Dia de decisões
Às 9h30 da manhã, tem início uma das reuniões mais importantes dos últimos meses para a multinacional seguradora ALFAMA Seguros. São dadas ordens às secretárias para não interromperem a reunião, qualquer que seja o motivo. A ALFAMA resultou da fusão de várias empresas do ramo: das iniciais das empresas Allianz, Life Insurance, Fidelidade Mundial, Aliança UAP, Mapfre e Açoreana nasceu uma super-empresa transnacional. O nome ALFAMA surgiu da sugestão do Departamento de Marketing e Comunicação, com o fito de criar um nome que apelasse à portugalidade do mercado. Na reunião desse dia debatem-se as estratégias com vista ao downsizing dos efectivos da empresa no dealbar de uma nova fusão com um gigante norte-americano do ramo. São 9h32 e os membros do Conselho de Administração colocam os respectivos narizes de palhaço e dão início à dita reunião.
Entretanto, em todas as escolas do país, os professores cumprem a sua rotina diária e abandonam, a toque de campainha, as salas de docentes. Colocam os seus narizes de palhaço e encaminham-se para as respectivas salas de aula. Todos estão a par da decisiva reunião que terá lugar nesse mesmo dia no Ministério da Educação, em que os mais altos funcionários, bem como um colégio de pedagogos debate com urgência as estratégias a adoptar para fazer face a mais um estudo recém-publicado, onde se prevê que o português de Portugal se venha a tornar numa língua morta no espaço de oito a doze anos. Os funcionários cumprimentam-se, marcam as faltas no livro de ponto do Ministério da Educação e colocam os narizes de palhaço. Dá-se por iniciada a reunião.
No estádio do Dragão, inicia-se mais um Porto-Benfica. Apesar de não ter o peso de outras épocas (as duas equipas encontram-se a lutar pela permanência na Liga Touch&Go, enquanto o União de Coimbra celebra antecipadamente a conquista do terceiro campeonato consecutivo), a rivalidade entre os dois clubes é demasiada para que algum deles conceba sequer a ideia de não vencer claramente o adversário. Com a solenidade habitual, as duas equipas e o sexteto de arbitragem entram em campo ostentando tarjas contra a entrada de imigrantes no país. Antes de se perfilarem e cumprimentarem no relvado, jogadores e árbitros colocam os narizes de palhaço. O jogo pode enfim começar.
No edifício do Comando Metropolitano de Lisboa da Agência para a Segurança e Bem-Estar, - corporação fundada após a extinção da PSP e GNR por queixas de falta de recurso à violência por parte dos agentes -, prepara-se atarefadamente o briefing diário onde se reportam os casos cada vez mais frequentes de roubo de narizes de palhaço no nosso país e o alastramento do tráfico destes produtos, cujos lucros superam já o do narcotráfico em território nacional.
Estes crimes grassam de tal modo pelo país, (apesar da maior incidência nas Regiões Metropolitanas de Lisboa, Porto e Figueira de Castelo Rodrigo), que foram objecto de discussão de um Conselho de Ministros Extraordinário, realizado uma semana antes, onde se decidiu adequar a moldura penal à gravidade de tais cometimentos. Assim, quem for detido na posse de mais de cinco narizes de palhaço arrisca uma pena de 20 anos de prisão, agravada pela obrigatoriedade de assistir uma vez por semana ao programa da Fátima Lopes.
O porta-voz do Comando Metropolitano de Lisboa pigarreia, ajeita a elegante gravata das fardas que Maria Gambina desenhou para os agentes da corporação, testa os microfones e prepara-se para falar, quando o assessor de imagem lhe toca suavemente no ombro e passa discretamente a mão pelo nariz. O porta-voz sorri nervosamente, coloca o seu nariz de palhaço e inicia a declaração diária à imprensa.
Ao fim da tarde, em Viatodos, concelho de Barcelos, Maria Pernilla regressa a casa vinda de mais um dia de escola, acompanhada pela mãe. A petiza, de nove anos de idade, decide finalmente interpelar a mãe acerca de algo que há muito a inquieta. Pergunta-lhe a razão de tantas pessoas usarem actualmente narizes vermelhos de palhaço. Algo surpreendida pela pergunta, a mãe explica-lhe que, desde que os telemóveis passaram de moda, todas as pessoas passaram a ambicionar usar um nariz de palhaço, que é o novo símbolo da sua condição social. Maria Pernilla diz à mãe que gostava de ter um nariz de palhaço, pois alguns dos seus colegas mais velhos da escola já se passeiam com eles postos. Mas a mãe da pequena Maria diz-lhe, indisfarçavelmente pesarosa, que o orçamento familiar não lhes permite ainda extravagâncias desse tipo e promete, à guisa de consolação, que a sua menina poderá vir a ter uma surpresa num dos próximos aniversários. Cabisbaixa, Maria Pernilla recolhe aos seus aposentos e escreve no seu diário: “Os meus pais não querem comprar-me um nariz de palhaço. Quando envelhecerem, não tomarei conta deles.”
4 Comments:
alô amigo língua morta. é com enorme prazer que vejo na blogosfera esta maria (que não vai com as outras). Muito interessante. Espero qualquer dia colaborar e contribuir com as minhas insanidades para este blogue. o meu nome é odeusdamaquina, mas tu sabes quem eu sou! aquele maluquinho do teatro, ou maluquinho por outra coisa qualquer, desde que mexa! eh,eh! Vou só dar o nome de um blog para o qual escrevo, de amigos meus cá do burgo (Barreiro/Moita), de malta da Esquerda que vale a pena e te olha nos olhos! (já tou a fazer campanha) o blogue chama-se Arremacho (www.arremacho.blogspot.com) e vale a pena ver. Lá estão alguns dos meus desvarios políticos, culturais e poéticos. E depois, é um blog regionalista, que defende os asnos, as mulas, e toda a bicharada! Consulta porque já fiz referência em 1ª página ao teu blogue também! Vai ser uma colaboração mútua. Qualquer dia fazemos uma partida de futebol entre os 2 blogues! Arremacho Vs MariaPernilla.
Amigo, aquele abraço, bons posts (de Bacalhau) para o natal que se aproxima.
Saudações bloguistas.
A equipa do Arre Macho deseja-vos boa sorte, e muitos posts (de bacalhau, como refere odeusdamaquina). Força.
Olá deus! Sê bem-vindo! Esta blogaita está agora abençoada! "... colaborar um dia destes...?" Empeza ahora mismo! Senão vou ao Norte e dou-te pernilladas até desmaeares!
Falas que os políticos e os mais abastados é que usam os narizes de palhaço.
Mas digo-te os palhaços somos nós.
Nós é que devíamos usar esse ícone que são os narizes de palhaços porque deixamos esses indivíduos fazerem o que querem e sem prestarem contas.
Enviar um comentário
<< Home