27 de abril de 2007

Livro Incompleto -Tomo I

Incúria!
do animal parado que há em ti
A extorsão da memória
num futuro agitado

Prestas atenção ao discurso sonâmbulo
dos afectos quebrados na rotina dos dias

Oblivias a tua mente no sensual cheiro
do universo em fatias mistas de dor

Adular o petrificado
do passado pomposo
na tua escória dos
vagamente etéreos
e imberbes sonetos

Caiu-te a suprema malícia
da primavera dos troços
obtusas rotas do infinito

No dealbar da noite
a fineza do teu secreto adeus
Porta-estandarte da poeira
dos dias enviesados no mar

Fria, calcária mente insurrecta
águas paradas no frémito da luz
nacarada de desejo.
Arames farpados da ebrúnea noite
de nevoeiro intenso. Coloração
semiótica e metalinguística.

Jogos à parte, as favelas da vida
são fardos bem secos
na esteira do teu acamado
solilóquio trans-geracional.

Hifenizado para fazer sentido(s)
nos rumos contraproducentes
dos acordos do português gramatical

Libidinosa sílaba abrigada do vento
o odor do verso é pátria mãe
dos dias infindáveis

Desejo-te sorte
nas intermitências da vida
que o parágrafo nos dá!

Completo o exílio da forma
adianto a composição inusitada
de um texto hiperbólico
Supra-sumo da parábola
sem caroço nem casca
para mastigar.

O gomo
do teu andar é a fibra
que me impele a refazer,
a realizar o corte dogmático
com o presente.

Vilipendiado o olhar motriz
da tua candura, não há obra
que se escreva sem um nó
na garganta funda do meu
funesto sentimento.

Perdi-me na perífrase
da orla manchada de crime
o sexo macabro e infértil
da tua dança, as chamas
inquietas que libertam perfume
as cálidas manhãs de orvalho
na gelosia da mata breve
de escárnio e rasganço real.

Famigerado corpo dolente
e rebuscado de afecto
Edição revista e argumentada
com direito a posfácio
Na badana do teu firme rosto
o título a grosso, rasurado

Está a sair-me da boca
um murmúrio azul:
- "No prelo do teu demasiado amor".

25 de abril de 2007

Revolução Revisitada em Tondela

Salgueiro Maia, Caetano e Spínola "ressuscitados" em espectáculo

Salgueiro Maia, Marcelo Caetano e António de Spínola são "ressuscitados", terça-feira à noite, em Tondela, por alunos da escola profissional, para recriar a madrugada de 25 de Abril de 1974 num espectáculo de teatro de rua.
Apesar de não terem memórias presenciais do dia em que o Movimento das Forças Armadas (MFA) derrubou o regime de ditadura que vigorou 48 anos em Portugal, os alunos do curso de animador sócio-cultural/desporto da Escola Profissional de Tondela decidiram recriar os seus momentos mais marcantes, num espectáculo intitulado "Semente de Liberdade".
"Foram os alunos que propuseram fazer um espectáculo que recriasse quadros vividos no 25 de Abril, como a chegada de Salgueiro Maia a Lisboa, a rendição do Marcelo Caetano e o discurso da Junta de Salvação Nacional, pelo Spínola", contou à Agência Lusa João Carlos Figueiredo, director da Escola Profissional de Tondela.
À excepção de Marcelo Caetano e de António de Spínola - que serão interpretados por João Carlos Figueiredo e por outro elemento da direcção da escola - o restante elenco do espectáculo é constituído por alunos, cerca de 80 (dos 260 que frequentam a escola).
"Tiveram de arranjar uma maneira de prender o director", gracejou, contando que os alunos do curso de animador conseguiram envolver colegas de outros cursos, tendo mesmo colocado anúncios com a inscrição "Precisamos de actores e figurantes".
Um maior realismo do espectáculo foi conseguido com a ajuda do Regimento de Infantaria 14, unidade do Exército em Viseu, que emprestou uma chaimite - veículo blindado que já se encontra estacionado em frente ao quartel da GNR como "cartaz" de divulgação do espectáculo - um jipe e fardas.
"O Salgueiro Maia vai chegar de jipe", disse João Carlos Figueiredo, deixando assim antever alguns dos momentos do espectáculo de hora e meia, que se inicia com poesia de Ary dos Santos.
Depois, o coronel Manuel Costeira, capitão de Abril de Viseu, vai transmitir algumas curiosidades do que foi essa madrugada do 25 de Abril.
"Quando ele está a terminar a sua prelecção chega a tropa", acrescentou, referindo que caberá à jornalista Marta Catarina Rosa, da Emissora das Beiras, servir de narradora, enquanto "repórter que vai transmitindo ao público o que se está a passar".
João Carlos Figueiredo congratulou-se com esta iniciativa dos alunos e o seu esforço para "transmitirem ao público, grande parte do qual tem memórias e recordações desse dia, a sua versão" sobre o 25 de Abril.
"Estamos a falar de jovens que têm 18/20 anos, sem memória visual do que foi o 25 de Abril. Viram o filme "Capitães de Abril", de Maria de Medeiros, e o grande desafio deles é transmitir ao público o que entendem que foi o 25 de Abril", sublinhou.
Além do teatro e da poesia, o espectáculo contará também com a participação de dois fadistas, que vão cantar dois fados alusivos à data.
No final do espectáculo de teatro de rua, o público poderá prolongar a noite na Associação Cultural e Recreativa de Tondela (ACERT), num concerto comemorativo do 25 de Abril, intitulado "20 Canções para Zeca Afonso".
Segundo a ACERT, o concerto "propõe uma reflexão sobre a obra poética e musical desta figura ímpar da cultura portuguesa", reunindo "um naipe de músicos de eleições", onde se destacam o pianista João Paulo Esteves da Silva e o saxofonista Edgar Caramelo.

22 de abril de 2007

bono estente! Chanel 9 neus



Boutros Boutros-Ghali.

20 de abril de 2007

Gouveia Art Rock (2ª Edição)


Festival de Música Rock em Gouveia

este fim-de-semana

Se moras lá perto, aparece!
Rock progressivo.

Gouveia merece um bom ar (de Rock)!

18 de abril de 2007

Salazaga - parte cinco

Pois, quer grande confusão na cabeça do ditador – pensava Sérgio. Notava agora que o temperamento de Salazar oscilava entre a euforia, quando se falava das sensuais acompanhantes que pretendia contratar e a lucidez de quem regressara por motivos mais consensuais, digamos assim. (Seria Salazar bipolar?, perguntara-se). E, sem se dar conta, tratara-o de novo por Toni; ele não reagira, o que levara Sérgio a concluir que o velho ditador – se é que se pode chamar velho a um espírito – não se importara. Foi nesse momento que decidiu tentar tirar partido da situação. Afinal, Salazar visitara-o, interrompendo-lhe o sono. E decidiu que era chegada a altura de aquilatar da anuência do espírito para com uma ideia que lhe perpassou a mente:
- Lembrei-me de um pormenor... poderia haver um impedimento ao projecto de trazer as meninas de volta à escola. É que a escola… ainda tem alunos.
- Oh! – exclamou Salazar, batendo com a palma da mão esquerda no queixo. Começava a sentir o desânimo característico de quem vê o projecto de uma vida, ou de depois de uma vida, soçobrar. Sentiu-se subitamente impotente. – É coisa de que me não lembrei deveras! Então e agora? – indagou, alisando o cabelo com as mãos.
- Fácil, meu caro, muito fácil! – respondeu Sérgio Pinto, triunfante. (Pois o rapaz já merece um sobrenome) – Também pensei nisso! Basta que os alunos transitem para a escola da cidade, e resolve-se o problema. Compramos – Sérgio empregou deliberadamente o verbo no plural, e durante a brevíssima pausa que fez reparou a expressão de satisfação expectante de Salazar não se alterara, - compramos, dizia, o edifício, requalificamo-lo e só teremos de proceder aos castings. E terei todo o prazer em ajudá-lo!
- Bravo, meu rapaz! – Salazar, sorridente, dava-lhe palmadas no ombro.
- E até já sei de um nome para este projecto. E que tal… - pausa deliberada – “Novas Oportunidades – novas aprendizagens nos bancos da escola”! Sim, no fundo estaremos a conceder uma segunda oportunidade a estas senhoras, dotando-as de novas competências, de novos processos educativos, recorrendo amiúde a jogos lúdico-didácticos.
Salazar quase salivava ao ouvir Sérgio.
- Mas que grandes ideias estás a ter!
- Ah, sabe, tenho um curso de Marketing Revolucionário na Universidade Incoerente e um Mestrado em Didaxiologia Trans-freudiana obtido na Universidade Estupefaciente. – Sérgio não conseguiu disfarçar o orgulho que sentia ao revelar as suas qualificações académicas. Mas também não tentou fazê-lo.
- Estou assombrado! Maravilhado! – Salazar preparava-se para acrescentar “e embasbacado”, mas não o fez. Afinal tal afirmação não estava em consonância com a sua posição na hierarquia nacional de há poucas décadas atrás.
- E é importante que este estabelecimento tenha…
- Já sei, livro de reclamações, não é? Pfffff, ora bolas! – o ditador mostrava-se visivelmente desagradado com a ideia.
Por um momento, Sérgio olhou em volta, receando que alguma cadeira se partisse. Por isso, logo respondeu:
- Não! – e de súbito encontrava-se num ponto bastante próximo da excitação. – Refiro-me ao serviço educativo! É importante que esta instituição tenha serviço educativo, de preferência com umas técnicas que saibam expressar-se muito bem oralmente e com uma postura corporal adequada. Podemos dar formação nesses campos, se nos aprouver. – Sérgio sentia que a confiança de Salazar estava definitivamente conquistada e que este estaria prestes a convidá-lo para exercer um qualquer cargo de monta. Salazar estava extasiado:
- Sim! Sim! Magnífico! Que ideias esplendorosas! Anda cá, venham daí esses ossos!
Aproximou-se de Sérgio e abraçou-o efusivamente. Não perguntem como, mas assim foi. E quando se separaram, mantiveram-se em silêncio durante largos momentos. Dir-se-ia que, se fossem fumadores, ambos teriam nessa altura apreciado o inigualável sabor de um cigarro.

Minutos depois, Sérgio inquiriu:
- Há outra coisa em que estou também a matutar. Não seria também uma boa ideia haver uma Casa – Museu, mas de carácter mais institucional?
- Sim, tens toda a razão. – anuiu Salazar. - E poderia muito bem ser feita aqui.
- O quê? Nesta casa? Foi aqui que viveu, não é verdade? – Sérgio tratava de novo Salazar com a deferência da primeira conversa.
- Pois. Bem vistas as coisas, isto precisa de umas valentes obras. Mas tenho andado por aqui a vaguear e até já tenho algumas ideias.
- Mas repare bem neste espaço. Acha que se adequa à monumentalidade de um museu?
Decidiram então passear pela exígua habitação. A ameaça de derrocada era por demais evidente; por isso, Sérgio avançava cautelosamente, medindo os passos. Na cozinha observaram algumas loiças que se mantinham penduradas, mas nas restantes divisões já quase não se viam objectos. Salazar abriu alguns caixotes no corredor:
- Olha! – referiu, visivelmente emocionado. – Os meus escritos, as canetas, os meus binóculos!
- Bem, - Sérgio procurou que a sua voz não denunciasse o desapontamento que sentia. – temos aqui peças importantes que poderão fazer parte do acervo do Museu. Aliás, tudo o que já vimos poderá fazer parte dele, depois de alguns pequenos restauros, claro está.
- Mas ainda não viste o melhor! Desçamos à adega que tinha na cave.
E assim fizeram. Salazar mostrou a Sérgio as pipas de vinho que ali permaneciam. E os cântaros. E a prensa. E Sérgio cada vez mais enfadado, ouvindo-o descrever o processo da fabricação do vinho. Mas, algo surpreendentemente, Salazar disse:
- Sabes? Acho que, em vez de vinho, vou mas é apostar na produção de azeite.
- E porquê o azeite? – perguntou o rapaz, não sem estranheza.
- É que a minha imagem ficou denegrida quando disse que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses. Fui mal interpretado.
- Pudera, num país analfabeto as más interpretações não são de estranhar. – disse-o a meia voz, após o que fitou o antigo ditador, que ainda assim o ouvira. Mas Salazar fez-se de novas e prosseguiu:
- E o Cardeal Cervejola até me deu uma sugestão para o nome do azeite e até um slogan : “Salazar: o azeite salutar!” Parece-me genial! Não concordas?
- Sim – assentiu Sérgio depois de reflectir por uns instantes. – é uma frase catchy!
- Santinho!
- Mas para isso é preciso investir muito, em maquinaria, plantar oliveiras, contratação de pessoal… tudo isso encarecerá o projecto… não?
- Também já pensei nisso! Olha, sou um pouco como a Tefal! Ih, ih, ih! – E riu. Sozinho. – Quem trará as azeitonas serão os visitantes do museu. E participarão, mediante um pequeno pagamento, que até pode ser efectuado em suaves mensalidades, na elaboração do azeite. Percebes? Não é à toa que dizem que era entendido em finanças!
“Bota de elástico” foi a expressão que assomou a Sérgio. Mas rematou a conversa com outra tirada:
- Entendo, sim. Então os visitantes serão os verdadeiros azeiteiros!
- Podemos dizer isso… não desfazendo, claro! Eu gostava mesmo era que se mantivesse o galinheiro que ali está.
- E posso perguntar porquê?
- É que – Salazar falava agora em voz baixa, num tom quase impregnado de uma ternura triste. – gosto de ficar a ver as galinhas, observo-as durante horas, por vezes. E, volta e meia, até falo com elas.
Sérgio não respondeu. Não poderia. A emoção turvava-lhe os olhos. Mas turvava-lhos intensamente, como se comungasse dos sentimentos do espírito que lhe falava. Espírito esse que não se apercebeu do marejar dos olhos de Sérgio, e continuou:
- E ali, naquele espacinho à entrada da casa, onde estacionaste o carro, erigir-se-á um pequeno e discreto templo. Com uma caixa que será chamada de “Salazaríssimo”. A almotolia terá sempre azeite. Azeite Salazar, claro está. E mensalmente realizar-se-á uma procissão pelas ruas da aldeia. A procissão do Salazaríssimo, está bom de ver. E, uma vez por ano, já que eu estou impedido pelo artigo 118, alínea c do Estatuto dos Fantasmas de Ditadores, de aparecer a mais de duas pessoas em simultâneo, contratar-se-ia um actor para incarnar a minha personagem e dramatizar um episódio marcante do Estado Novo.
- Hummm... Sérgio cofiava a barba de dois dias. – Esse último capaz de exceder o orçamento de que disporemos. – imaginava-se já a receber um salário bem mais reduzido, por via da contratação do actor que seria “pago a peso de ouro”.
- Tens razão. Nem parecia meu todo esse despesismo... só é pena não se poder mandar encerrar a via rápida. - Salazar apontava a estrada ali mesmo nas traseiras da casa. Paciência. Restrinjamo-nos então aos outros projectos. De acordo?
Sérgio assentiu, meneando a cabeça, tentando ainda assimilar todos os planos do antigo ditador. E então foi a sua vez de sugerir:
- Então e que tal se aproveitássemos também o belo Dão? Podíamos construir barcaças para os visitantes darem um passeio por estas belas águas!
- Ah! Por momentos cuidei que te referias ao vinho! Sim! Sim! E os barcos seriam em forma de bota! – os olhos de Salazar faiscavam agora de emoção. – E para tornar as coisas mais emocionantes, arranjávamos um sistema em que os barquinhos começassem a meter água durante a viagem, ameaçando ir ao fundo! Isso sim, seria uma viagem recheada de aventuras! Estou tão feliz, isto é como regressar aos meus gloriosos tempos... Ah, rapaz, parece que já consigo antever o Vimieiro daqui alguns anos, depois da abertura desta obra! Ora aproxima-te e olha-me fixamente nos olhos, para veres também.
- Como? Dá para ver isso através dos seus olhos?
- Sim, basta que os olhes fixamente – repetiu. - Este projecto vai dinamizar, para não dizer dinamitar, a economia local!
Então, e não sem algumas cautelas, Sérgio aproximou-se de Salazar e entreolharam-se. Uns instantes depois, Sérgio viu isto:

Escusado será dizer que esta visão o deixou transido, estado de que demorou algum tempo a recompor-se.

(e falta pouco)
Vídeo _ Chris Cunningham para "Come To Daddy" de Aphex Twin

doll parts

O álbum "life through this" dos Hole, de 1994, lançado uma semana após o suicídio de Kurt Cobain. Courtney Love, a frontwoman da banda, era casada com K. D. Cobain. "Doll Parts" é a canção mais emblemática da carreira da banda, e todos os fãs de Nirvana não lhe serão indiferentes (ainda que os motivos possam não coincidir). O vídeo é puro maniqueísmo destinado a vender a imagem de Courtney. Já a letra - da autoria de Love - mescla o registo autobiográfico da relação do casal com a egotrip que desde sempre foi a sua imagem de marca.

o deus da maquina - uma explicação

A propósito do nome que utilizo, que pode suscitar leituras erróneas, fica aqui a explicação de onde vem: da expressão deus ex machina.
deus ex machina significa literalmente "o deus que desce numa máquina", isto nas tragédias gregas, que é uma noção dramatúrgica que motiva o fim da peça pelo aparecimento de uma personagem inesperada.
Na tragédia grega, especialmente em Eurípides, recorria-se a uma máquina suspensa por uma grua, que trazia ao palco um deus capaz de resolver, num golpe inesperado, todos os problemas ainda não resolvidos.
Logo, é a intervenção inesperada e providencial de uma personagem ou de uma força superior capaz de desenredar uma situação inextrincável. A surpresa do desenlace é total!
Nas tragédias, o deus ex machina não é um efeito do acaso, mas o instrumento de uma vontade superior é mais ou menos motivado, sendo artificial ou inesperado apenas na aparência.
Actualmente, o deus ex machina é, com frequência, uma personagem que serve de duplo irónico do dramaturgo. Por exemplo, o final de "O Tartufo", de Molière, com o aparecimento da polícia e que prende o tartufo em vez do dono da casa. Ou em Brecht, nalgumas peças, onde o final é inesperado ("A boa alma de setsuan").

17 de abril de 2007

Vida Agitada

(ou a não importância de um título para ser amável)

Intemporal ausência do amor
O medo faz-se na carne
ocre vivo da tensão

Actina e miosina coligados
numa profusão patética
de choro recalcitrante

A trovoada agita os teus lençóis alvos na perfeita mise-en-scène do alto-mar
Quais velas navegando no caudaloso leito da moribunda face do horror

Mortos, profusão de tiros e a imanência dos dias agitados e quentes
Quanto mais calor, mais as partículas se agitam, ah! Entropia, miopia
de sinais contrários e o sucesso vê-se por um canudo rasurado no tempo

Mais sinais de retoma, mais global acção que se visualize no écran
Menos sintomas, o paciente já não sente nem sequer a morte, não tem coração.

O amor...é um gajo estranho
como na canção: Pop dell'arte
Entre a arte e a popularidade
prefiro dois dedos de conserva
Bem enlatada e com prazo de validade alargado

Alargamento do sofrimento
800 milhões sem nada para comer
leia-se: desejo de terminar com a fome!

E nós: que desejamos? Uma refeição topo-de-gama?
um automóvel bem passado? Um telemóvel pronto-a-comer?
Uma nova relação de última geração? Um pé-de-meia
na cave do último andar com piscina coberta?

E eu: que desejo na clara agonia da minha doença?
Um lugar no inferno dos oprimidos? O céu, que não pode esperar
pela minha raiva? O sorriso na tarde calma de um abraço?
Ou a frustração, única companheira da aventura em que me meti?

E ela: que desejava de a conhecer numa manhã fria de verão?
que lhe chamaria todos os nomes, menos o dela? A culpa,
morre solteira? E quem se casa, não tem culpa da morte?
Que sorte ela tem por me não conhecer!

Quando acabarão as perguntas? As dúvidas de um silencioso adeus?
Profanarão a minha última morada dos afectos? Que as cinzas do
teu cigarro sejam as minhas, do meu corpo desnudo, fértil, inacabado.
Que estioles em ti o amarrotado do meu peito, do meu coração sensível.

Depois podes partir. Naufragar por aí! Dá-me um fabuloso destino
em saco de plástico colorido e reciclável, um sonho pop em rádio
despertador digital, um acordar suave nas bocas do mundo.

Não me dês, resiste ao meu cego egoísmo de te ver!
Não deambules por aí à procura da misteriosa chave do sucesso!
O sucesso é um abcesso na mente adoentada! O inferno é já aqui e agora!
Não é tudo, não dói nada! Agora, colora! Simboliza o outrora!

Chega da rima fácil e circular! A andar, a andar!
Porque é que os sonhos se agitam sem sentido?
Porque não marcham na formatura?: em sentido!
Nada disto faz o sonido, o sorvido na tua boca.
Terá servido para alguma coisa?

Adeus e até logo, que o sempre já o temos garantido.
Fica prá próxima a combustão dos sentidos!

performance - quarta parede - covilhã

_ clique na imagem para ampliá-la _

15 de abril de 2007

2+2=5



Radiohead 2+2=5 (de Hail To The Thief)
Texto no início do vídeo - retirado deste sítio de fãs da banda:
[The song's title "2 + 2 = 5" recalls the symbol of unreality from George Orwell's novel Nineteen Eighty-Four. In the book, inhabitants of an authoritarian future state are made to engage in doublethink, replacing their own conscience and beliefs with those imposed from above. At the end of the novel, the protagonist's individuality is demolished, as he avows that two and two are, in fact, five.]

13 de abril de 2007

Fotografia Falada

Dois Cristos numa rua escura (© Letizia Battaglia)

"Palermo, 1982. De noite, enquanto jantávamos, chegou o telefonema. Sabíamos que tinha acontecido alguma coisa. Numa rua pequena, muito escura, estava um homem caído no chão. A polícia chegou, acendeu uma luz, um polícia levantou a camisola e viu-se este Jesus. Foi uma coisa muito forte. A minha mãe quando viu esta fotografia disse “São dois Cristos”. Estas tatuagens fazem-se na prisão, sabe? Mas era um homem sem nada de especial. Mataram tantos... ele está aqui porque tinha este Cristo.”(Letizia Battaglia)

Depoimento recolhido por Alexandra Prado Coelho(Público, 19.03.2007)

Letizia Battaglia - Paixão, Justiça, Liberdade

Libritalia, R. do Salitre 166b. Até 29 de Abril
Dias 4, 11 e 18 de Abril, documentários sobre a máfia às 19h30

12 de abril de 2007

Enseada dos Poéticos Sonhos

Publicar a vida dos desejos
a calamidade das paixões passageiras
barcos que navegam sem rumo
na enseada da esperança

No convés, a alma atormentada
dos motores solitários a rumar
contra oceanos de dúvida
a salsugem fina na tua pálpebra

Ao leme, o capitão dos sonhos ancorados
na sua majestática postura triunfal
a nostalgia de um passado que
trespassou a sua memória

Na proa das melancólicas ondulações
o teu olhar absorto nas gaivotas
que te perseguem até avistares
a firme terra da tua vida

Aportaste no cais da sedução
ris da tua inocente figura
no encontro de braços desconhecidos

Lavaste as lágrimas do teu funesto passado
calcorreaste a marginal via do amor
O enjoo do mar dissipou-se no beijo salgado

E as paisagens protegidas do teu corpo
foram exploradas mas não conspurcadas
Nasceram árvores do teu leito

E tudo o que ofereceste ao mar
foram pétalas aromáticas a agradecer
por te ter devolvido à vida

Publicaste o mar na tua mão
Deixaste o navio com rumo
a novas marés de sonho

Na baía da esperança infinita
Terminaste a tua tarefa:
Encontrar o rumo
da íntima felicidade!

11 de abril de 2007

EM LETRA MINÚSCULA

próprio dos deuses
na melancolia da tarde
astutas memórias
do infinito acabado

gastas solas
na demanda dos dias
afectuosos

terminada a existência
dos banais consortes
das almas penadas
o rei indagou o porquê
de tão submissa cidade
dos sonhos obliviados

e a esfera dos deuses
incautas loas da perene
e frenética ondulação
dos sinais

são apenas cascos
de um restolho
por respigar

na primavera dos caroços
a tua cereja é o topo
do teu bolo suicida

quero empanturrar-me a valer
de tão calórico subtrefúgio minimal

endoideço na brisa da tarde calma
perco o teu olhar na bruma
dos meus chuvosos mares

afogas-te na ausência do meu calor
sou o culpado dessas névoas mortais

em silêncio retorno às noites
do meu pranto miudinho
perfeita escuridão
da minha alma corrompida

conspurcada de afectos
na triste sina
de um passado feliz.

9 de abril de 2007

Voltar d.C.

Possibilidade interior
Mudar o mundo
pelo retrovisor
do saber profundo

Causas nobres
ideais vividos
A sopa dos pobres
é um caldo sofrido

Protestar as misérias
Descobrir a bondade
Ocultar as lérias
de tão vil Sociedade!

-Já chega agora!
foi grito que soltei
-Está na hora!
Ao silêncio regressei

6 de abril de 2007

Judas Zero Sete


Sábado às 23 horas, no campo de jogos da EB 2,3 de Tondela, não perca mais uma edição da Queima e Rebentamento do Judas.



Mais uma vez, o Trigo Limpo realiza este espectáculo transe-disciplinar (interpretação, música, cenografia, adereços, figurinos, coreografia, pirotecnia, Rentería, artes visuais e muito mais). Poder-se-ia apelidar de "teatro de rua", mas opto por "teatro de escola". A entrada é livre, mas sujeita a passagem por um portão. Agradece-se um sorriso franco a quem nesse portão estiver.




Depois a noite segue no Bar Novo Ciclo com uma banda que oscila entre o rock, a vodka e Bowie. Como decerto adivinharam, trata-se dos Absolut Beginners, que cumprem em palco tudo o que não chegaram a prometer.

Entretanto, entre duas bebidas brancas, passem pela Galeria ACERT e espasmem-se com "Uma ponte entre isto e aquilo", da artista plástica brasileira Vera Goulart, uma exposição que Maria Pernilla e Mao Morto recomendam vivamente. (Esta exposição poderá ser vista até 13 de Abril)




E então, aJudas à festa?

4 de abril de 2007

Este Salazar que vos fala! (parte quatro)

Após tão tranquila viagem, apesar da Brigada de Trânsito da GNR, que me deixou passar, devido ao "toque" do Sr. do Vimieiro, que disse que ia em alta missão de "espírito" nacional, aparquei junto à escola primária, um portento arquitectónico, que será a sede do futuro Museu.
-Olá proto-espírita -retorquiu Salazar, muito bem disposto e a jogar em casa, literalmente!
-Então e o seu almoço? - Bom, já sabes, a minha Maria fez uma Vitela de Lafões que nem queiras saber, com arroz de carqueja! De morrer! Ahhhh! Riu-se a bandeiras despregadas!
- Bom, então quer que eu utilize o meu capital espírita para chamar aqui toda a gente do regime?
- Não, nada disso! Só quero as Gajas! Sim, sei que me tomas por velho, mas eu já aprendi o vocabulário urbano. Tenho andado por Viseu nestes tempos! Ali na Biblioteca do Politécnico, com as garinas ali a estudarem, cheias de calor e hormonas no ar, que a primavera de Praga não perdoa! Eh, eh! -Ai, como eu adoro uma boa patacoada! Adoro piadas senis! Tem mais a ver com o meu profile! A propósito: já me inscrevi no Hi5, claro, com um nick apropriado, mas que não te vou revelar. Já que és adivinho, descobre!
-Certo, certo, vamos ao que interessa! - disse Sérgio - proto-enfermo-escrótico-artístico.
-Ok! E não é a Ivone Silva que fala, já te fiz o teste há pouco! Arranjei outra estória para te trazer aqui. Se dissesse que era eu que queria gajas boas e desnudas, de carnes bem roliças e rosadas a cheirar a patchouly, tu viravas-me logo as costas. Então disse que era pelo Museu. Mas o que eu quero é mesmo Gajas! Boas, Minhotas, Beirãs, Alentejanas, Algarvias, Estremenhas...
- Não, Toni. Já não se diz nada disso! As províncias já acabaram. Agora são regiões! Pronto, quer gajas do Porto e área metropolitana envolvente, de Lisboa e Vale do Tejo, do Douro Superior, do Douro Internacional...
- Isso pertence a Bragança? - O Douro Internacional?
- Creio que sim!
- Compro! Venham dessas! Dizem que são de boa qualidade, resistem ao frio e à chuva, têm melhor manutenção e alimentam-se de alheiras e vinho barato! Compro!
- Ok! E como é que vamos fazer? Tem dinheiro?
-Oh se tenho! Tenho tudo debaixo de um alçapão lá na Cozinha! Anda ver!

E lá foram ver! Qual não foi o seu espanto ao descobrir que Salazar tinha muitas notas...
em Escudos!

-Mas...Mas, isto são escudos!
-Naturalmente!
-Mas agora a unidade monetária é o Euro!
- Sim, eu sei! Mas estas vintenas, olha, são todas as que consegui arranjar dos primeiros anos da minha ponte sobre o tejo, a Ponte Dr. Oliveira Salazar! Bela obra!
-E as de Cem, foram as que consegui tirar dos impostos dos Funcionários Públicos da altura. Acho que tenho para aí 2 mil contos! Achas que dá?
-Bom, é difícil, a vida hoje está muito cara. E quando se trata de Gajas...
-Ah, mas nós vamos fazer negócio! Eu vendo isto ao Banco de Portugal, ou às casas de Numismática, ou aos leiloeiros. Há muitos colecionadores por aí! Vais ver que isto vai ficar por 10 mil contos, 5 vezes mais!
-Portanto, 2 mil euros, cinco vezes menos!
-Como?
-Ah, é a transformação dos Escudos em Euros!
-Então quer dizer que ficamos na mesma? -Eu multiplico por cinco e agora os Euros dividem por Cinco!?
-É isso mesmo!
-Ora cagandabarrete!

Este Salazar que insiste em falar-vos (parte três - and counting)

Enquanto se banhava, Sérgio não parava de pensar em Salazar. A dada altura, pensava, parecia-lhe que o seu discurso se tornara incoerente. Pressentia que algo de estranho teria acontecido, uma mudança quase imperceptível no seu tom de voz e na sua postura, que se tornara estranha e inverosimilmente mais informal. “Ou então seria imaginação minha”, pensou ainda. Terminado o duche, abriu a cortina e apanhou um dos maiores sustos dos últimos tempos. Salazar jazia de pé, mesmo junto dele.

- Mil perdões, rapaz. – disse. - Não pretendi assustar-te – e baixou os olhos, visivelmente constrangido.

- Não… não tem importância. – titubeou Sérgio. – Se não se importa, conceda-me só um momento, para me arranjar.

- Oh sim, claro! Até já, então! Aguardarei por ti na sala. – E esfumou-se no ar perante o incrédulo olhar de Sérgio. O fumo deixara no ar um intenso odor a mofo e, depois de se secar cuidadosamente, abriu a janela da casa-de-banho.

Minutos depois, encontrava-se na sala, onde Salazar o aguardava, observando as fotografias emolduradas na parede.

- Afinal regressou, – afirmou Sérgio, fazendo com que o velho se voltasse na sua direcção. – pensei que há pouco se tinha despedido e voltado para lá… para onde quer que estivesse.

- Despedi-me? Quando? Não me recordo…

- No final da nossa conversa de há minutos, quando me falou da sua ideia de criar uma Casa-Museu dedicada ao Salazerotismo, Eroto-Salazarismo, ou lá o que era! - E riu. Riu com gosto. (Gostava de brincar com as palavras; faltava-lhe aprendê-lo).

Salazar não respondeu. Em vez disso, esboçou uma expressão meio pensativa, meio confusa e que seria ainda de desdém, não fosse o caso de duas metades perfazerem uma unidade. Até que irrompeu numa gargalhada rouca:

- Ah, está tudo explicado! Foi outra vez aquela doidivanas! Sempre a meter-se comigo, a macaca!

- Desculpe, não estou a segui-lo…

- Fique onde está. É o espírito da Ivone Silva, que quando lhe dá na veneta incarna a minha figura e faz-se passar por mim. Ao princípio ainda a ameacei, mas depois até comecei a achar-lhe piada. A mulher é cá uma finória, mas gosto dela, sabes? Ah, a marota da Ivone, não lhe perde o gosto…

- Então e como poderei ter a certeza que agora é mesmo com o senhor Oliveira Salazar que falo?

- Há um método infalível. Só tens de me ofender.

- Como? Não percebo…

- Insulta-me. Arremessa-me um impropério, ou vários! Pela minha reacção logo verás que sou mesmo eu. - E, gracejando, parafraseou Jesus Cristo: - “Sou eu, não tenhais medo!” Eheheh…

- Ora então, deixe cá ver… - disse o desafiado Sérgio, cofiando a barba rala no pescoço com ar pensativo. – Então cá vai disto. Você é um bafiento! Um bolorento!

- Mais! Mais! – Salazar estava visivelmente satisfeito com o que ouvia, a respiração ofegante, os dedos crispados agarravam com fúria o tecido indeterminado do colete.

- Um… chauvinista! Ditador de trazer por casa! Rústico!

- Aaaaaaaahhhh! Pára! Pára com isso! – nesta altura Sérgio interrompeu a sua breve catarse e olhou para o antigo ditador, aterrado. Salazar levara as mãos à cabeça, que mantinha inclinada para baixo. Na sua face, estranhamente avermelhada para um espírito, produziam-se contorções estranhas, como se aquele espírito estivesse a ser assediado – utilizando um eufemismo – por outro. Salazar gritou, com a saliva a escorrer-lhe abundantemente da boca (Salazar a salivar, portanto):

- Parem com isso! Parem com isso! Eu não adoro que vocês façam isso! Sou o maior! Sou o maior!

E, ensandecido, esticou o braço direito para o único cadeirão da sala, que se partiu com estrondo.

- Estás a ver? – disse Salazar, ainda ofegante mas já a compor o seu fato cinzento. - Acreditas agora que sou mesmo eu? "It is I, Salazar!" - E riu, entre o contrafeito e o original.

Sérgio não ousou responder. Estava petrificado, digamos assim, pelo temor e pelo assombro.

- Vá, meu rapaz, não temas! Era só uma brincadeira, e agora já não tens de duvidar!

- É… é isso mesmo. – O inconsolável Sérgio olhava o que restava da cadeira no chão.

- Mas então dize-me, – prosseguiu Salazar. - que patranhas te contou a Ivone? Estou em pulgas por saber!

Então Sérgio relatou-lhe todos os pormenores sobre o Museu do Nacional-Proxenetismo – foi a expressão que lhe acorreu na altura e que não se coibiu de empregar. Quando lhe falou nas secretárias e recepcionistas russas e brasileiras, Salazar interrompeu-o:

- Parece-te então que eu não me importaria de importar mão-de-obra desses países, soviéticas! vaderetro! quando as portuguesas estão cada vez mais sensuais e langorosas? No meu tempo é que eram quase todas uns belos camafeus, bigodudas e trajavam de negro, saias compridas, até metiam dó! Safa!

- Pois, - respondeu Sérgio, num sorriso trocista. – Só lhe falta dizer que se não estivesse morto e tivesse uns aninhos a menos muitas marchariam ao ritmo da sua batuta!

- Pois duvidas? É o marchas! - replicou Salazar, com um falso tom de orgulho ferido. - Agora, e mudando de assunto, numa coisa a Ivone tem razão. O motivo que me levou a visitar-te foi a construção de um museu, pequenino claro, uma coisa simples, dedicado à minha pessoa e, se não fosse pedir muito, ao regime que instituí e mantive.

- Ah, afinal queremos museu! Mas onde é que eu entro, no meio dessa história toda? É que, ao contrário do que me disse… aliás, do que a Dona Ivone me disse, não sou jovem artista! Sou apenas o recepcionista da Pousada do Colibri! – Tacteou os bolsos do casaco. – Devo ter aqui o cartão. O nosso lema é…

- “Pousada do Colibri – o seu sono é melhor aqui.”. Deixa, não procures mais. Já sei quase tudo a teu respeito. O motivo pelo qual te escolhi é simples: és a única pessoa num raio de trinta quilómetros que tem o dom de contactar com espíritos.

“Pois. Só que isso não é necessariamente bom.” – pensou Sérgio. – Quer então dizer que as bruxas, espíritas, etc. não conseguem de facto entrar em contacto com… entidades como o senhor?

- Nem me faças perder tempo com essas fraudes de terceira. Sabes, há uma senhora de idade que também consegue ver-me e ouvir-me, mas ela está um pouco surda... e vive longe, sabes como a gasolina anda cara...

-E eu que o diga, apesar de o meu carro ser a gasóleo.

- É, isto anda mal... Olha lá, podes ir agora ao Vimieiro comigo?

- Poder até posso! É já ali, como dizem os alentejanos.

- São vinte quilómetros. Então faz-te à estrada e continuamos a conversa depois, está bem? É melhor falar-te dos planos que tenho em sede própria.

- Como queira, vou pôr-me a caminho. E você, vai comigo de carro ou vai… hã… ou vai lá ter?

- Vou lá ter… não te preocupes, sei como te encontrar. É que, sabes, custa-me viajar a grandes velocidades. E ainda por cima, desde que fizeram a via rápida, tão perigosa…

- Mas o que poderá acontecer de mau a um espírito? Venha daí, para pormos a conversa em dia!

- Vais desculpar-me a teimosia, mas não gosto de apanhar sustos, sabes? Desejo-te boa viagem, e conduz com segurança, está bem? Então até já!

- Até login, - disse Sérgio. Salazar não o percebeu, mas não o deu a entender. Desapareceu – “outra vez este cheiro a mofo”, pensou Sérgio. “Vou ter de arranjar uma maneira polida de lhe dizer para começar a desaparecer fora de casa.”

E pôs-se a caminho. Rapidamente alcançou a via rápida, e dirigiu-se para Nordeste. Enquanto conduzia, relembrava os acontecimentos daquela noite e manhã e aguardava com expectativa o desenrolar da visitação.

(continua - quéssedezer, há mais de onde este veio)

2 de abril de 2007

Este Salazar que vos fala (parte dois)

Ainda meio estrebuchado, Sérgio faz a pergunta fatal:
- O que é que o Senhor Salazar faz por aqui?

Após um longo interregno de tempo, em que assoou-se energicamente, Salazar respondeu-lhe:
- Bem, eu gostava que me fizesses um favor!
- Um Favor?! Levantou-se de um salto Sérgio! Mas porquê eu?
-Ora filho, descobri desde há muito tempo que eras um fanático anti-fascista e eu estive sempre de olho em ti!
Nessa altura, Sérgio já suava de tanto medo. - Mas...
-Não tenhas medo! Eu não te como ao pequeno-almoço! Seguiu-se uma longa e estrídula gargalhada!
- Podes ir embora espírito?
-Acalma-te. Eu não sou tão cinzento como me pintam, eu até sei contar piadas! Não te preocupes!
Olha, eu vou agora dizer-te porque é que preciso da tua ajuda:
- Quero que me faças um Museu em Santa Comba Dão. Já que moras tão perto desta localidade, que conheces as gentes locais, e já que és um artista novo, podias ajudar na ideia de um Museu!
- Um Museu em seu nome? disse Sérgio, mais descontraído!
- Sim, um belo Museu em Meu nome!
- E sobre que será esse Museu, uma memória do Fascismo?
- Oh! Fascismo? Tu achas que isto era fascismo? Isto era Social-Ruralismo! Então pensa lá um pouco:
- Eu usava botas do campo, bebia vinho do Douro, lá de Trás-os-Montes, Comia Batatas da Beira, Pão do Alentejo, Figos da Serra Algarvia. Não, deixa-te disso, eu detestava Lisboa e Porto. Engraçava com Coimbra, pois aí ainda via umas estudantes jeitosas! Estás-me a compreender...
- Não sei que lhe diga, Sr. Salazar!
-Chama-me de Toni, por favor!
-Está bem!
- Eu vou-te contar então: -Quero que faças um Museu em meu nome, mas um Museu Erótico!
-Ah, sim...
-Sim, um Museu com artigos Sado-Maso, com Meninas, com verdadeiras putas!
-Bom, pode-se arranjar... mas não é ousado demais para a sua pessoa?
- Não! É isto que eu quero! Estou farto dos comentários que dizem que eu fui homossexual, hoje em dia dizem Gay (que é um nome muito mais bonito), só porque nunca me casei! Quero dar uma imagem mais moderna de mim!
- Bom, isso até pode ser engraçado!
- Claro, estás a ver, eu sabia que podia contar contigo! Ah, e cobra caro nas entradas! Escolhe boa matéria-prima, e desta feita abre-te à Europa, ao Brasil, e até à Ucrânia!
- Agora o lema é: Orgulhosamente Tesos!
-Boa, agora posso ir tomar banho Toni?
-Podes, e faz o que te disse. Vais ser um glande Português! Um português com Glande Fibra!
- Obrigado Toni! Afinal és muito Simpático e moderno!
- É para veres como tenho olho para as Finanças! Adeus, vou preparar o meu almoço! Sabes o quê: - Foie Gras flambeado com Gelado de Pistachio e noz-moscada. Como Vês, sou um Cidadão aberto ao mundo!
-Adeus e bom almoço

E assim Sérgio lá foi tomar banho, pensando ainda em tão inusitada proposta museologico-cultural!
(continua, se quiserem)

1 de abril de 2007

Este Salazar que vos fala (parte um)

Ser acordado às duas horas da manhã é uma sensação difícil de descrever. Ser arrancado dos braços de Hipnos depois de três horas de um sono que pretendia retemperador é, poder-se-á afirmar, como acordar bruscamente às cinco da tarde depois de uma sesta iniciada às três – com a diferença de, no primeiro caso, se ter dormido mais meia-hora.

Foi assim, que, às duas da manhã de uma destas noites, Sérgio ouviu uma voz que o chamava. No início pareceu-lhe que sonhava, enquanto despertava com vagar. Acendeu o candeeiro e voltou a cabeça na direcção da janela, deparando-se com um vulto cujos contornos se foram progressivamente tornando mais nítidos.

- Acorda, Sérgio! – disse-lhe o vulto. – É tempo de te levantares!
Um olhar de viés para o despertador levou-o a reclamar. – São duas horas! Quero dormir! – Ao invés, Sérgio voltou-se de novo para a figura que, de súbito, lhe pareceu vagamente familiar. Fitaram-se em silêncio: o desconhecido sorria, Sérgio mirava-o desconfiado.
- Avô! - exclamou subitamente. - Que fazes aqui? A que se deve esta visita?
O sorriso do seu interlocutor desvaneceu-se num esgar que denunciava a confusão que o assolara. Ao ver a sua expressão, Sérgio logo disse:
- Espere aí, você não pode ser o meu avô. (Que parvoíce!) O meu avô morreu há quase trinta anos. Desculpe tê-lo confundido, mas a sua cara pareceu-me familiar... e é mesmo parecido com ele. Queira desculpar-me, sim?
- Tudo bem, rapaz! – e voltou a sorrir. – Eu nunca poderia ser o teu avô. Morri alguns anos antes dele, em 68. Sou o Salazar, Presidente do Conselho.
- Ah, bem me parecia! Desculpe, é que são mesmo parecidos, no porte, na fisionomia, até no cabelo! E o meu avô também trajava de cinzento, do pouco que me lembro dele.
- Ih, ih! Devia ser um admirador meu, decerto!
O petiz preparava-se para contradizê-lo, dizendo que o seu avô até ficara secretamente satisfeito aquando do seu passamento, mas não o fez por cortesia. Em vez disso, esboçou um sorriso, tentando que este parecesse suficientemente vago para não dar azo a desconfianças. E o velho prosseguiu:
- Bom, vim ter consigo porque estou a precisar... – começou por dizer. Mas Sérgio estendeu a mão aberta com a palma voltada para ele, num gesto que lhe deteve o discurso. Depois apontou essa mesma mão – a direita – para o despertador.
- Olhe, tenho de dizer-lhe que apareceu a uma hora assaz inconveniente. Tenho de levantar-me de manhã cedo e agora não poderei continuar esta conversa. Lamento.
- Mas então...
- Apareça pela manhãzinha depois das nove e meia, que estarei por aqui, pode ser... senhor Salazar? – E, mal lhe dando tempo para assentir, deitou-se e voltou a cabeça na outra direcção. Momentos depois, pensando na desfaçatez que era interromper o seu precioso sono, ouvia ainda uma respiração pausada. Sem se mexer, resmungou um “ainda aí está?” ao que Salazar respondeu em voz baixa: “Mil perdões... vou deixá-lo então. Até amanhã!” E apagou-lhe a lâmpada do candeeiro, coisa que Sérgio se esquecera de fazer.

Tentou voltar a adormecer, pensando no que acabara de ocorrer. Nunca havia sido visitado durante o sono por pessoas mortas. Sentia-se aliviado por a conversa ter sido tão curta, pois uma das suas grandes dificuldades consistia precisamente em manter uma conversação dita social por muito tempo. (A não ser, é claro, que estivesse levemente embriagado). Mas sentiu-se simultaneamente aliviado: ao menos com o ditador sempre podia manter uma conversa sobre vários assuntos, desde a actualidade a temas da sua época áurea – por assim dizer. Se fora o seu avô paterno, como de início suposera, a conversa rapidamente ficaria entravada, pois as suas recordações do ancião eram muito vagas: sabia que era do Benfica, que tinha uma voz que o amedrontava, apesar da simpatia que sempre demonstrava para consigo, e pouco mais. Por outro lado, pensou ainda, seria uma óptima oportunidade para reatarem o elo perdido abruptamente aquando da sua morte. Embalado por estes e outros pensamentos, acabou por adormecer bastante tarde – lembra-se de ter visto as horas no despertador às 4:48. Recorda-se ainda de ter sentido calor na cama, e de se ter, por isso, aliviado - assim, despiu o pijama do Snoopy, tendo vestido um mais fresco, já que as noites primaveris se tornavam progressivamente menos frias.

- Bom dia, jovem! Antes de mais peço desculpa pela minha aparição intempestiva. E pelo que me pareceu, fui a tua primeira aparição.
- Tudo bem, já nem me lembrava disso. Sim, você foi a minha primeira aparição. Antes disso, apenas tinha sonhado com a Sofia Aparição, mas nada mais.
- Ah, sim? Interessante! – comentou, afagando repetidamente o queixo com o polegar e o indicador da mão direita. Por esse gesto e pela expressão aquilina do seu rosto Sérgio apercebeu-se que Salazar apreciava a Sofia Aparição. Ou então o seu jogo de palavras confundira-o.
- Caso não tenhas reparado, apareci mais tarde. Notei que te custou adormecer, por isso deixei-te dormir umas horas mais, não quis estragar-te um belo Sábado de manhã.
- Obrigado, é muita bondade da sua parte - replicou o jovem, num tom levemente sarcástico. - E como soube que tive dificuldades em voltar a dormir?
- Sou um espírito; os espíritos acompanham sempre as pessoas desde que as visitam pela primeira vez, ainda que não presencialmente. – fez uma pausa. Reparou na expressão de surpresa no rosto de Sérgio e tentou tranquilizá-lo: - Não te preocupes, não perceberias de qualquer modo. Mas assevero-te que vim visitar-te por bem.“Vindo de quem vem, isso é tranquilizador. Muito.” – pensou o rapaz. Voltou-se para Salazar, esperando que os espíritos não lessem os pensamentos às pessoas. A inexpressividade na sua face aquietou-o.

Era chegado o momento de indagá-lo acerca do motivo da sua inusitada visita.

(continua)

gargantas que dão nó na música: Mike Patton

Há músicas que dão nó na garganta. Muitas - e muitos nós. Mas o contrário também sucede. Se Frank Sinatra foi "A Voz", Mike Patton é sem dúvida "A Garganta". Ei-lo aqui num concerto com os Faith No More em Santiago do Chile. O animal toma conta do palco: pega num objecto perfeitamente identificado, tem uma entrada precipitada pela qual se deculpa e exibe sem quaisquer pruridos os seus dotes vocais (urros incluídos). Uma interpretação intensa que, perto do final, deixa os espectadores das primeiras filas e o próprio Patton a salivar. It`s a dirty job.




We care a lot about disasters, fires, floods and killer bees about Los Angeles falling in the sea about starvation and the food that Live Aid bought About disease, baby, Rock Hudson, Rock... (Yeah!) We care a lot About the gamblers and the pushers and the freaks about the people who live off the street about the welfare of all you boys and girls about you people cause we're out to save the world (Yeah!) and it's a dirty job but someone's got to do it! Oh, it's a dirty job but someone's got to do it...

We care a lot about the Army, Navy, Air Force, and Marines about the NY, SF, and LAPD about you people, about your guns about the wars you're fighting gee, that looks like fun We care a lot about the Cabbage Patch, The Smurfs, and DMC about Madonna and we cop for Mr.T about the little things, the bigger things we top about you people, yeah, you bet we care a lot !