30 de julho de 2011

Indefinida Insânia

Um Píndaro alucinado na mesinha de cabeceira
Uma Ossónoba Meridional com ilhas isoladas
em faróis na neblina feérica do isolamento.

O Atlântico mergulha no atol do desencanto
A língua Mediterrânica na tua cara enviesada
que se assemelha a uma melancia dulcíssima.

Os sargaços imensos no meu pé de estrelas
As infusões hipnóticas no sexo occipital da
memória cristalina do teu ventre salgado

Uns abraços deleitosos na alegria do Mar
Umas histórias de encantar no porvir
acérrimo do meu beijo ensandecido.

12 de julho de 2011

Salsugem dos Dias

São Torpes senhor, as palavras que me dissestes junto à praia.
Naquela enseada, jurámos a pés juntos não nos massacrarmos
nos subúrbios do mar. A falésia ruiu por compaixão aos eternos
amantes da melancolia. Foram as mais dúbias preces que me
soletraste ao meu ouvido insano de tanto peregrinar nos dóceis
labirintos do prazer. Amor nodal em melopeias sem fulgor.

São os sinais que depois vimos em Sines, que nos fizeram rumar
a esse Porto, âncora de uma Ilha no fruto sazonal das bocas roedoras.
Há um lugar Côvo na tua boca silenciosa. E um murmúrio de dor.
Nessas palavras ditas na surdina do presente, amarras a nau da
tua vida aos acasos que te fazem partir, rumo à solidão embriagada.
Por hoje perdoo-te, nas arribas frágeis da minha memória salgada.

9 de julho de 2011

Corpo em Adiantado Estado de Composição

Sabes o cansaço do meu trabalho?
Estou derreado e já não tenho forças para sair
como todas as outras pessoas, tomar um copo,
divertir-me um pouco.
Suo, uso o meu corpo, a minha voz, a minha mente
até ao limite do impossível. E nunca desisto, não
posso fazer uma pausa, como tu, como vós.
Se estás a criar, a repetir, a condensar, vais parar?
Podes perder aqueles cinco minutos em que descobres
um novo sentido na coreografia, na dança, no texto,
na voz. Por isso, não podes perder a concentração.

E depois de tudo isso, aí sim: parar. Para pensar, reflectir,
discutir o melhor rumo a tomar. Ah, parece que falta aqui
a inspiração e a outra palavra que todos gostam de usar,
o talento. É uma palavra que me soa tão vazia, oca de
tanto se procurar um eco, que é puro paroxismo.

Não posso estar no lugar dos outros, na beleza dos outros.
Resta-me uma cama e a minha fealdade. No entanto,
amanhã será um novo dia e aí poderei recomeçar de novo.
No desgaste rápido do meu corpo e dos meus sentidos.
Ou descansar finalmente, na areia molhada da inquietação.

7 de julho de 2011

Poema Insalubre em Condomínio Fechado

Tome-se um espaço vazio. Incorpore-se nele o silêncio.
Abasteça-se de combustível para exaurir o seu corpo
de besta ensimesmada. Que arrebente em mil pedaços
na escória do buraco negro em que se meteu eficazmente.

Agradeça aos deuses por viver só e com uma casa de luxo
num nono andar com vista sobre o betão. Carregou-se de
carros, motos, iates e um jacuzzi particular para os seus amantes.
É uma besta quadrada e leviana. A sua obesidade é inversamente
proporcional à sua inteligência. Diz que é feliz, porque tem uma
choruda conta bancária. Mas tem varizes nas pernas e já não sabe
a sensação de andar a pé nas ruas apinhadas de gente. Aliás, não
sabe o que são as pessoas comuns, com quanto sobrevivem.

Vós sois uma baba para mim, por muitas gravatas que use sobre a
sua nulidade. Vós, venerável senhor das mãos conspurcadas, não
passais de mero lixo a ficar com as migalhas dos outros. Vós sois
um infeliz. Vós mereceis este poema. Para dizer ao mundo que
existiu, mas nunca soube olhar nos olhos de alguém, nunca soube
o que era o amor. E sem amor, sois um zero, uma nulidade absorvente
desta multiplicação de seres imundos e rastejantes no vazio silencioso
da modernidade. Aqui jaz então, um ser digno de todo o esquecimento.

4 de julho de 2011

Passageiros em Casa

Caminhos. Traços riscados na maresia do tempo. Um encontro infinito no mar.
Na soturna roda dentada da vida, vislumbras a falésia, azenha reescrita na
intrépida viagem em que embarcas. Partes desde os flancos da Ocidental
memória, até ao mais secreto lugarejo de África. Diante dos teus olhos, um
oásis pleno de silêncios. Choras secretamente e sem pudor na noite de estrelas
cintilantes. Estás perdido há longas jornadas, mas reencontras-te finalmente.
Sabes que o teu lugar sempre foi aqui, como outros, na filigrana do mundo.

Percebes o que te quero dizer, quando digo que o silêncio é o futuro? E que
o presente é um ruído enganoso, uma melopeia breve e intensa, cheia de
atavismos e grãos de areia na memória? O presente é insidioso, fácil e resplandecente.
Brilha na ociosidade do mundo. O presente é sedutor e acalenta a nossa vã esperança
do eterno. O presente brinda-nos com o fulgor energético da vivência. O aqui e agora
é uma brisa que sopra alarvemente na cabeça dos humanos, que tem a soberba de
recusar todas as outras hipóteses. Sem ele, mais ninguém. O presente é um bicho
solitário e inconsequente. No presente morre-se sempre. O presente é um não-lugar.

Anotei no meu diário de bordo, o fim-de-linha da viagem. Perscrutei no futuro as rotas
possíveis. Dilemas por resolver no percurso em que decido embarcar. Uma vida náufraga
na procura do invisível, as marcas no chão do silêncio pacificador. Diz o provérbio turco:
"Antes de me amares, tens de aprender a correr na neve sem deixar pegadas". Sem
o rasto do cansaço acumulado no limbo das paixões, sem a vaidade occipital dos
eufemismos. Com toda a graça do glaciar de Aletsch, subir e deixar-se envolver no
mundo sensível, sem olhar para trás e sem deixar visíveis marcas de arrependimento.
A viagem das nossas vidas é só de ida e o gelo derrete-se na ausência dos afectos.
Sempre foi assim e o percurso vai de etapa em etapa, até ao prémio de montanha
em que podemos finamente respirar o ar rarefeito da criação do pensamento.

Finalmente, a hora da dança em narrativas por desbravar, estórias marítimas de
andanças e casa-abrigo do nosso eu. Somos passageiros. Andamos a descobrir
qual a casa de cada um. No horizonte vasto da felicidade.