28 de outubro de 2008

Bela Alegria

Mostra-me pela última vez o teu olhar!
-Tens uma neblina na carne, disse-te na véspera dos silêncios interditos.

O osso que contempla a permanência dos esgotos é uma fronte nauseabunda
de saudade, sexo e bonomia selvagem. As tripas da memória esfumaram-se
no caldo da vida, regadas com verdes andanças nos pátios em socalcos dispostos.

Quero uma fábrica no teu nariz de desejo!
Hoje sou rei e senhor dos teus pensamentos.
Só te resta esperar pela amnésia dos sentidos.
Embarcas na metalurgia dos sonhos inquietos.

A pátria enxuta de palavras omniscientes está à espera do regresso à margem da alegria.
Resta-nos um Belo poeta num país onde não acontece nada! Agora, perfuro a solidão em
esperanças de curvas apertadas na via infinita do teu olhar sufragado de melancolia.

23 de outubro de 2008

Outono do Amor

Eis pois a hora do adeus. É triste o fim do Verão.
Despede-se sem prazer, porque ele sabe que será
sempre o rei das festas. E vem o Outono tamborilar
as nossas faces que se enrugam e os cabelos agitados
ao frondoso mar revolto. Depois, é a sina! Ler nas mãos
dos homens e olhar na névoa o burburinho dos dias.
Já cheira a castanha assada e sabe a doce aquela batata
que se assa na lareira da intimidade. As folhas são de uma
policromia variada e atraente. Seduzo-me pelos matizes
em que me encontras: pálpebras desvairadas no cotão
dos abraços, longas pestanas lacrimejantes de tanto sonhar.
Digo adeus à hora em que te vi. É diáfano o Outono do amor!

17 de outubro de 2008

Trilhos Inquietos

Alimento a carne nos vendavais
a hulha apodrecida de um passado
invento a marioneta do desejo e
antecipo a morte da saudade.

Fingimentos bacocos numa erosão
ácida de prantos e obséquios inodoros

Tépidas frontes num nauseabundo saber ancestral


Mordomias e cuidados. A exegese do lamento
é um ditirâmbico conto de alvíssaras hedonistas.
Confusa? Só a memória não se inventa, perene no
sentido, ela agrilhoa-nos ao sentimento profundo.

Nesta récita curta, convém lembrar as dificuldades
do caminho, da escrita sinuosa e rendilhada, no posfácio
de imagens por acontecer. Entre versos estranhos e
ambivalentes, há mudanças radicais de estilo. Sou a
formatação do pensamento, numa liberdade abissal.

Por agora fica o vaga-lume no deserto, um ocaso excepcional e uma gruta bem húmida.

O resto são os navios aportados no cais dos regressos,
as marés com suas ondas acres e a imberbe estação dos oceanos.
Nos moinhos em que te encontro, há mais rugosidades na vela
que procuras, que nos faróis no meio da bruma dos sentidos.

Aquela luz que desperta o viandante é um sinal de fogo na paisagem,
soltam-se gotas de chuva no caminho e na bifurcação da tua vida,
decides soltar desse capote a água acumulada do silêncio. Nada mais
resta que a solenidade de despir a roupa e entregar-me ao mar.

8 de outubro de 2008

Um a deus português!

Mastigar as palavras sorrateiramente
Esconder-se do bulício das horas indesejadas

Partir os dentes numa faca sem gume
Sorver a lassidão dos cumes na tarde fria

Deglutir sem nome o passado cinzento
Colocar a pedra no asfalto da estupidez

No horizonte pejado de silêncio
há afazeres que nos estiolam a vida

Socorro-me dessa massa informe de alimento
que o espírito recorre na sageza da dúvida

Encontro no presente memórias e rugas
de um passado deveras emoldurado

O futuro ao adeus pertence, já que a aspereza
das palavras só sobrevive na tormenta pueril.