14 de abril de 2006

Pernilla e eu (ou o grau zero da blogosfera)

Liguei o computador, acedi a “Maria Pernilla”, como tantas vezes havia feito. Mas desta vez...

- Olá! Bem vindo!
Dei um salto na cadeira, largando bruscamente o rato.
- Que é isto? O que aconteceu? – pensei, incrédulo.
- Não aconteceu, está a acontecer! Sou eu a falar contigo!
Ouvia uma voz, é certo! Mas... vinda de onde? Fixei o meu olhar no ecrã, e comecei a aperceber-me de onde vinha a voz que ouvia! Seria possível?
-
Sou mesmo eu, a Maria Pernilla!
- Mas és uma página da internet! Não é suposto falares!
E, de facto, não falava. Apesar disso, ouvia claramente a sua voz na minha mente. Continuando a olhar ainda estarrecido na direcção do ecrã, conseguia sentir uma estranha vibração que acompanhava a tal voz.

- Como consegues falar?
-
Não perceberias se te tentasse explicar. Mas ouves-me, certo?
- Sim... – assenti titubeante. – E porque falas comigo?
- Indo directa ao assunto... (Pernilla fez uma longa pausa)
senti a tua falta. Preciso de ti, da tua afeição por mim.
- O quê? – esfreguei as mãos na cara e abanei a cabeça, esperando que o que quer que estivesse a acontecer naquele momento passasse. Mas quando reabri os olhos....
- Desculpa, não devia ter sido tão brusca, mas foi melhor assim.
- Olha lá, tu estás parva? Saudades? Afeição? Não estarás a ser ridícula?
-
À medida que ias escrevendo posts, comecei a admirar-te, a identificar-me contigo. E aos poucos senti que essa admiração evoluiu... para algo mais forte. Não te dirigi a palavra antes, pois não estava certa do que sentia, mas hoje percebi que é chegado o momento.
- Mas isso é absolutamente impossível! É inconcebível uma página da internet, um blog, afeiçoar-se por uma pessoa (ou sabe-se lá que mais)!
-
Não por uma pessoa qualquer, mas aquele que me criou! E conheces uma definição universal de saudade?
- Na verdade, há várias definições possíveis... aliás, nem serão definições, mas noções, conceitos.
-
Pois lá está! Se não é possível defini-la, porquê toda essa incredulidade?

Começava a sentir-me “encurralado”, sem resposta a tal argumentação. Como se se tivesse apercebido disso, a minha improvável interlocutora prosseguiu:

-
Lembras-te de um tipo que apareceu naquele reality-show rasca, o Jerry Springer Show, que tinha trocado a namorada por um urso de pelúcia?
- Lembro! – exclamei, soltando uma gargalhada tonitroante. – E quando a namorada entrou no estúdio, arrancou-lhe o ursinho das mãos e o atirou ao chão, arrancando-lhe os braços? Foi muito “fora”! E ele pegou no boneco a chorar, a dizer: “Meu Deus, o que te fizeram?”
- Precisamente! Vejo que recordas todos os pormenores!
- Quase todos; não me lembro do nome que ele deu ao urso. Mas porque falas desse episódio?
-
Para te dizer que o afecto, a dedicação, o amor, não conhecem obstáculos.
- Desculpa, mas não podes estar a falar a sério! A mala desse tipo não fechava bem! Aliás, é o que dirão de mim quando souberem desta conversa...
-
Importas-te mesmo com o que poderão pensar de ti?
- Não sei responder-te... mas todos os meus leitores falarão de mim como “o alucinadinho que fala com o seu blog”! Serei gozado por todos, apontado a dedo: “Olha, aquele passou-se!”
- Haja ego! “Todos os meus leitores”! Como se fossem muitos!
- Não interessa! Já me estou a ver no programa do Goucha ou no “Fátima”! Tema do dia: vivo um amor impossível! Ridículo!
- Ah, isso não! Jamais te perdoaria tal vileza!

- Mas explica-me, Pernilla, porquê eu?
-
E porque não? Afinal, foste tu que me criaste e viste crescer!
- Mas há mais pessoas a postar aqui! Olha odeusdamaquina, por exemplo. Ele até escreve poesia! Não te diz nada? Ou o Zeca Campos...
(Por esta altura já tentava dissuadir Maria Pernilla dos seus sentimentos que tanto desconforto me causavam)
- Também gosto deles, mas não da mesma maneira. É a ti que quero, percebes?
- Calma, não fales dessa maneira... Tudo isto é-me tão estranho... E difícil de explicar perante a lei! Sendo o teu criador, uma hipotética relação poderá ser considerada incestuosa.
- Deixa-te de disparates! O problema é que não estás a tentar “rasgar os olhos”!
- Desculpa? Agora não percebi...
- Estás a arranjar evasivas para esconderes os teus sentimentos, porque o teu raciocínio está turvado!
- Mas turvado como? Não entendi.
-
Vês como te conheço bem? Já sabia que responderias desse modo, conheço bem a tua apetência para trocadilhos.
- Seja! Mas, com tantos blogs que se encontram por aí, decerto acharás um bem mais... digamos, merecedor dessa tua afeição!
-
Enganas-te! A maioria dos blogs são de um narcisismo tal que impedem muitas vezes qualquer tentativa de aproximação mais séria. Por vezes, até a mera partilha de ideias se torna complicada. E por falar nisso, não tens aparecido muito por aqui ultimamente.
- Até tenho, mas não para postar. Sabes, por vezes sinto a necessidade de me distanciar.
-
Daquilo que escreves?
- Não. Os meus escritos ficam registados, o único distanciamento que tenho em relação a eles é temporal. Falo dum distanciamento físico. De quando em vez preciso de me afastar, de um certo recolhimento...
-
Será isso o tão propalado “distanciamento pernilliano”?
- Sim., – respondi sorrindo – é isso mesmo.

- Isso foi tão profundo! – Notava um tom de escárnio na sua voz. –
E que fazes nesses períodos de isolamento? Vais até ao deserto durante 40 dias e 40 noites, jejuando e resistindo às tentações?
- Não. Não sou Jesus.
-
Essa foi para me impressionar? De qualquer modo, com ou sem distanciamento, acabas sempre por voltar aqui! Por voltar a mim...
- É natural, Pernilla! És o meu blog muito amado, no qual pus todo o meu enlevo! Escutai-o!
-
Muito engraçado! Agora divagas...
- A divagar se vai ao longe, Pernilla. Agora a sério, tens de perceber que essa afeição, ou como lhe queiras chamar, por mim é perfeitamente natural, mas nunca poderá passar disso!
-
Certo. Apenas quis que o soubesses! Animar-te, alimentar-te um pouco o ego!
- O meu ego não é deste mundo.
- De qualquer modo, entendi o que me disseste. Posso admirar-te, mas nada mais que isso... – disse, algo entristecida.
- Quer dizer que não voltarás a falar comigo?
-
Sim... mas fica a saber que sempre que precisares de falar, estarei aqui.
- É bom ouvir isso, mas não creio que te interpele, em nome do que resta da minha sanidade mental.
-
Como queiras. Foi um prazer falar finalmente contigo.
- O prazer foi todo teu... não ligues, estava a brincar! Até sempre!
-
Adeus!

E assim terminou este inusitado diálogo. Assim que desliguei o computador, senti-me como se tivesse acabado de sair de um estado de transe. Dei uma longa caminhada, mas aquela conversa não me saía da cabeça. E ao regressar a casa senti-me impelido a escrevê-la, palavra por palavra (estranhamente, consigo recordar as exactas palavras que trocámos). Agora tento regressar à normalidade possível.

6 Comments:

Blogger Zeca Campos usou da palavra

Estou curioso com que a Maria Pernilha pensa sobre mim afinal cortaste-lhe as palavras e sobre mim apenas uns ...

15 abril, 2006 01:59  
Blogger Zeca Campos usou da palavra

... e tu falas em narcisismo ehehehehehe

15 abril, 2006 02:04  
Blogger Castanheira Maia usou da palavra

Olha que o deserto nem sempre é mau.

Até é um espaço libertador.

De qualquer forma o texto está muito bom porque nos faz viajar entre o tu(os botões) e o eu.

15 abril, 2006 02:05  
Blogger Aladdin Sane usou da palavra

Pois, agora renegas a tua condição.
Então estiveste na reunião dos Pernilleiros anónimos da semana passada e agora dizes que nunca falaste com a Pernilla?

Haja decoro! Haja ombridade!

(À atenção do resto do mundo: Pernilla rima com pupila, não com gravilha)

15 abril, 2006 03:08  
Anonymous Anónimo usou da palavra

Pernilla rima com Ervilha, com doce de chila (ou Gila), com maravilha, com bilha, com conquilha, com forquilha, com novilha, com braguilha, com filha, com gargantilha, com anilha, com anedotilha. sIM PORQUE QUEM PERCEBE DE RIMILHAS SOU EU!
Obrigado à Maria pERNILLA, por ter referenciado o meu nome, aquando da sua aparição pascal nas urbes e nas òrbitas deste planeta terra. A rimar é que nos entendemos, Pernilla! Aparece mais vezes.

18 abril, 2006 14:46  
Anonymous Anónimo usou da palavra

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20 janeiro, 2010 13:26  

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