27 de janeiro de 2006

No pasto


Depois da sesta que tão bem lhe sabia naqueles dias de forte canícula, João do Soito levou as mãos à cabeça.

“Raios! Ia-me esquecendo! Já deve ter começado!”

E o pastor abriu o alforge tirou de lá o rádio a pilhas que lhe fazia companhia e onde gostava de ouvir as notícias do meio-dia e meio e programa de “discos pedidos”. Rodou o botão do transístor e esperou até ouvir a voz familiar de Maria Helena, aquela voz que o sinal pouco forte tornava roufenha. Os cães Serra da Estrela que o acompanhavam na labuta diária aproximaram-se, latindo alegremente e abanando a cauda; pareciam partilhar do contentamento do pastor quando ligava a telefonia nos inícios de tarde. Já as ovelhas que estavam mais próximas de João limitaram-se a olhá-lo, com a indiferença que lhes caracteriza a expressão – apenas prestavam atenção ao barulho que o velhinho aparelho emitia.

Gostava daquela vida de pastorícia. Apenas lamentava não poder libertar-se daquela ocupação aos domingos e feriados. A vida de pastor não se compadece das intempéries ou do calendário. Sempre que tal é preciso, lá ia João apascentar o rebanho que tão bem conhecia já.

Sorrindo, pegou no telemóvel que o dono do rebanho lhe tinha dado e marcou o número que já conhecia de cor. Daí a momentos...

- Quando o telefone toca, boa tarde! Com quem tenho o prazer de falar?

- Está sim! É a menina Maria Helena? Como está a menina? Daqui fala o João do Soito. Queria ouvir uma música do Tony Carreira, uma qualquer! Gosto de todas, sabe...

- Senhor João, hoje já passámos um tema do Tony Carreira. Mas teremos todo o prazer de passar uma música de outro artista! Tenha a bondade de escolher.

- Hummm... – o pastor cofiou as longas suíças enquanto pensava, até que se decidiu. Olhe, pode ser então aquela música dos Humanos, a Maria-qualquer-coisa – nunca fui grande coisa com nomes, sabe, menina?

- Muito bem, senhor João. O seu pedido será atendido! E quer dedicar a música a alguém?

- Sim, queria dedicá-la a uma grande amiga minha, a Ana Joaquina! E até fiz um verso para ela, posso dizê-lo?

- Diga diga, senhor João – começava a denotar-se no tom de voz da locutora algum nervosismo; estava a ultrapassar o tempo estipulado para aquela conversa.

- Então cá vai! (João pigarreou antes de avançar):

“minha adorada Joaquina

fala o teu amigo Soito

és cachopa bem ladina

ai que saudades daquele coito!”

- Muito bem, senhor João! Obrigado pelo seu pedido, até uma próxima!

- Adeus, menina! Foi um prazer falar consigo! Bom trabalho!

Desligou o telefone celular e aumentou o volume do rádio a pilhas. E logo a música que tinha solicitado ecoou por todo o prado:

“Maria Pernilla, já te tenho dito! (Hummm...)

Maria Pernilla, já te tenho dito! (Hummm...)

esse teu nome, sei que não é um espanto

mas é cá da terra e tem um certo encanto!

Maria Pernilla, como foste nessa

De chamar Vanessa à tua menina?

Maria Pernilla, como foste nessa

De chamar Vanessa à tua menina?

Qu´é bem formosa e muito moreninha...

Maria Pernilla...”

João sorriu durante toda a canção; aliás, manteve esse sorriso nos lábios durante o resto da tarde.

5 Comments:

Anonymous Anónimo usou da palavra

Maria Pernilla
-Não insista
de chamar bloguista
à sua virilla!

(diálogo entre tias- por exemplo, peças do Tchekhov como "As três Irmãs", "O Tio Vânia" poderiam ser representadas como tias de Cascais. Eu sou genial! Obrigado!)

Olhe, Maria Pernilla
Como Você foi nessa
de Chamar Kátia Guerreiro Vanessa
à sua menina??????
Inda por cima, ela canta pró Cavaco, mas a tia Maria Pernilla
é da outra banda!!!! Ou seja, é mais das esquerdas. O seu lema é mais "não lhes dou cavaco"! Giro, não é???? Caturreira!!!!!!!!!!!

Dicas do Encenador, ou melhor, didascálias: (vejam bem a emotividade latente entre a Maria Pernilla, tia bem pensante de Esquerda e a outra tia, chamada simplesmente de Tia, esta, por seu turno, de direita, que discorre sobre as preferências vocais do Sr. Cavaco, como é possível uma Kátia com K de (K4 Quadrado Azul) ter a pusilanimidade de se chamar VáNessa! Meu amigo, não Vá Nessa, vá mas não nessa cantiga de maltrapilho. Em suma, os diálogos, diga-se de passagem, sublimes, retratam tão fielmente a condição humana da luta de classes, das questões sociais, da diferença abismal entre ricos e pobres, da efectiva importância do Fado para este povo, alicerçado na direita mais bolo-realista, mais economicista, mais laranjista!
Meus amigos, temos peça! Saibamos incorporar as palavras deste magistral poeta, qual Brecht na sua edificação de um teatro didático, próximo do povo, arreigado aos bons costumes de esquerda activa, socialista, social bloguista, social Pernillista! Tenho dito!
E já agora, vamos ao ensaio!!!!

27 janeiro, 2006 18:47  
Blogger Aladdin Sane usou da palavra

odeusdamaquina: TENS de te tornar "contributor" desta ode ao deboche! Já te mandei o 684º mail de convite. Será que desta correrá tudo bem?

27 janeiro, 2006 19:50  
Blogger Mac Adame usou da palavra

Uma das vantagens de não ter televisão é poder ouvir rádio.
P.S.: Por falar em televisão, obrigado pela informação sobre a TVI. A ser verdade, então é a SIC que não passa de um bando de crápulas. Isto porque perante a indignação de um comentador, a jornalista da SIC apressou-se a esclarecer que todas as televisões tinham feito o mesmo. Mas mentiras não é coisa a que a SIC não nos tenha já habituado. Mais vale ouvir o "Quando o Telefone Toca".

27 janeiro, 2006 22:27  
Blogger Aladdin Sane usou da palavra

Bom, agora não tenho bem a certeza. Certo, certo é que a 4 foi aquela que mais tarde passou para o Sócrates em detrimento do Alegrete... às tantas induzi-te involuntariamente em erro. Quando o Sócrates interrompeu o discurso do Alegre fiz zapping para ver se alguém mantinha o alegre no ar, e só a TVI o fazia. Se o deixou terminar o discurso não o posso asseverar. Boas macacadas!

27 janeiro, 2006 23:06  
Blogger JL usou da palavra

Vim para agradecer a visita e comentário deixado lá no "O Observatório" e fiquei agradado como que vi. Vou ficar cliente.

28 janeiro, 2006 18:28  

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