23 de novembro de 2007

Transparência

Respiro.
De um sussuro apenas cai-me a madrugada
Nas falésias do sonho equilibro o desejo
cometo perjúrio na fímbria do mar

Enredado na tenebrosa bruma,
há lodo, algas e um cais de corpos
Jazem abandonados barcos velhos,
carcomidos no luar insone

Cinzas.
Afagadas nos teus dedos de púrpura
são novelos que se enredam na
occipital memória da infância

Nos livros desconexos, há paisagens
gestos rumorejantes, sentidos despertos.
Inicias a viagem ao cadafalso das tensões,
ambíguas pétalas de vozes em demasia

Postigos.
Espaços minimais e com substância.
Vida íntima, lastro gomoso e sumarento
da paixão interior, refeição substancial

Nas janelas quadriculadas, tens um sorriso
nas tuas mãos, nós disformes e doentios,
a velhice a sugar-te a alma, o amor pingando
no mel mais doce e puro dos afectos

Praia.
Deambular na areia delicodoce do teu rosto
Marulhar nos teus olhos de cobre e fogo
Mergulhar infinitamente no teu desvario

22 de Novembro 1963, Dallas

Ariel Sharon Tate apoia a recriação de atentados (para fins lúdicos).


Ministry, Reload

Maria Pernilla é, provavelmente, o único blogue a evocar, no dia seguinte, o aniversário do assassinato de JFK.

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20 de novembro de 2007

Hopper dos 3 vinténs


Edward Hopper, morning sun


Um balcão de bar. Um homem, 30-40 anos ou mais ou menos por aí, toma uma bebida (demora-se, brinca com o copo, etc). Uma mulher maquilhada para encontrar homens. idade indefinida, o rosto maquilhado é máscara que lhe esconde a idade.
O empregado de bar limpa copos, serve bebidas, etc.


Homem – Tenho uma maleita. No rim. (fala pausadamente, o olhar quase sempre fixo no copo pousado no balcão) – Não quero ir ao médico, ele mandar-me-á verter as águas para um frasco e assim descobrirá o meu segredo. (Volta-se na direcção da mulher, mas não chega a olhá-la nos olhos). – É que eu descobri que a solução para o preço do “gazóile” está dentro de nós – a nossa urina é o mais poderoso combustível que jamais existiu.
A mulher revira os olhos.
Mulher - E como descobriste isso, ó Einstein de trazer por casa?
Homem – Por puro acaso. Por brincadeira, pensei: e se mijasse para o depósito de combustível do carro e aquilo funcionasse? (Pausa, revira o copo, bebe um golo) - É a revolução, o choque energético! (Ergue os braços, como se estivesse a colocar essa frase no ar.). – Caso não te tenhas dado conta, babe, há… 73% de probabilidades de estares a falar com o pai da Nova Ordem Energética Mundial.


A mulher já conhece demasiado bem os delírios dos bêbados com que se cruzou. Descruza as pernas, ajeita-se no banco do balcão e, acto contínuo, põe-se a olhar o empregado de balcão, como se tentasse imaginá-lo nu. Mas só consegue imaginá-lo da cintura para cima. Entretanto o homem parou de falar: fica parado, petrificado.
Empregado – Ainda bem para mim que ela não me consegue ver na totalidade: não gosto de aparecer em nu integral, ainda que na imaginação de outras pessoas.


Mulher – O discurso das personagens nunca pode ser interrompido. (Um movimento de cabeça indica que está a falar do homem sentado ao balcão) - Caso contrário, e se o actor for mau, as personagens ficam aprisionadas dentro do seu corpo. Ficam encarceradas como fantasmas, adormecidas no corpo dos actores e dizem as falas quando eles o esperam. Os actores deixam de poder controlá-las. (Pausa) Por isso, vou deixá-lo, para ver se se recorda do texto. (Pausa. Para o empregado) – Vou-me embora daqui. A que horas sais?
Empregado – Fecho o bar às cinco, e saio.
Mulher – A hora a que a cidade já dorme. Queres passar pelo meu apartamento? É aqui perto, na Baixa.
Empregado – E como te reconhecerei, e ao teu apartamento, no meio da multidão que dorme?
Mulher - (inclina-se para ele e sussurra) Durmo sempre com um olho aberto
Empregado- Ora aí está uma frase que só poderia brotar das melhores bocas.

17 de novembro de 2007

reflexão

Porque é que não nos deixam bater no fundo de uma vez por todas?

Na verdade, o melhor que podia acontecer a este Portugal desenrascado era bater fundo no fundo. Fecharem os museus por falta de pessoal, terminarem as subvenções para as artes performativas (e para as outras todas) em vez de uma distribuição de merceeiro, instalar-se de vez o Hermitage em tudo quanto é capelinha com mais de dois metros de altura, fecharem os teatros municipais deixando que a belíssima arquitectura que nos orgulha fosse consumida pela bicharada. E já agora comprar cimento barato para que as fendas aparecessem mais depressa. Deixar que o ensino artístico e o trabalho com as populações mais desfavorecidas fosse, finalmente, entregue aos salões paroquiais, para que uma nova geração de devotos pudesse construir novo tempo debruado a ouro e esmirna daqui a dez anos, quem sabe no mesmo local onde agora se fez o de Fátima. Permitir que Berardo vendesse os seus quadros entre três croquetes e duas acções do BPI. Não criar lei nenhuma para os profissionais do espectáculo e audiovisual, que os mandassem todos para a fila do centro de emprego que há por aí muita loja da TMN a pedir funcionários a part-time. Enfim… deixar a coisa bater no fundo, porque só a promoção contínua da desigualdade parece funcionar neste país ridículo e laxista.

A apresentação do Orçamento de Estado, feito à pressa, como conta o DN hoje, porque a sala precisava ser ocupada por outra coisa qualquer, não é mais do que exemplo do lugar que a cultura têm hoje: ornamental, de abrilhantamento, de passagem de tempo. Em entrevista recente à SIC, o ministro da Economia, em jeito de antecipação do programa paralelo à visita de Putin, dizia: "e depois há um momentozinho musical para os nossos convidados descontraírem".


Porque haveríamos de andar todos a discutir o papel do artista na sociedade se a sociedade parece não querer importar-se dois tostões com o artista? Esta coisa da arte mendigante é aflitiva, promove o desenrascanço, substitui-se à verdadeira reflexão, permite que a mediocridade reine. Do Ministério da Cultura à própria classe artística e ao público. A produção sistemática nem sempre traz bons resultados, antes mimetiza, distorce e ridiculariza o que de bom existe. Esta insistência na produção sem meios é fatal a um tecido que se quer exigente. Este laxismo, esta confiança de que as coisas um dia vão melhorar, esta esperança num vazio imenso é o que acaba por nos consumir. E se assim é, não vale a pena acabar-se com o Ministério da Cultura. Que se acabe com a cultura de vez. Afinal, está mais do que provado que ninguém percebeu que quando falamos de cultura falamos de identidade. Ora, um país sem alma nem espinha dorsal como o nosso, não precisa de identidade para nada. Canta um fado e segue em frente. Num autocarro a caminho da emigração. Foi sempre assim, vai ser sempre assim. Má sorte. Ou exactamente aquilo que fizemos por merecer.

Tiago Bartolomeu Costa, n`O Melhor Anjo

12 de novembro de 2007



Oasis, Live Forever, 1994

10 de novembro de 2007

ACTA - A Companhia de Teatro do Algarve

E chegamos finalmente ao Algarve, terra mais meridional de Portugal continental. Depois de termos começado em Viana do Castelo, com a Companhia de Teatro do Noroeste - Centro Dramático de Viana. Uma viagem pelo teatro profissional fora das duas maiores cidades do país (culturalmente falando) : Lisboa e Porto. E é em Faro que encontramos a ACTA - Companhia de teatro que representa por todo o Algarve e não só. Fundada por um grande actor e melhor ser humano, que tive a honra de conhecer. Falo de Luís Vicente (o Lucífer de Duarte & Companhia, algumas séries e novelas, um programa de humor (estilo apanhados) que se chamava "Taxi", na SIC). Desde 1995, que o trajecto tem sido de constante crescimento e amadurecimento de um projecto sólido e profissional para o Algarve, carente de eventos e estruturas, na altura. Mas sem esquecer José Louro, da Universidade do Algarve, bem como de elementos do Sin-Cera, grupo de teatro da mesma universidade. Só começam a funcionar como estrutura fazedora de teatro a partir de 1998, com apoios do Ministério da Cultura. O seu papel desde o início é a vertente pedagógica e educacional, que se reflecte não só nos espectáculos para a infância e escolas, mas também em acções de sensibilização e formação com adultos, professores, alunos. Apostam na dramaturgia portuguesa, nos textos clássicos universais, na qualidade. Aposta na itinerância pelos locais mais recônditos das serranias e do barrocal algarvios e também de todo o país e estrangeiro. Uma iniciativa muito curiosa que a ACTA criou foi o VATE - Vamos Apanhar o Teatro, criada em 2006, que é um autocarro preparado para acolher espectáculos para as crianças, um espaço intimista (autocarro de dois andares) onde há uma grande interacção entre os espectadores e as personagens. Uma ideia não original, mas de grande valor cultural, pois permite levar o espectáculo a qualquer local, desde que haja estrada! (O Teatro "O Bando" já fez, nos anos 70/80 espectáculos em autocarros, aliás, a sua sede e palco chegou a ser esse autocarro, pois não tinham locais adequados às suas pretensões). Com a capital da Cultura em Faro, a ACTA pôde desenvolver ainda mais o seu trabalho, fazendo mais espectáculos e estando envolvida na organização de festivais, workshops e outros eventos. Uma companhia que se está a solidificar e isso é muito importante, para uma região que só vivia do e para o turismo, até há bem pouco tempo! Site: http://www.actateatro.org.pt (na foto: Cartaz do Espectáculo "Calígula", com Luís Vicente)

7 de novembro de 2007

Suite Sweet

Ébano. Madeira envolvente de tez escura.
Pele rija, olhos flirtados. Ossos em desalinho.
Mãos como punhais no machado da discórdia.

Pestilência. Dor no peito, pulmões inchados.
Tenho um corcel para abater nas costas.
Medusas dilacerantes e abacates maduros.

Puta. Madre de Deus que te pariu no chão.
Tricotar dedadas no coração dos humanos.
Milagre e perícia de te ver abandonada.

Efebo. Rosto cilindrado por borbulhas de acne.
Prestação inócua dos abafados gritos de dor.
Memória a carvão no ignaro sorriso permanente.

5 de novembro de 2007

Baal 17 - Companhia de Teatro do Baixo Alentejo

Um pouco mais a sul do distrito de Beja, chegamos à linda vila de Serpa, onde encontramos mais um projecto profissional singular, a Companhia de Teatro na Educação do Baixo Alentejo - BAAL 17. São profissionais desde 2000, com o intuito de levar teatro às populações do interior e para as crianças, para as sensibilizar para as artes, mudar mentalidades, dar a conhecer novas formas dramáticas de se trabalhar. Fazem bastante itinerância, o que é outra mais-valia, sendo o Alentejo o seu terreno primordial (e tão grande e inexplorado que é o Alentejo). Fazem encontros, festivais (Mostra de Teatro no Outono e Festival Cultural Noites na Nora), oficinas de teatro, editam a Baalzine (uma revista de teatro com conteúdos interessantes e actuais) e têm uma ligação muito forte com a comunidade local. Uma companhia ainda só com sete anos, mas que vai crescer concerteza, pois há pesquisa e seriedade no trabalho, com gente nova e com vontade de evoluir. A ficarmos atentos ao colectivo BaAl 17! Site: http://www.baal17.com/
(Na foto: Castelo de Serpa como palco principal do Festival Noites na Nora 2007)

4 de novembro de 2007

Teatro do Mar - Sines

Fundado em 1986, por Julieta Santos e companhia, o Teatro do Mar, que começou naquela sala velha e pequena no centro histórico da cidade alentejana. O Teatro do Mar é uma Companhia de teatro físico, itinerante por excelência, vocacionada para jovens audiências. A Companhia afirma-se através de uma linguagem de carácter contemporâneo e multidisciplinar, utilizando outras artes como o novo circo, a dança, a música, as artes plásticas e as novas tecnologias, como contributo para uma significação comum e global. Com mais de 50 produções teatrais montadas, desde a sua fundação, tem-se feito representar por todo o país e marcado presença em inúmeros festivais. É uma companhia que faz um trabalho muito próximo do da performance, com uma linguagem poética e contemporânea. Numa cidade com um novo centro de artes, um festival das Músicas do Mundo que atrai muitas pessoas à cidade piscatória e turística, Sines torna-se assim mais visitada. Com tudo isto, junta-se o Teatro do Mar, que dá visibilidade ao teatro e à cidade, uma urbe virada para as artes, para os encontros, para a fruição cultural de qualidade. Site: http://www.teatrodomar.com/
(Na foto: espectáculo "A menina do mar", de Sophia de Mello Breyner Andresen)

2 de novembro de 2007

Defuntos Poemas

Simples. O medo. Nacarado de desejo.
Múmia petrificada no diadema do teu rosto.
Ossos e pétalas. Metal híbrido. Leve artefacto do olhar.

Problemas. A morte. Musicada de pranto.
Memória esfíngica do suave contorno da cintura.
Incenso e madeira. Fogo lento. Pútrida carne de solidão.

Decomposto. O corpo. Plantado na bruma.
Mártires enjaulados na gaiola do teu coração.
Árvores e frutos. Sucos agridoces. Raíz frugal de saudade.

Complexa. A vida. Estiolada de amor.
Massacres constantes na tragédia do teu sexo.
Ervas e pedras. Areias movediças. Pesada ocasião da morte.

1 de novembro de 2007

Teatro Arte Pública - Beja

Mais uma Companhia profissional de teatro, sedeada na cidade de Beja e dirigida desde a sua fundação em 1992, por Gisela Cañamero e José Barbieri. Desde 1998 que é apoiada pelo Ministério da Cultura. Faz um trabalho de pesquisa e experimentação, sempre com uma linguagem artística que vá ao encontro das pessoas, especialmente as dos meios rurais do Alentejo interior, sem no entanto, diminuir a qualidade e a inovação de propostas estéticas. Isso passa por espectáculos em que o corpo, a performance, a musicalidade, os objectos, o recurso ao áudio e vídeo são uma marca da companhia. Há um cuidado trabalho nas áreas da Luminotecnia e Sonoplastia, onde são ministrados cursos de formação de técnicos nestas áreas. Assim, temos espectáculos para a infância e juventude, que são bastante interactivos ("Camões é um poeta rap" é um bom exemplo) e em que a música está sempre presente. Depois, a cenografia, muitas vezes de José Barbieri, sempre rigorosa, pensada e eficaz. Beja bem merece uma companhia assim, com um lastro de contemporaneidade aliado à sabedoria das gentes locais, dos ritmos e das paisagens alentejanas. Não possuem um espaço próprio, pelo que recorrem ao Teatro Municipal PaxJúlia, à Biblioteca Municipal, ao Museu Regional de Beja e outros locais menos convencionais, o que tembém é uma mais-valia. A ver, sempre que andarem por aí em digressão, em festivais, a singularidade da Arte Pública!
Site: http://www.arte-publica.net/ (na foto: Cartaz do Espectáculo "Camões é um poeta rap")