31 de maio de 2010

Geografias da Memória

Na latitude do desejo, o cabo do mundo. No medo das falésias por desbravar, o precipício
inodoro e cru. Na apneia dos mergulhos inquietos, socorres-te das braçadas no infinito.
Um ror de gente no lido de Faro! E um farol no tômbolo de Peniche. Dizem que é Ria, mas
eu aprendi que havia uma laguna em Aveiro. Não se ria menina, da minha inquietação pelo
desconhecido. Voltando à Formosa, essa toalha espraiada no Sotavento, descubro búzios de
ecos longínquos. Podem ter vindo de Cós, como a Sophia os trouxe sempre até nós, dessa
ancestral e luminosa Grécia solar. Retomo a bússula da imaginação, calcorreando agora as
serranias mais inusitadas. Espinhaço de Cão é um bonito nome para segredar ao ouvido o
meu amor por ti, paisagem agreste e ventosa da dúvida. No Caldeirão, agarro-me a um
sobreiro prenhe de cortiça, pronta a desbastar ao fim destes 9 anos de gravidez.

Gostava tanto das viagens ao som da mais leve maresia, na fímbria do mar mais delicada.
Por ora, a salsugem turge-me os sentidos, inflama os meus olhos marejados de paixão.
A crepitar nas nuvens, as aves circundam-me num perfeito planar de observação aos
meus denodados passos. Depois de tanto cirandar, descanso junto àquele algar secreto.
É nessa gruta que me volto a socorrer, abismado do mundo e dos seres perfeitos que
deambulam à minha volta. Volto a ser como Sebastião da Gama, aprisionado no seu
eremitério nas faldas da Serra da Arrábida. Mas eu sou apenas um pobre infeliz que
perambula nas matas da utopia. Deito fogo ao deserto do meu ser e extingo-me num
ápice, cinza mineral para alimentar a terra forte e perene, musa inspiradora e letal.

12 de maio de 2010

Onde Está o Meu Amor?

Estou prestes a chegar. Quero correr vagarosamente no mundo do amor, mas
a minha passada é ínvia e desordenada. Sucumbo, estatelo-me ao comprido e
volto a soerguer-me com o mesmo sorriso idiota. Sou do tempo verbal romântico
mais-que-imperfeito, com acções irregulares, jogadas mal treinadas e pouca
preparação física para os prolongamentos da vida em equipa. No entanto, ainda
acredito, limpo as mãos sujas às calças e arrisco um sprint final com a ideia de
te alcançar. E quando julgo ser possível tocar-te, eis senão quando o apito final
soa. Caio redondo no chão, esbaforido em dor e solidão. O coração não aguenta
mais. É muito bater em vão por um objectivo tão difícil. Ainda tento reclamar
por um tempo extra que me salve, mas nada mais sobra que um cartão vermelho
de expulsão do terreno das utopias. É chegada a hora! Morro sem ter conhecido
o ser mais perfeito e o único objectivo porque sempre lutei: a vitória dos sentidos!

1 de maio de 2010

A Missiva do Tempo

É manhã. Na cidade dos silêncios e esperas, a carta.
Abri-a devagar, sem pressas. Um perfumado cheiro
a rosmaninho. O teu corpo em deriva mental. Procuro
na confusão das ideias que me expressas, um sinal.
Apenas um rasto de sangue na memória. Vidas passadas
no desalinho da escrita. Há greves e operários, há lutas
no denodo de uma longa espera. O fumo, os corpos marcados
pela exaustão e a perseguição sempre presente. Há que
correr pela berma da estrada e fugir nas raias da oportunidade.

Foi há 36 anos. Sumiste-te daqui. Fizeste a escolha acertada.
E eu fiquei só, nas noites ruidosas da dúvida. Mandaste-me a
missiva dos amores desfeitos. O tempo muda e o delírio do
metrónomo é meu confidente sagaz. Reli hoje, a missiva que
me corroeu os dias na ampulheta dos sonhos. Numa tarde de
espectros, percorri as ruas deambulando nas bebedeiras
vermelhas dos outros. No meu desamparo, a aldeia, em que
fiz a redenção e a cura. Por ora, tudo está claro, nesta noite
íntima, ao sabor das estrelas mergulhadas no luar perene.