29 de fevereiro de 2012

Coração de Ouro

Vou avaliar o meu coração a uma contrastaria
para ver se o ouro que possui é ou não valioso

Primeiro, tenho que me dirigir com denodo ao edifício
depois, ser revistado pelo polícia na entrada e passar
de seguida pelo detector de metais e armas perigosas

Finalmente entro e ainda tenho de esperar pelo oficial
para que receba este coração já velho e cansado

E ei-lo que chega e num ápice pede-me a jóia
embrulhada em papel pardo. Analisa-o com
cuidado e ao fim de algum tempo, a pergunta:

- Quantos donos já teve este coração?
Ao que lhe respondo: Bastantes!
Ri-se para mim e volteia-o mais uma vez.

Sim, tem valor! Nota-se o uso e algum desgaste,
mas está perfeito para ainda ser usado outra vez
e poder bater sem fim em dias e noites de alegria.

E a medo, pergunto-lhe: - Quanto vale o meu coração?
- Vale um sorriso gentil e um poema de amor infinito,
responde-me o oficial dos brilhantes corações vendidos.

25 de fevereiro de 2012

Tríptico Pessoal

Hoje fundaria uma praia nos teus lábios
e pediria aos ventos de levante o odor
cálido e doce da pérpétua-das-areias
para eivar no ar o sabor da bonança 
meu amor

Ontem previ a morte dos sorrisos
nas intermitências da vida sofrida
mas tudo foi ilusão das estrelas que
encandearam o meu olhar inocente
meu amante

Amanhã pedirei sorrisos na lua silente
para afagar as dúvidas no percurso
enviesado e levemente traçado a giz,
efémero caminho dos dias insurrectos
meu amigo

22 de fevereiro de 2012

Tempo Demais

Estive tempo demais sem te ver, sem te sentir
fortuna do tempo

Perscrutei na noite a insidiosa fonética larvar
do teu ventre

E enquanto ruborizavas no cálido divã dos afectos
eu prostituía-me numa ruela esconsa e prenhe de vícios

Deixei-te ir embora sem pestanejar e balbuciei apenas
o desejo intenso de te amar numa avenida só de peões

Mas este tempo é o do rancor e do silêncio, da perfídia
inconstante, em que as margens deixaram de ter alegria

E neste mar de gente imensa e solitária, um corcel
endiabrado pode ser a salvação do mundo
e a morte do artista em traços pintados a grosso

Seguro agora na paleta em que me enrodilhaste
e misturo os matizes do abandono na tua veia
exangue e aberta ao óleo sobre a tela da paixão

Já o amor é uma técnica mista em que rasuras
o preparado e juntas todos os ingredientes que
possas abarcar, em círculos concêntricos sem fim.

Voltei de novo àquele bar de prostitutas e vagabundos
onde o fumo queima a garganta e o álcool tresanda
nos corpos e no chão carcomido da sala decadente

Estive tempo demais sem te ver, sem te curtir
fortuna do tempo

Perscrutei no dia a lúgubre semântica solar
do teu corpo

E embandeiro em arco na dionisíaca casa-mãe da vida
enquanto o teu saber apolíneo me atrai e atemoriza

Chegamos finalmente ambos a acordo:
a maresia do tempo que se esvai na ampulheta dos sonhos
é o nosso destino final e fatal para compreender o amor