23 de janeiro de 2010

Das Imagens e seus Corpos Diletantes

Os corpos jazem abandonados, no meio das ruas. Sacodes a esperança no cheiro nauseabundo.
Depois da modorra de mais um dia cinzento, entras-me pela casa, completamente embriagada.

Fazes de conta que me amas, bates no meu peito e choras abundantemente. Que a culpa é
toda minha. Cirandas pela casa, enquanto o pó e a sede se misturam em feixes de luz bem
claros e corriqueiros. Nada mais interessava para ti, querias mais um copo e agredir-me
verbalmente. Era a tua luta, um pouco de atenção da minha parte, um pouco de sexo, de
paixão, de vitalidade! Estava perdido no oceano de emoções. Queria beijar-te e abraçar-te,
mas o desespero não me deixava. Estava asténico, depressivo, triste. Apesar de tudo, com
essa raiva contra mim e o mundo, tu eras a energia vital, a jovialidade, o olhar penetrante.

Finalmente tenho coragem para dizer-te:amo-te!Com todo o meu corpo, todos os meus nervos,
toda a sedução e respeito. Adoro a tua inteligência, o teu olhar, o teu sangue na guelra. Quero
fumar contigo, beber contigo, chorar contigo! Quero penetrar-te suavemente em doses bem
regulares. Um afago na tua nuca, nas ancas e beijo-te até à eternidade. Depois dos suores,
dos abraços, da exaustão no centro da sala, uma imagem incógnita, escombros de uma vida
que existiu. Um clarão demorado, estático, corpos presos ao chão.Éramos nós, as nossas vidas!

Jazemos abandonados no meio da sala. Agitamos a paixão nestas noites sem perfume e náusea.
O sol espraia-se nesta alvorada de sonho. Sais de casa e dizes: - até breve, meu sonho louco!

18 de janeiro de 2010

Speed Invulgar

Tem de estar no teu corpo. A nódoa.
Num frémito breve e intenso, o meu olhar, carcomido de desejo.
Um suor insuportável de te agarrar no ar e dilacerar-te a boca insone.
Perco-me nas tuas entranhas e os teus sapatos tresandam a verniz alucinado.
No chão dos afectos há um tapete que voa pela estrada fora.
Parto um copo e lambo o chão com demasiada insistência.
Sou o teu alarve cão de tendências masoquistas.
Espreito pelo buraco da fechadura e lá estás tu, recitando em voz alta Rimbaud e os seus desconsolados amores.

Fecho-me numa casa de banho qualquer, afogo-me no mar de magnólias do teu rosto e perscruto em silêncio, as tuas palavras em surdina:
- Dá-me um halo de sangue e dor. Frenesi animal nas lágrimas amargas do teu beijo.
Serpente venenosa do mundo. Endiabrada espécie de proto-poeta voraz.
Sacode-me no meu leito os cabelos de ouro e espuma, dá-me um abraço apertado e respira a simbiose da vertigem.
Demasiado cedo fiquei confinado à tua teia penetrante e delicodoce.
Só me restava aguardar, sorrindo, o teu golpe fatal.

12 de janeiro de 2010

Suave Acorde na Melodia dos Corpos

Um tapete no areal do amor. Cantaste uma melodia breve, mas afinada.
Sem playback nem coro de fundo, sorriste depois da última nota. Em Dó.

Nas paredes rugosas do quarto, a sevícia. Dançaste na mais hedionda
canção, sem vestígios de roupa. Vestiste-te à pressa na última fala. Em Si.

Na sala dos espelhos, um último esgar de fumo. Descansaste na intensidade
do Sol. A nicotina presa ao teu cabelo. O teu corpo colado ao prazer. Em Mi.

7 de janeiro de 2010

Fuligem da Arte

Mestre.
No aqueduto dos teus braços, há arcos longilíneos que trespassam a monotonia dos beijos.

Parcas são as vezes em que as trepadeiras surpreendem a visita dos lúgubres silêncios.
Por um instante, socorrer-me da filosofia e dos homens na demanda do processo de maturação.
Fruta podre da néscia viuvez em que te fechaste, limbo desabrigado e suão dos desejos.
Na burqa em que te emaranhas, há fios soltos de seda nas pernas nuas e sangrentas.
Foste apedrejada na calçada dos espíritos inquietos, boca exangue e face tapada ao mal.
Discípula.
Na tacanhez dos ditadores encontras a sageza inominável para o ensino do carácter.


Ensaio.
No livro de cabeceira, a arte do tiro com arco, a preciosa serenidade dos haikus.
Desenhaste um esquisso para ser cozido em forno de raku. Não desejas mais nada
que a fuligem da arte, obra-prima emancipada e brilhante dos óxidos. Na sal-gema
da virtude, há franquias por acertar, musa em férias nas salinas da alvorada silente.
Moldas a tua personalidade nas auroras boreais do oriente. Vida pejada a cores no
lume brando da saudade. Persignar-me sem pressas na dúvida metassemiótica,
corar de inveja perante os buracos negros da infantil memória dos humanos.
Treino.
Quero uma peste sem mácula na derradeira fogueira das vaidades do mundo!

5 de janeiro de 2010

Gugu Dada

A latejar, a mente. Em círculos concêntricos do desalinho.
Um cão a farejar a occipital memória dos mortos. In nomine
canis, a sugar um osso nauseabundo nas falésias da vida.

O ocaso, sereno. Plenitude das saudações opíparas e um Dada
por aparecer. Sem mácula nas vestes orientais do sânscrito
por efeminar. Nada disto é possível sem pastilhas para a tosse.

Agora a bala, um rebuçado enorme no céu da boca. Do mel à
sidra, muito bom gosto passou por debaixo da ponte de prata.
E hoje, uma língua áspera nos fonemas da dúvida metódica.

Persigno-me perante a causalidade do teu ventre, gasolina
sem chumbo na turbina dos nenúfares concretos. Ponho duas
dúzias de mercúrio nos ovos cozidos do Renascimento.

Burel enfeitiçado e absorto nas congeminações práticas da terra.
Só a sacha permite quebrar crânios nas leiras do desejo húmido.
Os líquenes mais perenes são de um verde inatingível, húmus
bolorento e ensimesmado na floresta de coníferas. Destino da
raça, um sanguinolento abeto afaga-me a sede de mal.

Perdido nas hóstias do inferno, o caudilho, sereno doce feito
lume nas margens caudalosas do volfrâmio. Muna, terra
farta e enevoada de minério, sangue e madressilvas aos pés.
Está na hora de socorrer-me dos mapas rasurados e inquietos.
Só a notação do silêncio pode fartar a sombra dos guerreiros.

4 de janeiro de 2010

Um homem 100 qualidades

Diotima, cárcere nebulosa e fria. Nas ameias do inferno, hibernastes.
Carácter plenipotenciário da noite que és, fístula abrigada da dúvida,
um sorvedouro de tensões e memória imaterial dos mortos.

Levádia, orionte factual e oxímoro da vida. Mordaça infecta e lacustre.
Enxofre balsâmico e termal. Na romana Flaviae, discutimos as ágoas
internacionais que sobrevoam o mundo da abnegação.

Foi na tua rua, Sofia, que te encontrei. Coimbra de teu nome, desviei
as hostes para o pátio. Dos condenados não reza a crónica, apenas que
se chama da Inquisição. Na cerca exterior, palácios-fronteira fazem jus
à deusa Talma. Iconografias do saber demiúrgico, breve assintonia nas
dramaturgias da paixão. Desço as escadas e procuro a frente de casa.
Não quero mais bilhetes gratuitos nas casas onde a farsa é maior que a vida!