25 de abril de 2009

Intelectual Revolta

No vasto espaço, entre Rilke e Rimbaud, ainda há uma cauda a soltar
velhas notas num piano. Num selvagem e distante trompetear das águas
encontram-se os cravos pisados pela multidão. Não há rumor mais claro
que o aroma do deserto. O clarim e o tambor soam numa música de Zeca,
entre soures frios e uma guitarra doente nas mãos de uma criança. Peças
artilhadas no rubor imaculado de outras eras, chaimites e traçados, novas
formas de comunicar na espera dos homens. E há sempre uma última e
tenaz vontade no destino da terra, sangue e revolução, musas e trabalho
braçal, hediondas horas de desvario, cantar sem rede nem pincéis, farsa
aguda, memória colectiva na aguarela da multidão. Esculpes o amor numa
cabana do cais palafítico da Carrasqueira. Ali, em Grândola, vila morena
de tanto corar e chorar pela veia destroçada do pescador de outrora. Penso
que a modorra do presente tem de ser agitada na nau das palavras com
emoção e peso, rasgar a terra e semear letras, palavras, alfabetos apetecíveis.
Saciar a fome desta espera, alimentar o espírito crítico, a atenção desmesurada,
a singularidade da mente, sem ódio crescente nem lua em fase decrescente.
Perdoem-me a sapiência deste lugar, rua riscada no traçado de uma nova via
do progresso, casas atafulhadas e bolorentas, a cair de podre neste desalinho
urbano, nesta selva dos seres humanos. Não há uma hipótese de mudar?
Não podemos trocar olhares e ideias? Que fazemos todos nas liliputeanas casas
da concórdia e da inacção? Rua com a gente, rua com os animais, rua com os ideais.
Saiamos à rua, de mão aberta para o próximo, para o distante. De boca aberta
para a partilha, para a emoção, para a inteligência dos sentidos. Estou farto desta
morrinha, desta modorra que me sacode a fome de uma ausência. Ah, palavras
a pregar no deserto, nunca é fácil a filosofia existencialista. Só um trovão na
tua boca de silêncios sem fim, amargura e depósito implacável do mundo.
E no imo do teu corpo, esfera plácida de um mundo rural que quase já não existe?
Esse quase deserto de figuras tem de ser compensado com o calor de um carinho,
mãos dadas à solidariedade dos homens, troca de presentes e de futuros. É longa
a caminhada para a paixão criativa dos lugares e da semente que há-de plantar
a fértil e doce alvura dos dias na inquietação crescente e pereníssima dos abraços.

22 de abril de 2009

Massa Oculta

Numa redoma sem fim encontro-me. Sou mais hábil nos protestos que na construção
de um dia perfeito. De resto, tudo é vidro que me circunda. Estou isolado nesta rude
metáfora que me condena. Queria circular nos teus braços e dizer o quanto és viva,
inteligente e amável. Que o teu sorriso confidencia-me dias de paixão intensos,
energia a rodos por esse Alentejo fora. Em Évora descobri os teus caminhos, ruelas
estreitas, vias desbragadas do amor. Vias da maturidade, das pedras na calçada, de
uma fenomenologia por inventar. Descobrir-te Rainha e Mulher ao mesmo tempo!

Mudar de vida (já dizia o Carlos Paredes) é trocar afectos, escrever novas moradas
da descoberta e da inquetação. Rasurar o passado nem sempre é fácil, mais simples
é radicar nesta morada em que me encontro, longe de tudo e de todos. Mas tu, amor
que nunca partiste, és o silêncio mais reconfortante que abracei, massa oculta num
frémito de alegria, paz e saudade. A tua sagacidade prova-se a cada dia que passa,
nos telúricos caminhos da tua personalidade. Sem máscaras nem rodeios, és uma
andorinha que voa sob o meu céu cinzento e febril. Estou prestes a rebentar com
este tempo embrulhado em que me encontro, partir os vidros do desejo e correr
sem olhar para trás rumo à estrela maior, coração doce no teu carinho sem fim.

21 de abril de 2009

Apenas Tiago

Não há palavras para o nascer de um dia. Num cinzelado ser que agora nasce,
há a paixão pelos dias inquietos. Tiago de seu nome, numa profusão de azeites
no seu corpo, a chama viva de um recomeço. Nas mãos quentes da mãe, sente
a protecção insuspeita de uma boca por alimentar. Do pai não se espera mais
que o afago ténue e macilento, para não impedir o sono dos justos e a mama
de prazer e alimento. Por ora, resta deixar correr os dias do futuro em sonhos
sem fim. Do céu nasceu uma estrela, na terra há olhos brilhantes de felicidade.

17 de abril de 2009

Rir a Chorar

Um homem que chora perde sempre!
Perde sempre alguém por não ter
secado as lágrimas com veemência

Na única vez que te falei do delírio do mar,
riste de mim por não merecer a chuva ácida
dos corpos deambulando na surdina do amor

Crepitam as palavras salobras a vogarem
na tépida inconsequência das partidas

Nunca venci o teu aparato de sapiência
nos ardis das funestas vagas da memória

Só cacos na extrusão dos corpos e dos dias
em que nos amávamos com fervor e riso!

13 de abril de 2009

Um Campo no Maior e Oloroso Delta da Vida

Há um odor que emana das nuvens frescas em Campo Maior. Ferve-se a
alegria em pequenas doses e mistura-se o compasso dos dias naquele café
que é um triângulo sagrado na boca de uma população inteira. Descobrir
nas ruelas o casario dos que habitam o aroma das nuvens em tribos nómadas
por descobrir. Em todo o derredor, há imagens que fervilham no viandante.
Uma colina na raia, onde há um outro país à mão de se amar, de semear o
grão mais tórrido na cafeína da nossa existência. Da tua e da minha. De um
par em lenta habituação na habitação clara e caiada de sorrisos. Na pele em
que só emana a emulsão vital para a felicidade: amor bebido de um só trago.

Trago na face a memória das poesias e dos amantes, bocas dilaceradas em
devaneios sem fim. Uma guitarra ao vento é sempre aroma Andaluz de Lorca.
Também são os teus cabelos de ébano nesse vento suão e com aroma delicodoce.
Finalmente nomeio-te Deusa Grega: Delta és, terreno fértil nas margens do rio,
fumo e olor, agitação e labor. De ti emerge uma cidade sem dias cinzentos, o ensejo
de dias de ouro e planície sem fim. Na avenida da vitória, surgem ainda olhares que
brilham em seres que fazem parte da esfera das noites inquietas. São vislumbres do
sonho em portas abertas de novas oportunidades, entre a sombra e as nuvens aromáticas.