25 de novembro de 2008

Química Orgânica

Bel-Canto da memória! Peróxidos na nuca de um desvelado corpo.
Na química da vida, sou um soluto de difícil solução. Tinta fresca na
face de uma deusa enviesada, alcatrão na neblina da tarde. Já é tempo
da poda das ramagens inquietas. Cai-me o braço de uma folha perene
em teu seio pontiagudo. Que opípara vegetação se enleva em meu redor!
Deixo de ver as circunstâncias da morte e encaro a tormenta com um
Cândido esgar. Na peregrinação dos afectos, palmilho as costas da tua Índia
ainda inexplorada. No nomadismo do teu ventre, espalho as cinzas de um
passado heróico que aportou de espanto na cidadela. No caótico perambular
dos loucos confrades, petisca-se um efémero silêncio nas tascas da imaginação.
Depois de regados com alvíssaras em vertigens do verde, aplaca-se a sensaboria
dos informes caudais de gente. Desmiolados seres que não gostam dos abraços!
Na espera em que me encontro, preciso de ti, solvente primordial e afável da maresia.

19 de novembro de 2008

28

Preciso de palavras para matar a fome. Morre-me na língua a esperança do passado. Socorro-me das memória para alimentar bocas sem futuro. Cai-me uma sílaba ensanguentada aos pés. Sem saúde, percorro os inúmeros becos de Lisboa, deambulando pelas calçadas, entre a Graça e o Desterro. O meu sonho seria alcançar a Glória sem elevadores como muletas para o meu andar de pássaro livre. Agora que deslizo por Alfama, retenho uma voz que me lembra de São Vicente como padroeiro da cidade de Ulisses. Olissipónia, assim me encontraste numa deriva Ocidental, sem abraços, sem filhos, sem rugas. Era o teu dilecto amante, entre colinas e edifícios calcários. Na minha diletante busca, emocionei-me com a arte suprema do passeio pedestre. Depois do cansaço, sorvi com prazer o descanso num elétrico chamado Prazeres. Vinte e oito paragens de extasiar, vinte e oito minutos em surdina, vinte e oito hipóteses de dizer o quanto eu preciso de ti para alimentar-me de vida!

17 de novembro de 2008

Pueril Escrita

O frio faz-me enlouquecer aos poucos a mordomia do silêncio.
Acudo aos mártires da sombra o lúgubre local da descoberta dos sentidos.
São rumores de uma nova etapa de abraços. Nada fica ao acaso na senda dos
esteiros e canaviais do Ribatejo. Apenas restos de uma cidade benfazeja, um
indício de volubilidade da esperança. Mas há que conter os infernos no céu
da amargura. São canalículos cheios de ostras e a passagem estreita do navio
ancorado é apenas o sinal evidente do teu braço fraco e curto. Por agora, foco-me
nas salinas do teu anasalado cais. Há turbulência no afago mais simples. Como
sobreviver à exigência dos sinais? Marca-me apenas na pele um risco indelével
e substancial. No cotovelo da saudade, há mais mundos na aragem doce de uma
areia mais que branca e fina no teu rosto. Queria precipitar a voragem e excisão
da mente, mas apenas condensei um azimute demasiado frio e plúmbeo. Que
cidade quererá a expulsão da arte? Em esferas ancestrais, havia rabiscos nas
pedras mais iluminadas. Na selva das cidades com rios, há blocos de gelo em
demasiada combustão. Derretem-se as linhas de um texto incendiário. Está perto
de culminar, a viagem demorada da camioneta do interior. Louvaminhações à
parte, socorro-me da bússula ensanguentada de memórias. Faço do êxodo urbano
a minha felicidade. Pratico a vadiagem dos saberes. Sou um nómada dos sentidos.
Procuro abraços nos montes onde não há vivalma. Sou um poeta da utopia.
Corro sem cansaço e sem meta à vista. Hei-de encontrar traços apagados, ruínas
e mortos onde me posso encontrar mais perto. De ti, da criança que sempre fui.

5 de novembro de 2008

Jogar à Sueca

Pernilla, da Suécia para o mundo exterior.
Um solavanco de neve no teu umbigo.
Partirei em breve para a solução aquosa
dos teus olhos. Por ora, deixo-me crepitar
no sal dos teus cabelos. Com castanhas
assadas no teu ventre sagrado em erupção.

Na loira ambiguidade do teu sexo, premeio-te,
Maria dos teatros deslumbrantes com a mais
solene taça de feitos e vitórias. Sem defeito
de fabrico és tu, pernalta do saber e da evasão.
Quero uma jeropiga na tua boca, adensada pelos
lábios leporinos de um animal em êxtase.