Mar de nós
Adoro o mar, adoro imenso o mar imenso. Adoro, adoro, adoro! Ui que bom!, como dizia o outro. O mar é indissociável daquilo que o nosso país é. O mar, a maresia, a por vezes aziaga gesta dos homens do mar e das mulheres que de negro os choram. E há três coisas que o mar me invoca:
o Coisa número um: o mar tem uma vantagem sobre todos nós, humanos. Podes dizer a quem quiseres, num assomo de intolerância: “Olha, atira-te ao mar!” Mas experimentem dizer isso ao próprio mar! Rirá ribombante de desdém na vossa cara! “Pois se sou o próprio mar!” – dirá. E a esse argumento nenhum de nós tem resposta!
o Coisa número dois: o mar tem uma carga erótica / sexual bastante intensa. De cada vez que vou para dentro dele, saio de lá molhado.
o Coisa número três: o mar português é dos mais asseados que se conhecem por esse mundo fora. Quem passeia pelas praias portuguesas pode facilmente constatá-lo pela quantidade de lixo que se encontra no areal, ou seja o mar está sempre a deitar o lixo fora. Por isso acho terrivelmente injusto que se diga que as praias portuguesas são poluídas, quando na verdade se deveria enfatizar que o nosso mar é que é limpinho e expulsa a sujidade para os areais. À atenção de quem de direito.
E agora, coisa rara e inusitada por estas bandas, um POEMA!
Georges! anda ver o meu país de marinheiros...
Georges! anda ver o meu país de marinheiros,
O meu país das naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas de gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera da maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força
Clamam todos à uma: “Agôra! agôra! agôra!”
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! Que lindo!
Içam a vela, quando já não têm mar:
Dá-lhes o vento e todas, à porfia
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladaínha das Lanchas:
Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
Senhora Daguarda!
(Ao leme vai o mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe uma espingarda
O caçador!
Senhora d`ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Semos pobres!
Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!
Parecem Nossa Senhora, a andar.
Senhora da Luz!
Parece o farol...
Maim de Jesus!
É tal qual ela, se lhe dá o sol!
Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!
Águias da voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...
Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matusinhos!
Os mestres ainda são os mesmos dantes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mailos quatro filhinhos,
Vascos da Gama que andam a ensaiar...
Senhora dos Aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
Oh lanchas Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!
Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jeques, o Pardal, na Nam Te Perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
“As armas e os varões assinalados...”
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre!
Com que força o vento a impele:
Bamos com Deus!
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele
Por esse mar de Cristo...
Adeus! adeus! adeus!
António Nobre, Só
o Coisa número um: o mar tem uma vantagem sobre todos nós, humanos. Podes dizer a quem quiseres, num assomo de intolerância: “Olha, atira-te ao mar!” Mas experimentem dizer isso ao próprio mar! Rirá ribombante de desdém na vossa cara! “Pois se sou o próprio mar!” – dirá. E a esse argumento nenhum de nós tem resposta!
o Coisa número dois: o mar tem uma carga erótica / sexual bastante intensa. De cada vez que vou para dentro dele, saio de lá molhado.
o Coisa número três: o mar português é dos mais asseados que se conhecem por esse mundo fora. Quem passeia pelas praias portuguesas pode facilmente constatá-lo pela quantidade de lixo que se encontra no areal, ou seja o mar está sempre a deitar o lixo fora. Por isso acho terrivelmente injusto que se diga que as praias portuguesas são poluídas, quando na verdade se deveria enfatizar que o nosso mar é que é limpinho e expulsa a sujidade para os areais. À atenção de quem de direito.
E agora, coisa rara e inusitada por estas bandas, um POEMA!
Georges! anda ver o meu país de marinheiros...
Georges! anda ver o meu país de marinheiros,
O meu país das naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas de gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera da maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força
Clamam todos à uma: “Agôra! agôra! agôra!”
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! Que lindo!
Içam a vela, quando já não têm mar:
Dá-lhes o vento e todas, à porfia
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladaínha das Lanchas:
Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
Senhora Daguarda!
(Ao leme vai o mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe uma espingarda
O caçador!
Senhora d`ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Semos pobres!
Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!
Parecem Nossa Senhora, a andar.
Senhora da Luz!
Parece o farol...
Maim de Jesus!
É tal qual ela, se lhe dá o sol!
Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!
Águias da voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...
Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matusinhos!
Os mestres ainda são os mesmos dantes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mailos quatro filhinhos,
Vascos da Gama que andam a ensaiar...
Senhora dos Aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
Oh lanchas Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!
Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jeques, o Pardal, na Nam Te Perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
“As armas e os varões assinalados...”
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre!
Com que força o vento a impele:
Bamos com Deus!
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele
Por esse mar de Cristo...
Adeus! adeus! adeus!
António Nobre, Só
4 Comments:
Adoro o poema! A beleza do mar surge da contradição que ele representa : Calmo e turbulento; Dá vontade de lhe confessar os nossos maiores medos os nossos maiores pecados. Acho que o azul que ele emana transparece sabedria e poder.
E eu envio-lhes aqui um poema, podem publicar, eu autorizo. Tem tudo a ver com o MáRio (Mar&Rio).
chama-se O Salário dos Poetas.
Os poetas sem salário
São seres sem tostão
sem rei nem roque.
Passam ao largo dos demais
passos dos humanos
Vagueiam na lama, no interior dos comboios
na mais alta torre, no limiar dos castelos
E sonham!
Sem salário, sem sapatos para calçar
percorrem as ruas com as palavras no coração,
na mente inquieta que os atormenta
Com as feridas abertas do frio que os agarra
transpiram o mais sonoro alfabeto da
melodia do infinito, preces loucas
vidas desvairadas, solitárias
E com a surpresa, a paixão, os odores
de noites plenas e inacabadas
soçobram perante a agonia, a frivolidade,
a hipocrisia dos mortais
Os poetas sem salário
percorrem mundos
acham-se sem terra
os ossos talvez não tenham pátria
nem o suor do trabalho
Mas as lágrimas e o coração
têm uma pátria.
Uma pátria que tem algum sentido
quando a boca nos põe a falar dela.
Os poetas com o coração
rasgam montanhas, atravessam rios
e choram de felicidade
com a emoção dos outros.
A pátria dos poetas
é um imenso eflúvio
de sensações, de tempestades
e abraços imensos para o mundo.
Benjamim Rodrigues 11/01/2006
POsso mesmo publicá-lo aqui? Obrigado! E novidades quanto a tornares-te excelso "contributor", já posso mandar-te mail de convite?
Manda, sim! Publica, sim. Sou o verdadeiro Yes man!
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