30 de janeiro de 2008

Sopa de Letras

Esfera imortal do poente.
Sagrada fonte de inspiração.
Rios e cacos, pedras moles da ausência.
Melhoro as vias da comunicação.

No deambular dos ouvintes
há uma rádio solitária. Zimbros
arrastam multidões de pássaros.
E o ocaso uma similitude de gestos.

Agora, há paixões efémeras e teatros
que não findam. Lotação esgotada de
deslumbramento "no coração".
Música, querem dar-nos eles!

E depois do adeus? Há revoluções
para dar e vender aos desabrigados
do amor? Ou Carnavais de ilusão
em postais e ecráns coloridos?

Falta-me uma falésia para vencer.
Há margens eloquentes das prisões
da alma. Quero que te percas nas
rotas do interior. Descentralizar o amor.

Enquanto a sorte dura, há chapa para bater.
Depois, apenas cacos ao domicílio. Vender fruta
ao desbarato nas ruas desalinhadas. Um filme
surrealista na praça do Escanção. Desertos
em vinha de alhos e um avião a aterrar já+.

Jamais te explico o significado dos versos,
das palavras em ambulatório, das terríveis
doenças de que padecem. São genéticas
patologias de irreversível diagnóstico.
Prosto-as numa canja quente para se curarem.

21 de janeiro de 2008

No Breve Espaço das Palavras

Um pouco mais de cinza no teu braço. Suor que esconde o abismo.
Mentecaptos na surdina do tempo - embriagar de almas ao desafio -
e uma rarefação eficaz nos meandros da chuva. Pautas e corrupios,
um forno que te consome a orla do sonho. Cresces na seiva abrupta
do teu sexo dourado, negócio impróprio para carnívoros. A melopeia
é eternal, cravos a soarem a báquicas contemplações, semifusas de
pétalas ao desvario. Percorro a mina de carvão na lousa breve do
teu corpo solitário. Em nenhum lugar te encontro para a exegese
dos sentidos transviados. Vita Brevis, solução aquosa da memória,
um conto histriónico e feudal. Comédia à (p)arte, percorro a sisuda
montanha envoltória das vozes por carpir. Nesta esfera vítrea, há
portagens sem freio nem rumor de vozes ao desafio. Desfio a espinha
dorsal do pensamento num fino e leve filete de azimutes variáveis.

Após a modorra dos dias empoeirados, há restos,
cotovias no ar das prisões efémeras da memória.

11 de janeiro de 2008

Diário das Descompensadas

Movimento circular. Abundante gordura no teu abdómen. Passas de soslaio por mim.
Perguntas pelo nome das ruas. Não te respondo. Consumo-me na leitura dos diários.
Amanhã é outra noite, fazes de palco sem projectores. Derramas o sentido insosso no
breviário da minha ausência. Escarras a mordomia do nojo nos patíbulos da arrogância.

Prestas-te a um serviço inócuo e fúnebre. Lassidão entre os papéis e uma agonia de
sétimo dia. Na dor do cadafalso em que te obrigas, há chuva nas tuas têmporas e um
agitar de braços lá ao longe. Preferes a ondulação permanente da tua camisa de seda.
Lá te enclausuras na finura de um pátio alfacinha ou na rudeza de umas "ilhas" portuenses.

Publicaste no teu diário a importância das drogarias e mercearias que querem fechar.
"É importante que a madeira vingue sobre o plástico dos dias de hoje!", dizias com fervor.

Aquele cheiro a tintas, a vernizes, a sabão e ferro são dignos da sobrevivência, mais: da
Supervivência! E olhar para aquelas prateleiras com arroz, farinha 33, pasta medicinal Couto,
gelatinas Royal, que vivências, que memórias de infância! Hoje, só infâmia, horror de não ver,
pedir para não destruírem o passado, os edifícios, as praças, os rostos sibilinos, a inocência.

Fechas o teu diário, alimentado a sonhos e evasões da memória e escapas um bocejo final:
"Está na hora da vingança suprema: quero uma torrada em azeite e um leite com Vigormalte!"

7 de janeiro de 2008

Luíz Pacheco (1925-2008)

Um dos escritores que mais admiro, pela sua acutilância, pelo seu lado marginal e libertino, criador do neo-abjeccionismo e editor de grande qualidade, criou a Contraponto. vivia num lar do Montijo, depois de ter estado noutros lares, em Setúbal e em Lisboa. Esquecido da maior parte dos amigos que ajudou e editou, mas também da imprensa, da cultura dominante, dos poderes e da política cultural. Um nome a recordar, a ler e reler, a transpôr para as ruas, os palcos, os bares, as tertúlias. Obrigado Luíz!
Nascido em Lisboa a 7 de Maio de 1925, Luiz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco desde cedo manifestou talento para a escrita, tendo frequentado o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, mas acabou por desistir devido a dificuldades financeiras.Em 1946 foi admitido como agente fiscal da Inspecção de Espectáculos, de onde um dia se demitiu dizendo que estava farto do emprego. Luiz Pacheco publicou dezenas de artigos em vários jornais e revistas, incluindo o antigo Diário Popular e a Seara Nova, e acabou por fundar a editora Contraponto em 1950, onde publicou obras de escritores como Raul Leal, Mário Cesariny, Natália Correia, António Maria Lisboa, Herberto Hélder e Vergílio Ferreira. Dedicou-se também à crítica literária e cultural, ganhando fama como crítico irreverente, que denunciava a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime do Estado Novo. Com uma vida atribulada, por vezes sem meios de subsistência para sustentar a família, Luiz Pacheco chegou a viver situações de miséria que ia ultrapassando à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. Foi nesse período difícil da sua vida que se terá inspirado para escrever o conto "Comunidade" (1964), que muitos consideram ser a obra-prima de Luiz Pacheco. A "Carta-Sincera a José Gomes Ferreira" (1958), "O Teodolito" (1962), "Crítica de Circunstância" (1966), "Textos Locais" (1967), Exercícios de Estilo (1971), Literatura Comestível (1972) e "Pacheco versus Cesariny (1974), são apenas algumas das muitas obras publicadas por Luiz Pacheco. Nos últimos anos Luiz Pacheco viveu num lar em Lisboa, de onde se tinha mudado há alguns meses para casa de um filho e, posteriormente, para um lar noMontijo. (Texto retirado da edição do Expresso on-line, 6 Jan. 2008)
Saiba mais sobre Luíz Pacheco em: http://luizpacheco.no.sapo.pt/default.htm

6 de janeiro de 2008

Obra Literária de Luíz Pacheco

"História antiga e conhecida" in Bloco (vários autores). Reeditado em "Crítica de circunstância" e em 2002 com o nome "Os doutores, a salvação e o menino Jesus" (1946)
"Caca, cuspo & Ramela" (1958?)(com Natália Correia e Manuel de Lima)
"Carta-Sincera a José Gomes Ferreira" (1958)
"O Teodolito" (1962)
"Surrealismo/Abjeccionismo" (antol.: Mário Cesariny, c/versão abreviada d'O Teodolito (1963) "Comunidade" (1964)
"Crítica de Circunstância" (1966)
"Textos Locais" (1967)
"O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor" (escrito em 1961, publicado em 1970; 1992)
"Exercícios de Estilo" (1971)
"Literatura Comestível" (1972)
"Pacheco versus Cesariny" (1974)
"Carta a Gonelha" (1977)
"Textos de Circunstância" (1977)
"Textos Malditos" (1977)
"Textos de Guerrilha 1" (1979)
"Textos de Guerrilha 2" (1981)
"Textos do Barro" (1984)
"O Caso das Criancinhas Desaparecidas" (1986)
"Textos Sadinos" (1991)
"O Uivo do Coiote" (1992)
"Carta a Fátima" (1992)
"Memorando, Mirabolando" (1995)
"Cartas na Mesa" (1996)
"Prazo de Validade" (1998)
"Isto de estar vivo" (2000)
"Uma Admirável Droga" (2001)
"Os doutores, a salvação e o menino Jesus" - Conto de Natal (2002)
"Mano Forte" (2002)
"Raio de Luar" (2003)
"Figuras, Figurantes e Figurões" (2004)
"Diário Remendado 1971-1975" (2005)
"Cartas ao Léu" (2005)

4 de janeiro de 2008

Ancorados Desejos

Desejo final: abraçar-te até à morte dos líquenes. A esfera do pranto deu-se no olival do teatro.
Um forte aroma a bando de pássaros e um céu cheio de nuvens brancas, deixando o sol ver-te
na imensidão do teu cabelo. No perfume das ervas aromáticas, há um recanto com o predilecto
cheiro, o da perpétua-das-areias. Com hifenização horizontal e sem tremas de discórdia.

Na fisionomia de um beijo há lençois de água que prepicitam a derrapagem do desejo,acidentes
na linha feérica dos amantes. Duas cidades que se tocam, entre prefixo e sufixo. Na carruagem
dos olhares,há sinais de fumo entre as chávenas de chá de jasmim.Depois um doce,mel de urze
num inverno delicado, vinte dedos de conversa com a maior loquacidade das nossas vivências.

Sageza de te encontrar, um hábito sem monge nem epístolas, cartas de marear no feno dos
lençóis, marulhar de hipóteses e hipotenusas. No escaleno da tua curvatura dócil, há poemas
endiabrados e uma geometria das fontes idílicas. Manancial de trovões, o vento que derruba
anos de construção num mistral mediterrânico. Maré alta em ondas cavadas de bruma.

Premissa inicial: Deixar-te ao nascer do sol. Num arrazoado de razões e magnólias, há frugais
partos sem dor nem deleite, memória branca das silvas em palácios abandonados. Cortar-te
as madeixas da tua infidelidade e na remanescente melena prender-te à âncora junto à praia.
No estertor da tua fealdade, depositar bagos de chuva e arrastar-te até à paixão mais próxima.