20 de junho de 2010

Par'ti, Saramago.

Estou de luto. A rocha sólida onde te agarravas, cedeu
e por ora, uma raiz nua e tombada, um rábano-silvestre coeso.
Essa planta, Saramago de seu nome, espraia-se por
esse país fora, entre pétalas e sílabas acariciadoras,
preces sem fé nem lei do mais forte. Apenas ecos,
rumores de uma madrugada quente e lânguida, rios
sem foz onde espraiar a inclemência da pontuação.
Tudo segundo o Evangelho, em que Jesus Cristo é
o senhor de Todos os Nomes. Por ora, todos os
seres serão Levantados do Chão dos infernos
temerários e conspurcados pelo dislate da
acefalia Romana-Católica e Apostólica. Numa
terra seca e agreste, não há deuses que resistam
à profusão de seca, suor, sangue e lágrimas de
uma vida feita acre, pó e solidão. O Alentejo não
é para todos e o Ribatejo é feito para todas as
plantas brandas e silvestres que crescem nas
Azinhagas destas margens da vida. Quero uma
Jangada de Pedra em forma de Península Ibérica
para abraçar a dor de partires sem mim. Até Breve!

18 de junho de 2010

Este Cansaço que me Alumia

Este cansaço que me alumia é o facho atónito das horas em que quero viver.
Depois, na rota dos navegantes, há solstícios e partidas, escorbuto e diarreia.
Por isso nado à tona, no ensejo de te ver. Foco o teu corpo desabrigado na
enseada dos sonhos e naufrago na rocha da solitária esperança dos amantes.

Essa sageza que de mãos abertas me mostras é um oceanário de eflúvios
e marés de perspicácia. Tenho algas nos pés e um corpo exangue por decompor.
Cresço na falésia mais remota da baía ancorada na memória, pérola aberta
na orla dos sonhos. Fecho a gaveta e durmo na insone perfídia do tempo.

12 de junho de 2010

Perdedor Sexual

Sou um perdedor sexual. Perco-me em redor da dor dos sexos anestesiados.
Na ambígua anamnese da ocasião libidinosa, há socalcos e magias na lucerna
acesa da noite. Cacos e filamentos de tungsténio nos cactos Mexicanos. A luz
é um globo terrestre que apieda-se do sol para a reprodução.

Sou um perdador sexual. Perco a dor no acto voluptuoso da fuligem efémera.
Um chá no deserto das ocarinas tranlúcidas. A perpétua-das-areias como
musa exaladora dos arfares olorosos. Cidades azuis, olhos-de-água verdes
no calcário de Marrocos. A sombra é um açúcar mascavado na saliva.

Sou um percursor sexual. Percorro as rotas da imagética dos corpos lacerados.
No sofisma apócrifo que vos escrevo, talho na rasura dos dias a inspiração velada
da memória. Rotas e sabores na salada feita por Alexandre da Macedónia.
O Grande, na criação umbilical da dor mais profunda dos sentidos.

6 de junho de 2010

Anjo Branco

Um simples desenho. Uma face carcomida de dor. Os olhos sibilantes da noite.
Nada disto parece fácil, mas basta juntar as peças e resumir o girar do mundo.

Na sala de trabalho, um tufo negro de sapiência e serenidade. Há anjos na terra
das grandes gôndolas verde-mar. No céu branco dos silêncios, um sorriso jaz.

Corroo a roda dentada do presente, macero o açúcar na sala dos espelhos côncavos
e digiro a solidão em sombras anquilosantes. Começa a leitura a ficar difícil. É hora
de por travão às escutas e às esperas. Queria uma rota mais fácil para escrever.

Se começou com as mãos, não tem de findar na audácia das palavras. Na ternura
de um gesto, há personagens a criar com bocas de infindáveis formas e expressões.

Agora sim, a palavra certa: expressar a intenção delicodoce dos sonhos, das marés.
Foi um anjo branco quem me pediu para embarcar na viagem mais quente dos sentidos.

4 de junho de 2010

Dor Oxigenada

Hoje dói-me a dolente enseada dos sonhos na curva lombar dos sorrisos.
A imanência dos sonhos é revelada na folha perene da saudade. O ocaso
anuncia o términus de maturação das amoras silvestres, rios de desejo,
esfera nacarada dos olhares transviados, sumo a escorrer-te pelas maçãs
do rosto seráfico. Na barragem que conduzia as águas ao pomar, muitas
levadas transcreviam a erosão do solo argiloso da tua morada. Depois,
regavas abundantemente a figueira dócil e majestosa, qual Imperatriz
Japonesa. Nos origamis da tua vida, há pedaços de avião espalhados
na cinza dos dias inquietos, metamorfoses e borboletas a pairar sobre
o barrocal olorante. Nesta dor de vertigem em que te vi, cruzei as
maleitas em sinapses inigualáveis, despertares sensuais em planícies
sem fim e um turbilhão vindo dessa levada de amor e fúria, redemoinho
incessante nos corpos frágeis dos arbustos sazonais em demanda
universal. As catarses nas cascatas do inferno são morticínios em surdina
no amplexo circunstancial das horas do porvir em borbulhares sem fim.
Por fim, a dor oxigenada nas cefaleias dos invisíveis prazeres circulares.