8 de dezembro de 2005

A minha arte é lixar-te

Foto Nan Goldin

A propósito do Anteciparte, um concurso destinado a artistas ainda fora do circuito comercial, recordei-me da galeria Artes em Partes, uma das muitas galerias de arte na Rua Miguel Bombarda, Porto. É relativamente fácil conceber um nome para um qualquer evento artístico, basta para isso arranjar um trocadilho catchy que inclua a terminologia "arte".
And the next thing you know, no que resta do meu cérebro logo começaram a fervilhar ideias (chamemos-lhe isso por simpatia).

lancinARTE
Algumas criações artísticas causam-nos um impacto tal que parecem lancinar-nos. O problema está em tentar deslindar a intenção do artista: muitas vezes a violência latente nas criações artísticas, seja nas artes performativas ou nas artes plásticas, reveste-se de um carácter gratuito. A violência e a guerra são das temáticas mais frequentes na arte, mas tudo depende do modo como nos são apresentadas. As fotos de Nan Goldin, os quadros de Dalí ou Picasso sobre a Guerra Civil espanhola, as peças de Heiner Müller ou Sarah Kane, entre tantos outros exemplos... Onde termina a exposição gratuita que pretende chocar o espectador no imediato e começa a subtileza da amargura do artista perante o que testemunhou? E por vezes a "violência" também se manifesta de forma subterrânea (vejam os quadros de Edward Hopper).

espantARTE
A manifestação artística pretende causar impacto em quem a apreende, mas até que ponto estará a arte actual a apostar no imediatismo? Falo sobretudo nas artes plásticas, em que as criações parecem cada vez mais "espartilhadas", amarradas pelo contextos, espacial, temporal e social. Parece-me que poucas são as obras de arte que realmente perdurarão e se tornarão verdadeiramente intemporais.

assimilARTE
Esta terminologia pode revestir-se de dois significados distintos: em primeiro lugar, trata-se da percepção da obra de arte e do conceito ou do seu leitmotiv por parte do espectador (e será mesmo necessário explicar a arte? Não se pode apenas deixar que os nossos sentidos a "degustem", como nos filmes de David Lynch? Para quê teorizar desnecessariamente?)
O segundo sentido do termo é bem mais orgânico. Não se sentem tão bem numa vernissage ou num Porto d`Honra que habitualmente ocorre na inauguração de uma exposição, ou na estreia de uma criação nas artes performativas? (quando há possibilidade de o fazer, claro.) Aquele ambiente de foyer, em que nos sentimos parte de um grupo com estatuto bem vincado, logo nos aumenta a auto-estima, do género "Eu estive lá com os meus pares." E se bebermos uns cálices a mais, surge um novo termo: inebriARTE.

alucinARTE
Lewis Carroll escreveu "Alice no País das Maravilhas" e "Alice do Outro Lado do Espelho" sob o efeito de enxaquecas fortíssimas que lhe provocavam alucinações. Ao espectro da arte o nosso cérebro associa quase instantaneamente a utilização de drogas. Apesar de se tratar de um preconceito, a verdade é que são inúmeros os artistas que as utilizam. Mas poderemos dizer que a criatividade é estimulada?

traumatizARTE Por vezes pode ser uma experiência aterradora ir pela primeira vez assistir a um qualquer espectáculo. Há uma fortíssima barreira psicológica e social que impede muitas pessoas de assistir a espectáculos. E essa é uma das grandes questões com que os agentes e programadores artísticos se deparam. No nosso país não está enraízado o costume de ir ao teatro, ou a exposições de artes plásticas, e muito menos à dança, ópera ou a performances mais ou menos nebulosas. E quem trabalha no sector da cultura sabe bem como é difícil gerir as bilheteiras e conseguir encontrar um equilíbrio em que se consiga atrair público sem banalizar / depreciar a qualidade da programação. Mas também é certo que muitos programadores pretendem atingir um estado de elevação tal que compram espectáculos tão bons, tão bons que... ninguém vai ver.

ostracizARTE ou estigmatizARTE
Nunca vos aconteceu estarem num grupo de amigos (pretensamente) cultos e dizerem algo do género: "Toda a obra do Jeff Koons é uma fraude!" Ou: "O João César Monteiro era um freak e os filmes dele são uma tremenda seca!" E quem diz João César Monteiro poderá dizer Godard, Kubrick, Kiarostami ou tantos outros.
E há sempre alguém nesse grupo de amigos que faz um trejeito esquisito e te olha horrorizado: "Mas o Kiarostami é um génio!" E ponto final! Nós é que somos uns ignorantes porque nos recusamos a idolatrá-los. Quando há uma ideia instituída sobre um artista, os que se atrevem a proferir uma opinião inversa arriscam-se a ser marginalizados do grupo de iluminados.

pavoneARTE ou emproARTE
poderia ter sido (mas não foi!) o nome dado à exposição retrospectiva da carreira de Mario Pavone durante o JazzIn`Tondela 2004. Mas pavoneARTE reflecte simplesmente o acto de cirandar pelo foyer ou pela galeria, mostrar-se, ser visto ali a celebrar o ritual do reencontro assinalado por discreto aceno e de um sorriso cúmplice. E é esse ambiente de foyer que constitui um dos maiores obstáculos que impedem algumas pessoas de assistir a espectáculos (pode parecer ridículo mas é verdade!).

torturARTE
As criações da maior parte dos coreógrafos nacionais torturam-nos em pleno auditório. A "Dança Contemporânea Portuguesa" ensimesmou-se e repete até à exaustão os mesmos movimentos, as mesmas neuroses. Um homem do futebol falou há anos em "tentativa de assassinato por audiovisual". Pois eu cá não lhe fico atrás e falo em "tortura por arte performativa".

instrumentalizARTE
Leni Riefenstahl foi a cineasta do regime nazi. Realizou provavelmente os filmes mais amaldiçoados da história do cinema. Teve de carregar até ao fim dos dias o estigma de ter realizado obras belíssimas como "O Triunfo da Vontade" ou "Olympia".
Fale-se também de Eisenstein, em que "O Couraçado Potemkine" ou "Outubro" não se conseguem (injustamente) dissociar da acção de propaganda. A criação artística, pela sua grandeza e mediatização, atrai todo o género de interesses, que não resistem a tentar utilizá-la em proveito próprio. Mas a criação artística deverá distanciar-se de todos os maniqueísmos externos, para que possa conservar a sua "pureza".

atropelARTE
Em Portugal temos também uma outra cultura: a "cultura das rotundas". E muitas destas são verdadeiros atropelos, senão atentados, à arte. As autarquias "decoram" as rotundas com obras de arte que, para além do gosto duvidoso (e por ser duvidoso não é passível de uma apreciação unânime), por vezes apresentam deficiências práticas (impedir a visibilidade, etc).

plagiARTE
Costuma dizer-se que "a arte imita a vida que imita a arte que imita e vida..." Mas é certo que quando a arte imita a arte, passamos falar de plágio. Aliás, o próprio título deste post não é original (shocking!) É uma transcrição de uns dizeres que há anos vi numa qualquer parede deste país. A arte é como a moda, renova-se constantemente e reutiliza / reformula conceitos já existentes. Torna-se portanto difícil aquilatar do "grau de originalidade" de uma criação. Um dos géneros artísticos em maior "expansão" - e queiram desculpar a utilização de expressões mais associadas à economia ou à astronomia - é o das criações "transdisciplinares", que combinam elementos de várias artes. Destaco o Novo Circo, que combina a arte circense com artes emergentes, como o vídeo, a dança, o próprio teatro, a música, donde resultam criações de grande beleza plástica.

E é tudo, sinto que começo a entediARTE...

2 Comments:

Blogger Zeca Campos usou da palavra

Oi o que acontece aos comentários aqui? Parece o triângulo das Bermudas.

12 dezembro, 2005 00:31  
Blogger Zeca Campos usou da palavra

...é que já tinha comentado mas o cmentário desapareceu :'(

De qualquer das formas o que eu escrevi é que é bom aprender "coisas" contigo.

12 dezembro, 2005 00:33  

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