Arnaldo, o comando
Arnaldo nasceu pobre no seio de uma família também pobre no ido ano de 1946, na aldeia trasmontana de Vilar de Nantes. O pai trabalhava numa serração de madeiras lá na aldeia; já a mãe labutava de sol a sol na lavoura, esfalfando-se a cultivar poucos terrenos pertencentes à família. E de muitas vezes ia trabalhar à jorna, para arranjar o sustento que lhes permitisse fazer face às privações que se viviam naqueles tempos.
E nessas alturas o pequeno Arnaldo ficava aos cuidados da sua madrinha, uma solteirona de quem as comadres diziam ter uma ligação pouco discreta com o pároco da aldeia. (Arnaldo perguntou-lhe uma tarde: “Já viu o Senhor Prior hoje, madrinha?” A resposta foi um sonoro tabefe.) A Dona Joaquina passava as tardes a bordar e a costurar e, sendo Arnaldo franzino, servia de modelo aos vestidos que fazia, para as sobrinhas de Lisboa que a visitavam pelas festas maiores. Não raras vezes Arnaldo era gozado pelos outros miúdos da aldeia, quando estes passavam em casa da velhota e o viam naqueles trajes. Ficou célebre na aldeia o episódio em que Arnaldo não conseguiu conter as suas precisões intestinais, (tinha recebido ordens da madrinha para aguentar mais um pouco). Ao passar no largo da aldeia, Arnaldo passou a ouvir a frase “Ó madrinha, quero fazer cocó!” com que os vizinhos o mimoseavam. Mas a sua masculinidade foi resguardada perante o tribunal da aldeia anos mais tarde, quando desposou a disputada filha do magarefe, a qual rapidamente engravidou.
Anos mais tarde, Arnaldo foi cumprir o serviço militar, deixando a mulher com Alzira, a filha recém-nascida, a acenar. No quartel sofreu a sua primeira grande decepção. Pretendia ser admitido nos Comandos, mas devido à sua estatura teve de contentar-se com a Infantaria. Mas rapidamente se viu atirado Para a Guiné-Bissau, onde em 1964 foi incorporado na Guerra que viria a garantir a independência daquela que conhecia como uma das províncias distantes do glorioso Portugal, assim dizia Salazar. Mal teve tempo de se habituar ao clima sufocante e aos mosquitos que por aquelas paragens abundavam; cedo os horrores quotidianos do conflito se tornaram na sua maior preocupação.
Regressou à sua aldeia natal quase três anos mais tarde, aparentemente sem mazelas físicas e psicológicas. Mas emocionava-se quando contava aos aldeãos a história do massacre de Chiluame. A companhia de que Arnaldo era batedor tinha acampado por uma noite junto a essa aldeia. De manhã os anciãos indicaram-lhes um trilho supostamente seguro a nordeste da aldeia. Mas, menos de dez quilómetros volvidos, a Companhia foi alvo de uma emboscada, em que os rebeldes tiraram a vida a seis amigos de Arnaldo. Revoltados pelo que acabara de ocorrer, os soldados portugueses regressaram à aldeia e iniciaram, ensandecidos pela raiva, uma chacina em que ninguém foi poupado a uma morte que, para alguns, se revestiu de uma atrocidade inimaginável. (Os olhos de Arnaldo faiscavam sempre ao descrever tal cenário).
Anos se passaram, até que Arnaldo acordou a meio de uma entre tantas noites cheio de suores frios. E nessa noite decidiu-se a partir. Em silêncio vestiu-se, preparou uma mochila com algumas roupas e pôs-se à boleia. Sem saber ao certo para onde se dirigia, acabou por ir parar ao Porto, onde passou a dormir ao relento e a vaguear pela cidade durante o dia.
E começou então a perpetrar um estranho ritual. Arnaldo chegava a um café ou pastelaria e, depois de mendigar uma tigela de leite ou um cigarro, aproveitava quando o empregado virava costas para lhe surripiar o comando da televisão. (Outras vezes roubava-o de uma qualquer mesa). Arnaldo levava o comando consigo e introduzia-o no canal rectal, até se fartar da brincadeira e abandoná-lo num qualquer caixote de lixo. Repetiu este invulgar procedimento bastas vezes, e sempre sem perceber porque o fazia (a fome e o alcoolismo que entretanto se lhe tornaram companheiros de jornada toldavam-lhe quase por completo o discernimento).
Até que um dia, o dono da pastelaria “Flor de Massarelos” o surpreendeu a meter o comando no bolso do gasto sobretudo. E no meio da berraria que se seguiu, Arnaldo lá confessou que “só queria meter o comando no cú”. Entre risos de escárnio e abanares de cabeça de senhoras misericordiosas, Arnaldo foi minutos depois levado pela ambulância que o encontrou encharcado em sangue junto ao muro contíguo ao estabelecimento.
Presentemente, Arnaldo repousa no Lar da Misericórdia de Chaves. Renegado pela família, passa os dias a mirar embevecido as velhotas a costurar.
E nessas alturas o pequeno Arnaldo ficava aos cuidados da sua madrinha, uma solteirona de quem as comadres diziam ter uma ligação pouco discreta com o pároco da aldeia. (Arnaldo perguntou-lhe uma tarde: “Já viu o Senhor Prior hoje, madrinha?” A resposta foi um sonoro tabefe.) A Dona Joaquina passava as tardes a bordar e a costurar e, sendo Arnaldo franzino, servia de modelo aos vestidos que fazia, para as sobrinhas de Lisboa que a visitavam pelas festas maiores. Não raras vezes Arnaldo era gozado pelos outros miúdos da aldeia, quando estes passavam em casa da velhota e o viam naqueles trajes. Ficou célebre na aldeia o episódio em que Arnaldo não conseguiu conter as suas precisões intestinais, (tinha recebido ordens da madrinha para aguentar mais um pouco). Ao passar no largo da aldeia, Arnaldo passou a ouvir a frase “Ó madrinha, quero fazer cocó!” com que os vizinhos o mimoseavam. Mas a sua masculinidade foi resguardada perante o tribunal da aldeia anos mais tarde, quando desposou a disputada filha do magarefe, a qual rapidamente engravidou.
Anos mais tarde, Arnaldo foi cumprir o serviço militar, deixando a mulher com Alzira, a filha recém-nascida, a acenar. No quartel sofreu a sua primeira grande decepção. Pretendia ser admitido nos Comandos, mas devido à sua estatura teve de contentar-se com a Infantaria. Mas rapidamente se viu atirado Para a Guiné-Bissau, onde em 1964 foi incorporado na Guerra que viria a garantir a independência daquela que conhecia como uma das províncias distantes do glorioso Portugal, assim dizia Salazar. Mal teve tempo de se habituar ao clima sufocante e aos mosquitos que por aquelas paragens abundavam; cedo os horrores quotidianos do conflito se tornaram na sua maior preocupação.
Regressou à sua aldeia natal quase três anos mais tarde, aparentemente sem mazelas físicas e psicológicas. Mas emocionava-se quando contava aos aldeãos a história do massacre de Chiluame. A companhia de que Arnaldo era batedor tinha acampado por uma noite junto a essa aldeia. De manhã os anciãos indicaram-lhes um trilho supostamente seguro a nordeste da aldeia. Mas, menos de dez quilómetros volvidos, a Companhia foi alvo de uma emboscada, em que os rebeldes tiraram a vida a seis amigos de Arnaldo. Revoltados pelo que acabara de ocorrer, os soldados portugueses regressaram à aldeia e iniciaram, ensandecidos pela raiva, uma chacina em que ninguém foi poupado a uma morte que, para alguns, se revestiu de uma atrocidade inimaginável. (Os olhos de Arnaldo faiscavam sempre ao descrever tal cenário).
Anos se passaram, até que Arnaldo acordou a meio de uma entre tantas noites cheio de suores frios. E nessa noite decidiu-se a partir. Em silêncio vestiu-se, preparou uma mochila com algumas roupas e pôs-se à boleia. Sem saber ao certo para onde se dirigia, acabou por ir parar ao Porto, onde passou a dormir ao relento e a vaguear pela cidade durante o dia.
E começou então a perpetrar um estranho ritual. Arnaldo chegava a um café ou pastelaria e, depois de mendigar uma tigela de leite ou um cigarro, aproveitava quando o empregado virava costas para lhe surripiar o comando da televisão. (Outras vezes roubava-o de uma qualquer mesa). Arnaldo levava o comando consigo e introduzia-o no canal rectal, até se fartar da brincadeira e abandoná-lo num qualquer caixote de lixo. Repetiu este invulgar procedimento bastas vezes, e sempre sem perceber porque o fazia (a fome e o alcoolismo que entretanto se lhe tornaram companheiros de jornada toldavam-lhe quase por completo o discernimento).
Até que um dia, o dono da pastelaria “Flor de Massarelos” o surpreendeu a meter o comando no bolso do gasto sobretudo. E no meio da berraria que se seguiu, Arnaldo lá confessou que “só queria meter o comando no cú”. Entre risos de escárnio e abanares de cabeça de senhoras misericordiosas, Arnaldo foi minutos depois levado pela ambulância que o encontrou encharcado em sangue junto ao muro contíguo ao estabelecimento.
Presentemente, Arnaldo repousa no Lar da Misericórdia de Chaves. Renegado pela família, passa os dias a mirar embevecido as velhotas a costurar.
3 Comments:
É uma daquelas estórias que nos faz pensar! Como a linha que nos separa entre a loucura e a genialidade, a segurança e o vaguear na rua, o abandono.
Por vezes somos tentados a olhar para nós como seres perfeitos, acabados, formatados. Mas enfim, somos aquela massa moldável, que se transmuta ao sabor dos elementos da natureza, da vida, da sociedade. A nossa mente é falível! Logo, o ser humano é falível, capaz das maiores atrocidades, como das maiores acções humanistas, solidárias. É pena que não sejamos sempre assim!
Já agora vos deixo uma proposta de leitura:
- Leiam o grande Luís Pacheco, que é poeta, romancista, tradutor, satírico, erótico, mordaz, inconformado, à margem de todos os lobbies culturais. Hoje já tem perto de 80 anos, vive só, num lar em Lisboa. Esteve em Setúbal há poucos anos. Luís Pacheco foi o fundador de uma editora, alimentou muitos escritores, deu-lhes trabalho. Anos depois, foi abandonado por todos, ficou só, na rua. Só a câmara de Setúbal o apoiou na altura. Leiam o "Diários Remendados", que se encontra nas livrarias. Um diário íntimo dos seus tempos de editor e escritor contra o sistema. Mas ele tem obras muito mais geniais. Não me recordo de mais títulos, mas vale a pena ir à procura, perguntar pela obra de Luís Pacheco. Um grande respeito a este senhor, bem-haja!
Ó Deus, há dias mandei-te uma mensagem para o telemóvel. Mudaste de cartão? O número que tenho termina em 212, está correcto?
E porque carga ou descarga de água é que não dá para seres escriba desta pernillada destravada (passe o plágio)?
Sim, o numero de telele é o mesmo, eu recebi a msg. Quanto ao k me mandaste, foi o k disse, não dá!
Eles estão contra mim (os deuses do Olimpo, claro). Eu vou tentar pedir ajuda aqui a uns mafiosos dos computadores meus!!!
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