20 de fevereiro de 2014

Intensidez

Havia algo em ti que me emocionava.
Algo de grandioso. Um não sei quê
de diferença para as outras. Um
estatuto, só teu. Sem peneiras,
sem vaidades, apenas solidão.

Um mundo muito melancólico
- e tão luminoso! Encantei-me
logo desde o primeiro café.
A tua voz era decidida, grave,
como eu gosto, sem maneirismos
que me irritam profundamente.

Não tens certeza de nada, especialmente
do futuro. E ainda bem. Menos ansiedades
vives. Do passado também não tens
grandes memórias ou recordações.
Vives aqui, agora e dás-te por feliz
com isso. Sonhos, tens-nos às carradas!
Por isso continuas a andar sem pressa.

Não sei se ainda é tempo para te dizer,
mas as framboesas estão aí e quero
oferecer-te todas e colocá-las na tua
boca deliciosa. Uma a uma, languidamente,
sem passado, sem futuro, sem pressa.

Construindo contigo um silvestre aroma
delicodoce, sensível, profundo como
a terra dos teus olhos, vibrando com
a frugal intensidez dos teus braços.


6 de fevereiro de 2014

Vou Morrer
















Hoje é que foi! Disseram-me que ia morrer.
E eu acreditei. Finalmente me fizeram ver
o quanto andava enganado com as tolices
de super-herói imortal.

Foi um acordar para a vida! Perdão, um
acordar para a morte. Para a finitude e
o desembaraço. Consegui logo ali depois
de sair da audiência, elaborar variados
planos e estratagemas: viagens, jantares,
romances, beijos ao luar, banhos em
lugares distantes, carros de luxo,
comida gourmet, roupas de marca,
tudo o que de melhor poderia oferecer
a mim próprio.

Mas depois de tanto congeminar,
voltei, resoluto a casa e tomei
coragem para fazer o que devia
há já muito tempo!

E consegui, finalmente
limpar o pó à minha casa!

2 de fevereiro de 2014

Carta a Cristiana

Olá. Escrevo-te esta carta, para te agradecer pelos cabelos ao vento.
Para agradecer as palavras e a abertura da tua pequena caixa de Pandora.
Os teus males são os males do mundo. Os odores são a inquietação na mente.
A saliva tem o sabor salgado da melancolia. O corpo todo dói-te nas aventuras
em que te meteste, secretamente, deambulando por aí à procura do teu olhar focado.

Depois, dou-te um abraço na maresia teatral, ao abrires a minha porta de casa
e eu mostrar-te o meu cérebro, apinhado de livros, de paisagens e sonhos. Voltei
a entrar em cena, e a rabiscar mais uma peça de teatro. Colorindo cartas e amores
e voltando ao lugar dos ditongos e das alegrias. Corro agora para ti, ao fechar esta
simples missiva. Espero que os correios ainda estejam abertos e selar, por fim, o amor
às palavras, ao nevoeiro da existência, aos desertos do mundo. Parece que vai chover.

Não sei se tenho mais para te dizer. Sei que posso deitar-me nos teus braços e
que vais amparar a queda das lágrimas sempre que elas queiram voltar à vida.
Como gostaria de ter um cão que me lambesse as feridas nos joelhos. E a minha avó
está bem, graças a deus e ao Reumon Gel. O gato Simão manda miaus e a minha tia
quer-te cá em breve, para te ensinar a fazer crochet. Manias de tias, que se há-de fazer?

Despeço-me agora, minha irmã. Sem salamaleques nem pechisbeques. Olha, esta rimou!
Não tenho muito jeito para isto, as despedidas. Conto ver-te em breve, num jardim
iluminado só para os dois, com pedras na mão, para atirar ao mar. Do resto da história,
não contamos a ninguém. Os segredos são para se guardar na memória do universo.
Adeus, fica no coração das estrelas.
P.S. - Não digas à mãe que estou constipado!