19 de julho de 2010

Manifesto 500

Hoje, é dia de fúria e sonho. Não me apetece mascarar a dúvida em contradanças sem fim.
Nestas horas, é tempo de por no papel em branco a verdade e a carícia, a humildade, sem
doses embriagadas de risos. O mundo da sensibilidade é difícil e minoritário. Não é possível
ser-se diferente nesta dose maciça de indiferença e em que tudo é espectáculo. Faço do
espectáculo a minha vida e a minha sorte, rumo sinuoso e pouco acariciador. Talvez possa
haver ainda uma réstia de esperança nalgumas ilhas solitárias, talvez. Por isso esta paixão
assolapada por quem vale a pena, por quem apesar de tudo, está próximo de nós na emoção
de partilhar sonhos e inquietações. Por essa razão, amo alguns artistas portugueses, que fazem
da persistência, humildade e muito amor o seu percurso. Feito de arranhões, feridas e
dificuldades. Por isso a música que mais compro é a nossa, por isso os autores que mais leio
são os nacionais, por isso os dramaturgos que devemos ler e ver no teatro devem ser os nossos.
Sempre acompanhados dos outros, claro, os da estranja, como diria Samuel Beckett, mas numa
relação saudável. Há tantas pessoas que só consomem, vêem, lêem coisas estrangeiras! É de
doidos, para mim. É a aculturação pura e dura, sem pedir licença. E a nossa inteligência,
onde ficou? No armário dos monstros da nossa pequenez e subserviência intelectual?
Não, não devemos ir por aí! Eu não vou seguramente por aí. Sem ser demasiado conservador
ou possessivo com as nossas origens autorais. Mas eles andam aí, muitas vezes esquecidos,
desconhecidos, por desbravar no meio da névoa colectiva. Não espero o Dom Sebastião, nem
quero que os Portugueses sejam aquilo que mais detesto: um país gerúndio, onde tudo vai
andando e cá nos vamos arranjando, entre um verão que promove a boçalidade e um
inverno dos mais frios e sem condições mínimas de qualidade de vida. Fora os condomínios
que de tão privados, se privam do comunitarismo e logo, promovem o individualismo em
elevadas doses glicémicas. Uma diabetes que alastra no país do brandos saberes! Quase
nada se faz com qualidade, tudo é para turista ver, em Inglês técnico-pedagógico, nas
areias do deserto da nossa vida pobre, culturalmente falando. Tudo o resto é oásis, na
mais falível bonomia do viver passivo. Não, vou resistir a olhar para o outro, para o lado
direito, de uma Europa que nos chama. Vou aguentar e gritar nas ruas: amem o que é
nosso, tenham orgulho no que temos de melhor. Faltam elites de qualidade, já diziam os
escritores no Século XIX. Eu não digo nada, escrevendo muito. Talvez seja o espalhafato
demasiado verborreico e inconsequente, talvez seja da idade ainda verde, talvez porque
não tenho nada a perder, porque o ganho é para a massa ululante um carro de topo, uma
casa de sonho e uma conta bancária de luxo. Para mim, isso é lixo que faz encolher algumas
mentes mais dadas ao desvario. Eu fico-me pelo rio, por esta paisagem de sonho, que me
faz deambular por estes pensamentos ignaros e infantis. Apenas quero que abram a mente
e o corpo para o que é nosso. Uma localidade única, uns gestos só nossos, uma música que
é ouro em bruto, por explorar, as gentes sensíveis, verdadeiras, não conspurcadas, que
felizmente ainda deambulam em busca do seu crescimento e dos outros. Vivam os nossos
artistas, fazedores de utopias e mundos por inventar. Um bem-haja a todos os sonhadores!

18 de julho de 2010

Tinhas na Mão uma Viola Braguesa

Tinhas na mão uma viola braguesa. Tocavas melodias do inferno em síncopes
assimétricas e sensuais. Da tradição não reza a história, dizias na melopeia
dos amores por construir. Em surdina, um trompete na diáfana languidez
do intermezzo. Da tua boca saíam esconjuros e cantigas de maldizer, carne
a arder nas profundezas salgadas da tua alma capciosa. Sobra muito tempo
para gritar os refrões de liberdade em ruas cheias de tráfico e sujidade. Na
urbana solidão dos sensíveis, há pessoas banais em barda, hordas de cabeças
boçais na tua letra mais inquieta dos últimos compassos. A música que
fazes é revolta irónica servida em doses suaves com duas pedras de gelo.
Enquanto outros continuarem a importar gestos, sons, produtos e a
normalização em massa, tu vais pegar com a tua forte mão na viola braguesa.

9 de julho de 2010

Canso-me!

Escrever cansa! Que maçada este feito de dar imagens e sonhos. Mostrar misérias
e enganos. Escalpelizar a dúvida, rasgar o horizonte, perder-me na nuvem anafada.

Como me cansa esta escrita! Estou farto dos solilóquios e das paisagens, dos idealismos
e das conquistas. Mas essas são somente as derrotas do percurso diário. Uma saga triste.

Que chatice essa canseira e o calor. O fedor nauseabundo dos homens e dos cães. Quero
uma cabana adormecida no mar que me leve para bem longe. Da terra e do espaço.

Nadar cansa-me! Só para não morrer afogado hoje é que me arranho nas rochas.
Fica para depois essa morte certeira e insofismável. Derreto os minutos na areia.

Cansado vou nesta jornada de mim. Cansa-me o vício e a virtude, cansa-me a Terra
e o amor, o ódio e o esplendor. Cansam-me tanto as pessoas quando me canso de mim.

7 de julho de 2010

Escrita Automática

Sobranceira a canseira. Na tijoleira dos afectos, um lume aceso na paisagem. Na margem
acintosa, a flor cheirosa. Medusa, aranha ambulante e o tonitruante carro na deriva
sentimental. Na marginal dos trajectos, a alfarroba. Alfa e Beta-Caroteno do desejo.
Príncipes e fadas, fraldas e tralhas. Encontrei um acaso no ocaso da tua vida. Agora, colora
a fronte da saudade em pálidas inquietações. Os sões e as sezões, nos verões occipitais e andrajosos. Por causa da bonomia insondável das marés, as oliveiras partem-se em cacos e
na estrada dos amantes há florestas virgens por desbravar. Percorro agora o silêncio feérico e transmutado em árvore derrubada e queimada. Um pássaro bisnau que grita au! au! No pau
da bandeira sedosa, há corpos em demandas insondáveis. São inevitáveis os olhares e as fugas. Na conquista da pista, risca a preciosa e gulosa anisada carregada de calhaus e erva-moira. És uma toira que loira a fogosa juventude. Parcas fontes nas frontes enviesadas da dúvida. Na metódica aparência dos gérmenes e dos sais tudo é mais perfeito na salsugem das covas e das ovas em flor. Na primavera de destroços que é a carne, há pútridas armadilhas no convés da neblina ausente. Pois se agora sou um louco ensimesmado, fico entusiasmado com a orgia de nenúfares e polinizações acorrentadas na perfídia do mar.