SERVICES”. No meio delas estavam as marcas da palavra “SECRET”, cujas letras haviam sido arrancadas, o que levou a que apenas olhares atentos como o meu os conseguisse detectar.
Já no campo de férias, o ambiente era espectacular. Todos os participantes (e até alguns dos monitores) eram oriundos de países do “Primeiro Mundo”. Tivemos vários workshops mais light (cultura islâmica, reconhecimento de inimigos do mundo árabe, tertúlia de anedotas e outros ditos sobre judeus – onde o principal assunto debatido era o ritual da circuncisão). Havia também módulos mais específicos (fabrico artesanal de bombas, orientação geográfica – muito útil para sabermos para que lado fica Meca), máquinas alternativas – neste módulo tive a infelicidade de dizer que era mau quando até já o alterne era feito por máquinas... os prazeres da vida estavam a perder-se... em suma, insurgi-me contra a robotização crescente do trabalho que provocaria uma crise laboral sem precedentes entre as mulheres que se dedicam ao “negócio do prazer”.
Mas dos módulos mais “técnicos” e exigentes ninguém se lembra de muito do que foi dito, porque entretanto descobrimos que uns australianos tinham kif, de modo que a partir daí passámos os dias a fumar. A descontração era tanta que uma noite quis fazer uma demonstração de uma pega de touro (há dois anos passei o Verão em Salvaterra de Magos). E pus-me a provocar um búfalo que por ali cirandava... só que quando se aproximou, investindo furiosamente, apercebi-me que não se tratava de um búfalo, mas de um rinoceronte... mal tive tempo de subir à árvore mais próxima. E pensar que apenas pretendia mostrar um pouco das nossas tradições aos meus colegas...
Uma tarde fui surpreendido por uma inesperada revelação, depois da aula de “Reconhecimento dos inimigos do Islão”. Nessas aulas eram-nos mosradas fotos de Beorge Gush, Duís Lelgado, Edolf Aichmann, Ohud Elmert, - nomes fictícios -, e nós recebíamos essas fotos com mimos como: “Esse filho de trinta cadelas!” ou “Hei-de ir c****-te à porta!” ou ainda “Antes uma cárie que o Macário!”. No final dessa aula, dizia, o monitor, sabendo que era português, contou-me que duas pessoas que agora vivem em Portugal já participaram destes campos de férias. Depois de alguma insistência da minha parte, disse-me que se trata – pasmem-se!” do Sotoka e do Manrottas, que não obtiveram aproveitamento no módulo “Implosão pública”, tendo daí resultado danos físicos dificilmente reparáveis.
Ai, ai... Já sinto a falta daquele ambiente sadio, no meio da Natureza, em plena África... África-mãe, África-amiga! Na última noite estivemos todos a fumar (até os monitores!). A conversa foi animada e deambulava já no ar uma atmosfera de nostalgia. Andou-se de tenda em tenda, em longas e por vezes disparatadas conversas. Até que o chefe do acampamento veio à minha tenda e, por via da embriaguez, me fez algumas incofidências. Disse-me que um dos livros preferidos de Beorge Gush é “O Estrangeiro”, de Camus, e que a sua música preferida é “Killing an Arab”, dos The Cure. Mas a confissão mais estonteante estava para vir. Num tom de voz grave e embargado, contou-me um segredo daqueles que poderão mudar o mundo, tal como o conhecemos.
- Sabes, Língua? – começou Arash, o meu interlocutor. – A história das setenta virgens que esperam avidamente os mártires de Alá no paraíso é uma completa falácia.
- Como? Que dizes? Flá... fel... uma falácia? – respondi, a rir. Mas a sua reacção silenciou-me.
- Então vamos pensar juntos. São setenta, as virgens, certo?
- Sim...
- Então, a partir do momento em que a primeira delas é desflorada, as outras ficam em sessenta e nove!
Fez-se silêncio, enquanto tentava perceber o que acabava de me ser dito. Até que me apercebi do significado disso e da gravidade de que aquela revelação se revestia, no contexto da geopolítica mundial.
Arash meneou solenemente a cabeça, como se dissesse: “Agora já sabes. Toma cuidado contigo, rapaz”.
Despedimo-nos e fui dormir, indiferente aos ruídos de causas várias que vinham das outras tendas.
No dia seguinte, entre lágrimas, abraços e trocas de souvenirs, iniciei a longa viagem de regresso ao meu país. Passei o resto das férias a pensar naqueles quinze dias no campo de férias. Mas mais aconteceu, já em Portugal... em breve vos contarei.
A viagem foi longa, demorou 93 horas. Saí de Lisboa e fiz escalas em Madrid, Husqvarna (Suécia), Istambul, Dacca (Bangladesh), Phnom Pen (Cambodja) e Cartum (Sudão), antes de aterrar em Dar-es-salam, a capital da Tanzânia. (Confusos? Com fusos horários tão diferentes e tantas horas de vôo, imaginem a minha disposição à chegada... o que vale é que pude passear durante 4 horas em Phnom Pen; gostei da cidade, fez-me lembrar Caneças e Casal de Cambra e deu para desentorpecer as pernas).
Bom, mas falava do aeroporto de Dar-es-salam, não era? Aí fomos recebidos por um grupo de pessoas ostentando um cartaz onde se lia: “I LOVE AL-KAEDA”. Dirigi-me a eles e saudámo-nos efusivamente. Perguntei-lhes porque escreviam “Al-qaeda” com “K”, e explicaram-me que fazem sempre assim, porque as “Secretas” das potências ocidentais localizam e capturam os terroristas através da pesquisa no motor de busca Glu-glu, e o “k” serve para os despistar. Engenhoso, não? Depois tomámos um transfer para o luxuriante Parque Nacional do Serengeti, onde se realizou o campo de férias.
Em Cartum cruzei-me com o vladivostok. Trocámos breves palavras; disse-me que estava em trânsito e ia participar num seminário ultra-secreto sobre métodos de tortura a aplicar a dissidentes norte-coreanos. Ainda tentei suavizar a conversa, perguntando-lhe se estava em trânsito... intestinal, mas ele não achou piada – consta que leva estas coisas muito a sério – por ali mesmo deixámos a conversa, enquanto nos dirigimos para os respectivos terminais.
De vez em quando cruzava-me também com agentes secretos norte-americanos nos aeroportos. Usavam blusões azuis que nas costas tinham bordadas as palavras “USA” e “SERVICES”. No meio delas estavam as marcas da palavra “SECRET”, cujas letras haviam sido arrancadas, o que levou a que apenas olhares atentos como o meu os conseguisse detectar.
Já no campo de férias, o ambiente era espectacular. Todos os participantes (e até alguns dos monitores) eram oriundos de países do “Primeiro Mundo”. Tivemos vários workshops mais light (cultura islâmica, reconhecimento de inimigos do mundo árabe, tertúlia de anedotas e outros ditos sobre judeus – onde o principal assunto debatido era o ritual da circuncisão). Havia também módulos mais específicos (fabrico artesanal de bombas, orientação geográfica – muito útil para sabermos para que lado fica Meca), máquinas alternativas – neste módulo tive a infelicidade de dizer que era mau quando até já o alterne era feito por máquinas... os prazeres da vida estavam a perder-se... em suma, insurgi-me contra a robotização crescente do trabalho que provocaria uma crise laboral sem precedentes entre as mulheres que se dedicam ao “negócio do prazer”.
Mas dos módulos mais “técnicos” e exigentes ninguém se lembra de muito do que foi dito, porque entretanto descobrimos que uns australianos tinham kif, de modo que a partir daí passámos os dias a fumar. A descontração era tanta que uma noite quis fazer uma demonstração de uma pega de touro (há dois anos passei o Verão em Salvaterra de Magos). E pus-me a provocar um búfalo que por ali cirandava... só que quando se aproximou, investindo furiosamente, apercebi-me que não se tratava de um búfalo, mas de um rinoceronte... mal tive tempo de subir à árvore mais próxima. E pensar que apenas pretendia mostrar um pouco das nossas tradições aos meus colegas...
Uma tarde fui surpreendido por uma inesperada revelação, depois da aula de “Reconhecimento dos inimigos do Islão”. Nessas aulas eram-nos mosradas fotos de Beorge Gush, Duís Lelgado, Edolf Aichmann, Ohud Elmert, - nomes fictícios -, e nós recebíamos essas fotos com mimos como: “Esse filho de trinta cadelas!” ou “Hei-de ir c****-te à porta!” ou ainda “Antes uma cárie que o Macário!”. No final dessa aula, dizia, o monitor, sabendo que era português, contou-me que duas pessoas que agora vivem em Portugal já participaram destes campos de férias. Depois de alguma insistência da minha parte, disse-me que se trata – pasmem-se!” do Sotoka e do Manrottas, que não obtiveram aproveitamento no módulo “Implosão pública”, tendo daí resultado danos físicos dificilmente reparáveis.
Ai, ai... Já sinto a falta daquele ambiente sadio, no meio da Natureza, em plena África... África-mãe, África-amiga! Na última noite estivemos todos a fumar (até os monitores!). A conversa foi animada e deambulava já no ar uma atmosfera de nostalgia. Andou-se de tenda em tenda, em longas e por vezes disparatadas conversas. Até que o chefe do acampamento veio à minha tenda e, por via da embriaguez, me fez algumas incofidências. Disse-me que um dos livros preferidos de Beorge Gush é “O Estrangeiro”, de Camus, e que a sua música preferida é “Killing an Arab”, dos The Cure. Mas a confissão mais estonteante estava para vir. Num tom de voz grave e embargado, contou-me um segredo daqueles que poderão mudar o mundo, tal como o conhecemos.
- Sabes, Língua? – começou Arash, o meu interlocutor. – A história das setenta virgens que esperam avidamente os mártires de Alá no paraíso é uma completa falácia.
- Como? Que dizes? Flá... fel... uma falácia? – respondi, a rir. Mas a sua reacção silenciou-me.
- Então vamos pensar juntos. São setenta, as virgens, certo?
- Sim...
- Então, a partir do momento em que a primeira delas é desflorada, as outras ficam em sessenta e nove!
Fez-se silêncio, enquanto tentava perceber o que acabava de me ser dito. Até que me apercebi do significado disso e da gravidade de que aquela revelação se revestia, no contexto da geopolítica mundial.
Arash meneou solenemente a cabeça, como se dissesse: “Agora já sabes. Toma cuidado contigo, rapaz”.
Despedimo-nos e fui dormir, indiferente aos ruídos de causas várias que vinham das outras tendas.
No dia seguinte, entre lágrimas, abraços e trocas de souvenirs, iniciei a longa viagem de regresso ao meu país. Passei o resto das férias a pensar naqueles quinze dias no campo de férias. Mas mais aconteceu, já em Portugal... em breve vos contarei.
3 Comments:
Outra razao porque se escreve Al-Kaeda e que em Africa, talvez pelos excelentes contactos com a extinta URSSS (sera que foi mesmo extinta?) ate em Angola ja nao existe o rio Quanza e o Kwanza.
Capiche?
Um bom fim de semana!!!
lolololololololol
isso é que foram uns momentos de diversão, instrução e aprendizagem, longe desta modorra....
bom regresso sem muitos vladivostoks e sem muita paixão pela ai-a-keda ou será. al-kaeda!!!
abraço forte
RPM
Ó Lingua Morta, deves estar engando, relação ao facto de teres cruzado comigo em Cartum. Devia ser o meu irmão gémeo o, Novosibirsk. Nesse dia estava nos arredores de Lomé a dar a formação a guerrilheiros togoleses para invadir as ilhas Pitcairn, para que também o Togo tenha possesões ultramarinas, tal como Portugal, no saudoso tempo que ia do Minho a Timor...
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