6 de fevereiro de 2006

Domingo em Linhares



Tinha ido várias vezes a Linhares da Beira. Por isso, naquele Domingo frio e ventoso, mal saíu do carro, Artur já estava a perguntar quando regressariam a casa. Apesar de tudo, e para fazer a vontade à família, lá se dispôs a dar uma volta pela aldeia. Só não foram ao castelo, dissuadidos pelo vento tremendo lá do alto da torre.

Enquanto a família foi procurar a tasca mais próxima, Artur foi de câmara digital em riste até à igreja. A porta estava entreaberta, pois decorria um serviço religioso; por isso teve de esperar, contrafeito, pela família.

Entretanto, apercebeu-se da saída das pessoas da missa. Estava sentado nos degraus da igreja - ali sentado e de óculos escuros, um olhar menos atento poderia facilmente confundi-lo com um mendigo. Até que se levantou, impelido por uma voz que se sobrepunha à das poucas dezenas de pessoas que por ali ainda permaneciam.

- A vossa atenção por favor! Meus senhores, peço a vossa atenção! - Seria uma homilia ao ar livre? Mas o homem trajava "à civil", e só um padre muito persistente pregaria ali com aquele vento frio. E a voz prosseguiu:

- Tenho aqui um prato de broa com chouriça tradicional. É cá da terra, é para oferecer à paróquia para as obras no Centro de Dia! Ora, qual vai ser a primeira oferta? - Esperou um pouco. - Quem abre o leilão?

- Dez euros! Dou dez euros! - ouviu-se então.
- Muito bem! - disse o leiloeiro. - Está em dez euros! Quem dá mais? É para o Centro de Dia... Quem dá aos pobres empresta a Deus! Ora pois! Dez euros uma, dez euros duas... dez euros... dez euros...

Sem saber muito bem porqê, Artur sentiu-se na obrigação de animar as hostes domingueiras, naquele modorrento adro.
- Ó homem! - gritou. - Não venda assim ao desbarato a sua chouriça! Olhe que ainda lhe vai fazer falta!

Esperava uma ou outra gargalhada, mas o silêncio que se seguiu fê-lo entender que ninguém ali partilhava do seu sentido de humor tão espontâneo. Mas o pior veio depois. Olhando-o ameaçadoramente, aquela pequena turba lançou-se a ele, vociferando impropérios como "Pulha!", "Canalha!" e outros termos que não entendeu.

Mal se apercebeu disso, estava a ser conduzido à força para dentro do castelo (estava vazio àquela hora). Levaram-no até ao alto da torre, onde o magarefe da aldeia sacou de uma enorme faca. "Donde terá isto surgido? E a minha família que não me vem socorrer!" - pensou Artur, imediatamente antes de ser apunhalado repetidamente, enquanto a multidão soltava urros, num bárbaro júbilo.

Artur desfaleceu rapidamente - afinal o magarefe tinha o traquejo necessário para provocar a morte sem dor. Depois o cadáver foi esventrado, e os pedaços do seu corpo ficaram estendidos no chão.
- Que faremos agora a estes despojos? - perguntou uma velhota vestida toda de negro.
- Olha não sei! Aliás, vou guardar este pedaço para dar aos gatos mais tarde! - disse a padeira da aldeia.
- Vamos mas é apanhar estes pedaços para pôr num saco. Mais tarde nos lembraremos de um destino para eles. E se alguém de fora fizer perguntas, já sabem: bico calado!

Na manhã do Domingo seguinte, realizou-se um peddy-paper temático, em que os turistas tinham de procurar pela aldeia petiscos típicos da região, todos à base da carne de porco. E o evento culminou numa almoçarada no restaurante típico da aldeia, em que os petiscos encontrados no peddy-paper fizeram parte do manjar que a todos agradou. Foi sem dúvida uma bela promoção para a gastronomia da aldeia.



Imagem original em castelos2deportugal.no.sapo.pt/ icones/beira.htm

7 Comments:

Blogger odeusdamaquina usou da palavra

E a história dos Judeus perseguidos nessas zonas raianas, que criaram aqueles enchidos de caça, como as alheiras, feitas de carne de galinha e pão? De onde retiraram eles aquela caça?
Dalgum Inquisidor? Sem dúvida, que transforarem-nos em cristãos novos foi uma afronta! Talvez algum pançudo padre, tenha sofrido as consequências, em Linhares ou em Miranda do Douro, ou em Elvas, ou mesmo Castelo de Vide, que são terras, que se visitarem, ainda têm um importante património Judaico. Vão à raia, aproveitem para conhecer os nossos antepassados mais escuros e sombrios da nossa história!

06 fevereiro, 2006 13:38  
Blogger Bel usou da palavra

Quem dá aos pobres empresta a Deus a minha pergunta é : Deus paga a divida com juros ou sem juros?

06 fevereiro, 2006 17:35  
Blogger Aladdin Sane usou da palavra

Eu gosto da raia, mas não da arraia-miúda! Ou como dizia a outra "Estou disposta a morrer pelo povo, desde que não me obriguem a viver no meio dele!"

07 fevereiro, 2006 01:11  
Anonymous Anónimo usou da palavra

Concordo plenamente!
www.amar-ela.blogspot.com

07 fevereiro, 2006 16:25  
Blogger Al Cardoso usou da palavra

Ola Lingua Morta:
para seguires acorrentes , tu podes escolher os temas, escolhes 5 vitimas.
passa bem.

09 fevereiro, 2006 14:54  
Blogger Al Cardoso usou da palavra

para seguires a corrente, queria dizer. e escolhes tambem e a correcao.
Abraco beirao

09 fevereiro, 2006 14:56  
Blogger Bel usou da palavra

Lancei te um desafio no direito ao deserto

09 fevereiro, 2006 22:03  

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